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México promulga Acordo de Escazú para frear violência contra ativistas

Seis mexicanos foram assassinados nos primeiros meses de 2021 por defender o meio ambiente e os direitos humanos
<p>Reunião pública na comunidade de Bacanuchi, Sonora, onde foi construída uma barragem de rejeitos. Foto: Cortesia: María Fernanda Wray/PODER.</p>

Reunião pública na comunidade de Bacanuchi, Sonora, onde foi construída uma barragem de rejeitos. Foto: Cortesia: María Fernanda Wray/PODER.

Carlos Márquez Oyorzábal foi assassinado na noite de sábado de 3 de abril de 2021. Um grupo o interceptou em uma estrada da Serra de Guerrero, no sul do México, quando ele subia em seu quadriciclo com dois de seus filhos, logo após fazer compras. Os meninos foram forçados a assistir ao pai ser torturado e morto.

Carlos Márquez morreu aos 43 anos e deixou quatro filhos. Ele era chefe da polícia de Las Conchitas, povoado de San Miguel Totolapan, uma área montanhosa coberta por mata nativa, embora cada vez mais pressionada por plantações de papoula do crime organizado. Quadrilhas também extraem madeira e vendem a carga com documentos falsos a serrarias da região, segundo Observatório para a Paz e o Desenvolvimento da Serra de Guerrero.

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Casos de assassinato de ativistas foram registrados nos primeiros meses de 2021

Desde 2019, o observatório vem pedindo ajuda institucional, mas as denúncias não foram ouvidas. Há cerca de um ano, então, Oyorzábal e outros habitantes dos povoados de San Miguel Totolapan se organizaram para criar sua própria polícia comunitária. Agora, o nome de Carlos Márquez Oyorzábal é mais um na lista de ativistas do meio ambiente e do direito à terra assassinados no México. Nos primeiros quatro meses de 2021, seis pessoas foram mortas, cinco delas em Paso de la Reyna, Oaxaca.

Polícia comunitária de San Miguel Totolapan
Moradores de San Miguel Totolapan criaram uma polícia comunitária para defender suas florestas. Na imagem, o primeiro à esquerda é Carlos Márquez, assassinado em 3 de abril de 2021 / Cortesia: Observatório para a Paz e o Desenvolvimento da Serra de Guerrero

Carlos Márquez morreu menos de um mês antes da entrada em vigor do Acordo de Escazú, o tratado da América Latina e Caribe que, pela primeira vez, reconhece a importância desses ativistas e obriga os países a protegê-los. 

O Acordo de Escazú vem em um contexto nacional bastante complicado, um contexto hostil e impune, especialmente para os ativistas

Além de promover a proteção dos ativistas, o acordo demanda que as nações garantam acesso à informação pública, participação cidadã e justiça em questões ambientais.

O México, um dos 12 países a ratificar o tratado, mecanismos de participação cidadã, como consultas públicas, tornaram-se meros procedimentos, agências ambientais funcionam com o orçamento mais baixo de sua história e o governo federal é o principal promotor de megaprojetos com impactos ambientais.

“O Acordo de Escazú vem em um contexto nacional bastante complicado, um contexto hostil e impune, especialmente para os ativistas”, afirma Tomás Severino, diretor da Cultura Ecológica, organização que há mais de uma década promove o tratado.

Apesar do contexto adverso, Tomás Severino confia que o acordo será uma ferramenta poderosa para a defesa do meio ambiente: “Este é um acordo de direitos humanos, e isso faz uma grande diferença. É um guarda-chuva muito mais amplo [que instrumentos anteriores]”.

Em Zacatecas, um menino observa um cão beber água.
Na comunidade de Cedros, município de Mazapil, na região central do México, muitas famílias dependem da água distribuída por mina; a empresa detém concessões para a extração da água. Foto: Adolfo Valtierra.

Campanha por acordo

Organizações civis têm um papel fundamental na formulação do acordo. Foram elas que  cobraram um instrumento para a América Latina e o Caribe focado no “Princípio 10” da convenção Rio 92, que define o direito à informação, justiça ambiental e tomada de decisões.

Em 2012, na convenção da Rio+20, o tratado começou a ser costurado. E, em março de 2018, o Acordo de Escazú foi concluído — e nomeado em referência à cidade da Costa Rica onde ele foi adotado.

martha delgado
No México, além das organizações, a subsecretária de Relações Exteriores, Martha Delgado, pressionou para a ratificação do Acordo de Escazú. Antes de assumir a posição, Delgado fez parte da sociedade civil que impulsionou a existência do acordo. (Imagem:: Cortesia de Foreign Affairs)

Em países como Peru, Chile ou Paraguai, os setores empresarial e político lutaram contra o Acordo de Escazú. No México, isso não aconteceu. Mas sua ratificação levou dois anos devido à mudança de administração pública e à emergência da Covid-19.  

Acesso à informação e recursos

Embora o México tenha instrumentos voltados para o acesso à informação, ainda faltam dados fundamentais previstos no acordo, entre eles informações sobre áreas contaminadas por tipo de poluente e localização; e sobre concessões, contratos, acordos e autorizações que envolvam o uso de bens, serviços ou recursos públicos.

Xavier Martínez, diretor do Centro Mexicano de Direito Ambiental (CEMDA), acrescenta que o país deve implementar um sistema de alerta de ameaças à saúde e ao meio ambiente.

O orçamento é outra barreira. A entrada em vigor do tratado é uma oportunidade para o México mostrar vontade de cumprir com os direitos humanos ambientais, “alocando os recursos necessários”, salientou a organização Fundar em uma declaração de janeiro.

Até agora, a gestão de Enrique Peña Nieto, entre 2012 e 2018, cortou o orçamento do setor ambiental, tendência que foi exacerbada no atual governo de Andrés Manuel López Obrador. Em 2016, em torno de 55 bilhões de pesos (R$ 14 bilhões) foram destinados ao setor, enquanto que, em 2021, o montante caiu para 31 bilhões de pesos (R$ 8 bilhões).

Justiça e proteção ambiental no México

Essas medidas ainda são mínimas se comparadas aos desafios do México para garantir a participação cidadã, justiça ambiental e proteção dos ativistas. 

O Acordo de Escazú já era invocado em tribunais mexicanos antes mesmo de ser instituído.  Um desses casos foi a polêmica sobre a construção de uma barragem de rejeitos pelo Grupo México próxima à comunidade de Bacanuchi, no norte do país. Moradores alegaram não terem sido consultados sobre a obra.

Em outubro de 2018, a Suprema Corte decidiu em favor da comunidade, declarando que havia sido violado o direito dos moradores de participarem das decisões do projeto. A Justiça reconheceu, pela primeira vez no México, o direito de consulta prévia a uma comunidade não-indígena e ordenou que o governo promovesse uma reunião para explicar o escopo do projeto. A sentença ainda não foi cumprida. 

A advogada responsável Victoria Beltrán, coordenadora da área legal da organização que acompanha as demandas da comunidade, a Poder, diz que o acordo resgata o direito à participação, “um direito que, em algum momento desapareceu”.

Porém, Mauricio Limón, advogado especializado em direito ambiental, define como “ruim” a participação cidadã e como “muito ruim” a justiça ambiental no México.  

Ele menciona, por exemplo, que mexicanos podem oficializar reclamações na agência ambiental Profepa, mas o órgão não informa sobre a investigação ou os procedimentos adotados, o que torna impossível contestar o resultado. 

O Acordo de Escazú, segundo Limón, deveria ser um “roteiro para o acesso à justiça ambiental no México” e ter mecanismos para garantir o cumprimento de sentenças. Esta é uma das grandes dívidas do país em matéria ambiental: as sentenças não são cumpridas.

Escazú reconhece ativistas

Se algo torna o Acordo de Escazú inovador é o fato de este ser o primeiro instrumento jurídico que reconhece os ativistas dos direitos humanos em questões ambientais.

Além disso, o tratado destaca que Estados têm a obrigação de garantir um ambiente seguro e propício para a defesa dos direitos humanos em matéria ambiental, bem como de realizar a devida investigação dos ataques e a eventual punição dos responsáveis.

No México, a figura dos ativistas do meio ambiente e do território começou a ser reconhecida a partir de 2015, explica Lucía Velázquez, da Universidade Nacional Autônoma do México, que investiga ataques contra ativistas no país.

Entre 1995 e 2019, a pesquisadora contabilizou 147 ativistas ambientais mortos e 503 atacados no México. Em 2020, foram registrados 18 assassinatos do tipo, de acordo com um relatório do Centro Mexicano de Direito Ambiental, a CEMDA. Nos primeiro trimestre de 2021, jornais divulgaram seis mortes, incluindo a de Carlos Márquez.

Um relatório da CEMDA menciona que, dos 65 ataques documentados em 2020, nove vieram de autoridades mexicanas, incluindo o próprio presidente, que, em mais de uma ocasião, fez declarações públicas contra ativistas do meio ambiente e do território.

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Assassinatos de ativistas foram registrados em 2020

Xavier Martínez, da CEMDA, diz que, para avançar na construção de um ambiente seguro e propício aos ativistas, é preciso acabar com sua estigmatização e criminalização, assim como garantir sua participação na tomada de decisões.   

Outra medida urgente é rever o Mecanismo de Proteção aos Ativistas e Jornalistas dos Direitos Humanos. Ele existe desde 2012, mas não tem sido eficaz para proteger e prevenir os assassinatos de pessoas ameaçadas.

Isto fica claro pela história de Julián Carrillo, um indígena de etnia Rrámuri que denunciou cortes de árvores para o plantio de papoulas em sua comunidade Coloradas de la Virgen, em Chihuahua. Por conta das denúncias, ele e outros moradores foram ameaçados e, por isso, incluídos, em 2014, a esse mecanismo.

Mas a proteção dada a Julián Carrillo limitou-se a telefonemas via satélite e o acompanhamento policial quando os denunciantes se mudaram da comunidade. Assim, Julián foi assassinado em 24 de outubro de 2018, as ameaças contra habitantes de Coloradas de la Virgen continuaram e muitos outros deixaram suas casas e terras. 

Serra Tarahumara, no município de Guadalupe y Calvo
A comunidade de Coloradas de la Virgen está localizada ao sul da Serra Tarahumara, no município de Guadalupe y Calvo, em Chihuahua. Pela defesa que fizeram de suas florestas e território, seus habitantes receberam ameaças e vários, incluindo Julián Carrillo, foram assassinados.

“O mecanismo deixa muito a desejar”, diz a pesquisadora Lucía Velázquez. “Os ativistas não são adequadamente monitorados, não existe um serviço para protegê-los”.

O advogado Mauricio Limón afirma que, de todas as questões a serem trabalhadas pelo Acordo de Escazú, a proteção dos ativistas ambientais é “a mais delicada e urgente” porque coloca em jogo “a democracia, o estado de direito e a vida dos indivíduos e comunidades”.

Camila Zepeda, da Subsecretaria de Relações Exteriores, garante que órgãos como o Ministério do Interior, a Procuradoria Geral, além de advogados e outros atores têm se reunido para fazer um diagnóstico do mecanismo.

Desde o final de janeiro, quando o México ratificou o Acordo de Escazú, esses órgãos montaram grupos de trabalho com diferentes agências para construir a implementação do tratado.

Para a bióloga Olimpia Castillo, o primeiro passo para que o Acordo de Escazú funcione é conhecer seu conteúdo e o potencial que ele tem: “Fora da esfera ambiental, ele não é conhecido. Temos que torná-lo conhecido e ajudar as pessoas a se apropriarem do acordo”.

De fato, a própria comunidade de Las Conchitas, em San Miguel Totolapan, desconhece o Acordo de Escazú. Seus quase 40 habitantes só sabem que, por defender a floresta e o território, seu chefe de polícia, Carlos Márquez, foi morto.

Após o assassinato, funcionários do Mecanismo de Proteção foram a Las Conchitas e ouviram a viúva de Márquez dizer que não deixaria sua casa. A mulher e os filhos reafirmaram um pedido que seu marido fizera meses antes de morrer: que as agências federais e estaduais fizessem seu trabalho, que a comunidade não fosse deixada sozinha em sua luta para defender seu território e impedir o corte de suas florestas.

*Esta história faz parte do Tierra de Resistentes e foi republicada com permissão.