Justiça

Eleições no Peru: candidatos sem interesse em meio ambiente

Keiko Fujimori ou Pedro Castillo vai liderar o país andino, mas nenhum tem ações claras para a proteção ambiental e de direitos humanos
<p>Pedro Castillo e Keiko Fujimori vão disputar o segundo turno presidencial no dia 6 de junho (imagem: Andina)</p>

Pedro Castillo e Keiko Fujimori vão disputar o segundo turno presidencial no dia 6 de junho (imagem: Andina)

No Peru, existem seis ex-presidentes em julgamento por corrupção. Quase 200 conflitos sociais ocorreram no último ano, sendo mais da metade relacionado a questões ambientais, como poluição ou problemas hídricos. O país também tem uma economia devastada pela pandemia, a qual provocou a morte de mais de 158 mil peruanos, de acordo com o Sistema Nacional de Informação de Morte do Peru (Sinadef).

Os próximos líderes do Peru têm a responsabilidade não apenas de ativar a economia, mas também de fechar as feridas provocadas por todos os problemas que o país enfrenta. “Recuperar a confiança”, como disse o ministro do Meio Ambiente do Peru, Gabriel Quijandría, ao Diálogo Chino, “é uma prioridade”.

A questão é: será prioridade para o próximo governo?

No segundo turno das eleições, a ser realizado em 6 de junho, concorrem à presidência do Peru Keiko Fujimori, do partido de direita Força Popular, e Pedro Castillo, do Peru Livre, representando a esquerda. Enquanto Fujimori promove uma economia social de mercado que mantém o modelo atual, Castillo propõe uma economia popular com o mercado, na qual o Estado intervém e renegocia a distribuição de lucros de empresas mineradoras e petrolíferas.

Apesar de terem sido obrigados, nas últimas semanas, a assinar acordos com outros partidos políticos e organizações civis que exigem mais compromissos nas áreas ambiental, política e social, esses dois candidatos mantêm seu conservadorismo e sua falta de clareza sobre questões ambientais e de direitos humanos.

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Não há qualquer menção, nos planos de governo de ambos os candidatos, à gestão de recursos naturais (Imagem: Andina).

Fujimori e Castillo na questão ambiental

Diferentes ONGs e a Defensoria do Povo, instituição análoga ao Ministério Público no Brasil, se manifestaram, exigindo mais informações sobre o assunto. “A questão ambiental é estratégica em nosso país. O povo tem o direito de ser claramente informado sobre quais são suas propostas ambientais”, disse Alicia Abanto, assistente da Defensoria do Meio Ambiente, Serviços Públicos e Povos Indígenas. 

Nas últimas semanas, entretanto, a discussão entre as duas partes não tocou nesse pedido. 

“Não é mencionado que precisamos aumentar as áreas de proteção ambiental e definir zonas cujo acesso seja proibido. Há ecossistemas que devem ser preservados e, de preferência, não deve haver nenhum tipo de atividade produtiva em alguns deles”, disse Beatriz Salazar, coordenadora do Programa de Mudança Climática do Centro Peruano de Estudos Sociais, ao jornal El Comercio. Ela destacou que, apesar disso, ambas as partes têm demonstrado “interesse em ampliar e priorizar os programas de aproveitamento da água da chuva”.

Na mesma linha, Silvana Baldovino, diretora do programa de Biodiversidade e Povos Indígenas da Sociedade Peruana de Direito Ambiental, comentou que “os planos do governo de Fujimori e Castillo não consideram a questão ambiental como um eixo fundamental do desenvolvimento de nosso país”. 

Baldovino afirma que, no plano de governo de 90 páginas, Fujimori dedica menos de duas páginas à questão ambiental. Já no caso de Castillo, são duas páginas sobre o tema em seu programa de 77 páginas. “Também não temos nenhuma ideia de como eles irão admi

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“Mudança climática” ou “crise ambiental” são termos completamente ausentes nos planos de governo de Castillo e Fujimori (Imagem: Andina).

Mudança climática?

De acordo com uma análise de ambos os planos governamentais feita pelo jornalista Paul Maquet, as expressões “mudança climática” ou “crise climática” não aparecem. Também não existem propostas para reduzir as emissões poluentes e o desmatamento. 

No caso da Força Popular, o partido só menciona: “reduzir, de acordo com nossas capacidades, o impacto ambiental da atividade econômica e preparar o país para enfrentar os desafios presentes e futuros que o aquecimento global traz consigo”. 

Por parte do Peru Livre, a única menção ao assunto é uma crítica às ONGs, “que se apresentam, por exemplo, como defensoras da natureza, quando em seus países de origem sustentam um sistema desumano que causa o aquecimento global”.

Deve-se lembrar que 197 conflitos sociais ocorreram no último ano, e 65% deles reivindicam a defesa do meio ambiente.   

Lutas sociais no Peru

De acordo com Rolando Luque, da Defensoria, os povos indígenas exigem a remediação ambiental ou compensação econômica pelos constantes impactos ambientais causados pelas atividades de extração predatória.

Gabriel Quijandría, ministro do Meio Ambiente, acrescenta que “o acesso à água e a remediação ambiental” estão em todas as solicitações. Deve-se lembrar que 197 conflitos sociais ocorreram no último ano, e 65% deles reivindicam a defesa do meio ambiente.   

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No último debate, não houve qualquer proposta relacionada ao meio ambiente (Imagem: Andina).

“O Peru perdeu seis ativistas ambientais no último ano. É por isso que precisamos ratificar o Acordo de Escazú e continuar fortalecendo o regime para os ativistas do meio ambiente. Precisamos de ações imediatas para evitar mais mortes”, enfatizou Silvana Baldovino. 

Vale lembrar que a bancada da Força Popular não apoiou a ratificação do Acordo de Escazú no Congresso, um assunto pendente no Peru. Da mesma forma, seu plano governamental não menciona nada sobre os direitos humanos. 

O partido Peru Livre “questiona fortemente o sistema de justiça internacional sobre questões de direitos humanos”, como comenta o jornalista Paul Maquet, que expressa sua preocupação com uma possível deslegitimação das organizações internacionais pelo partido de Pedro Castillo. 

Uso sustentável de recursos naturais

Pedro Castillo e Keiko Fujimori defendem o uso de recursos naturais para o desenvolvimento em seus planos governamentais. 

O representante da esquerda radical, com seu slogan: “Sem mais pobres em um país de ricos”, promoveria, como diz seu plano de governo, um extrativismo sustentável e responsável. “Ele propõe mudanças profundas nos esquemas de propriedade, incluindo a nacionalização de uma série de grandes projetos de mineração, hidrocarbonetos e energia, bem como na tributação. Para isso, são tomados como modelos os casos da Bolívia e do Equador”, analisa Maquet.

Já a candidata da direita destaca a importância de promover investimentos e crescimento econômico, “mantendo um modelo de exploração intensiva dos recursos naturais sob o mesmo sistema de propriedade e tributação”, como aponta Maquet. 

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ONGs e sociedades civis se preocupam com o futuro do meio ambiente peruano (Imagem: Ministério do Ambiente do Peru).

Em ambos os casos, não há menção a compromissos climáticos, muito menos a uma estratégia nacional de mudança climática. No caso de Fujimori, não se pode esquecer que seu partido tem sido defensor ferrenho da mineração ilegal, que desmatou quase 210 mil hectares somente em Madre de Dios, no sul da Amazônia peruana, nas últimas duas décadas, como se a terra tivesse devorado Barcelona, Miami, São Paulo, Buenos Aires e Lisboa juntas.

As perspectivas para o Peru nos próximos anos parecem bastante incertas em questões ambientais e sociais. Não há clareza nos planos e, sem isso, tudo requer mais esforço.