Energia

América Latina expande combustíveis fósseis apesar de meta climática

Governos investem em projetos de petróleo e gás mesmo com apelos para combater emissões de gases de efeito estufa
<p>Apesar dos riscos climáticos e financeiros, o México continua investindo com força no setor de petróleo, como no caso da refinaria Dos Bocas em Tabasco (divulgação: Presidência do México)</p>

Apesar dos riscos climáticos e financeiros, o México continua investindo com força no setor de petróleo, como no caso da refinaria Dos Bocas em Tabasco (divulgação: Presidência do México)

A transição para uma economia de baixo carbono é central na resposta à crise climática, com pressões globais pela substituição dos combustíveis fósseis pelas energias renováveis. Mas isto está se revelando um enorme desafio para a América Latina, uma vez que raros são os países com estratégias de longo prazo para mudar sua matriz energética. 

Do México à Argentina, governos continuam investindo em novos projetos de petróleo e gás para as próximas décadas, tanto para o uso interno quanto para a exportação. Isto não só tornaria o cumprimento das metas de mudança climática bastante difíceis, mas também arriscaria deixar a região com ativos encalhados — de oleodutos a usinas térmicas.

O investimento na produção de novos combustíveis fósseis e de combustão de carvão sem controle de emissão precisa parar ainda este ano se o setor energético global quiser zerar suas emissões até 2050, segundo a Agência Internacional de Energia (EIA, na sigla em inglês). A meta é “viável”, mas “requer uma transformação sem precedentes” na forma como a energia é produzida, afirmou a EIA no mês passado. 

Manuel Pulgar Vidal, líder global de clima e energia da WWF, diz que a América Latina “não está atenta” ao surgimento de uma “nova economia climática”. Para Pulgar Vidal, a região “não tem planos” de deixar para trás os combustíveis fósseis, sendo o Chile, Uruguai e Costa Rica as únicas exceções. Esses países não têm reservas de hidrocarbonetos, então a transição energética se tornou uma necessidade. 

A Costa Rica é o único país da América Latina a ter apresentado oficialmente e começado a implementar uma estratégia de descarbonização de longo prazo que inclui o setor energético. Já o Chile e a Argentina estão trabalhando em seus planos energéticos e podem apresentá-los em novembro na cúpula climática da COP26 no Reino Unido. 

A América Latina é responsável por 5% das emissões globais, provenientes principalmente do setor energético, da agricultura e do uso da terra. Essa participação vem aumentando à medida que os países expandem seus combustíveis fósseis. E especialistas concordam que planejar uma transição energética poderia evitar esse aumento.

Limites em solar e eólica

Embora a capacidade eólica e solar esteja crescendo rapidamente na América Latina, ela representa apenas 6,5% da capacidade energética instalada na região. Os combustíveis fósseis ainda representam cerca de 75% do fornecimento de energia, sendo o restante da matriz energética composta por hidrelétrica, biomassa e bioenergia.

Os países se dividem em geral em dois grupos com base em suas matrizes energéticas. Alguns dependem fortemente da energia hidrelétrica, como o Brasil e a Colômbia, enquanto que outros usam o petróleo e o gás como fontes primárias de eletricidade. Esses incluem a Argentina e o Peru, por exemplo. O carvão fornece apenas uma pequena parte da produção total de eletricidade na região.

Olhando para o futuro, vários países como Argentina, Brasil e México têm planos ambiciosos para aumentar sua produção de combustíveis fósseis, enquanto outros como a Guiana querem iniciar a exploração em uma escala transformadora para suas economias. Isso impossibilita o cumprimento de suas promessas climáticas, dizem especialistas.

“É hora de discutir uma transição energética na América Latina. A região tem grandes investimentos em combustíveis fósseis e muitos deles terão que mudar drasticamente de rumo”, disse Isabel Cavelier, co-fundadora da ONG colombiana Transforma. “Alguns países têm planos climáticos ambiciosos, mas eles são totalmente contraditórios com suas políticas energéticas”.

81%


das reservas de petróleo da América Latina permanecerão sem uso se as metas de temperatura do Acordo de Paris forem atingidas

Em um estudo recente, um grupo de especialistas em energia descobriu que entre 66% e 81% das reservas de petróleo da América Latina permanecerão sem uso se as metas de temperatura do Acordo de Paris forem atingidas. Isto poderia reduzir as receitas fiscais provenientes do petróleo para até US$ 2,6 trilhões contra os até US$ 6,8 trilhões se as reservas de petróleo fossem totalmente exploradas.

Muitos países da região dependem da demanda mundial de petróleo para suas receitas fiscais, segundo os autores. Quase metade do petróleo produzido aqui é exportado. Em 2018, 8% da receita fiscal no Equador, 4,6% na Bolívia, 4,2% no México, e 3,4% em Trinidad e Tobago dependiam de petróleo e gás, de acordo com dados da OCDE. 

“A maior parte da região parece estar ignorando essas discussões. Os governos continuam com seus planos de produzir combustíveis fósseis sem um plano do que farão quando a demanda global de petróleo e gás começar a diminuir”, diz Baltazar Solano Rodríguez, autor principal do estudo. “A América Latina tem que começar a pensar sobre como diversificar suas fontes de receita”.

Leonardo Stanley, economista argentino que recentemente publicou um livro sobre a transição energética da América Latina, diz que a região está “cometendo um grande erro” ao não abordar sua transição energética. Muitos projetos de petróleo e gás não seriam sequer economicamente viáveis, acrescentou ele, sem os bilhões de dólares gastos a cada ano em subsídios.

Plano de transição energética

Mas como será a transição energética da América Latina? Para especialistas em clima e energia, isso não acontecerá da noite para o dia. Levará décadas para que a região deixe para trás os combustíveis fósseis, daí a importância de começar o mais rápido possível. Quanto mais tempo levar para fazer uma transição, mais cara ela será, afirmam.

Cavalier sugere que empresas estatais fósseis como a YPF, na Argentina, ou a Petrobras, no Brasil, dêem o primeiro passo, adotando um plano de transição através do qual deixem de investir em novos projetos de petróleo e gás. Os governos também deveriam pressionar as empresas privadas a se adaptarem, limitando o número de concessões.

“O governo pode resistir, mas os preços do petróleo e do gás acabarão caindo devido a uma menor demanda, e a região receberá menos dinheiro de suas exportações de combustíveis fósseis. Temos que começar a pensar em novos setores, como o do hidrogênio verde”, acrescentou Pulgar Vidal.

É técnica e economicamente viável escalar a energia renovável na América Latina, concordam os especialistas. Em um cenário consistente com o Acordo de Paris, 93% da eletricidade da região viria de fontes renováveis em 2050, segundo a Agência Internacional de Energia Renovável.

Tal resultado não apenas limparia a rede de energia, mas também impulsionaria a economia. Um relatório do ano passado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estima que a descarbonização trará 100 mil empregos adicionais no setor de energia renovável até 2030, em comparação com as projeções baseadas nas tendências atuais.

“Os governos continuam a se endividar para fazer novos oleodutos ou perfurar poços de petróleo e gás, e assim fica cada vez mais difícil sair do ciclo vicioso dos combustíveis fósseis,” afirma Stanley. “Em vez disso, uma transição energética poderia impulsionar a economia da região ao mesmo tempo em que identificaria novas receitas, como a energia renovável”.