Argentina retoma projeto de usina nuclear financiada pela China

Trabalhadores caminham em direção ao reator da usina nuclear Atucha II em Zárate, cerca de 100 km ao norte de Buenos Aires. A nova usina nuclear será construída no mesmo local (Alamy).
O presidente argentino Alberto Fernández decidiu reativar um projeto para a construção de uma nova usina nuclear na Argentina. A unidade, na província de Buenos Aires, vai gerar 1.200 MW e ajudar a atender as necessidades energéticas do país, mas é questionada por seus altos custos e potenciais riscos.
O projeto foi apresentado originalmente em 2015 pela então presidente Cristina Fernández de Kirchner (2007-2015). Na época, o objetivo era construir duas usinas elétricas financiadas pela China — uma com a tecnologia canadense CANDU, que as usinas argentinas agora utilizam, e a outra com a nova tecnologia chinesa Hualong.
O ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) questionou então o acordo e decidiu avançar com apenas uma usina, a de tecnologia chinesa, para cortar custos. Entretanto, o projeto não avançou. Agora, Fernández busca dar o pontapé inicial para a usina nuclear chinesa, com a possibilidade de retomar a CANDU no médio prazo.
"A economia argentina continuará a crescer e, portanto, pretendemos aumentar a participação da energia nuclear em nossa matriz", disse José Luis Antunez, diretor da Nucleoeléctrica Argentina, empresa estatal que administra usinas nucleares. "Vamos iniciar o projeto o mais rápido possível".
A energia nuclear gera cerca de 7,5% da energia da Argentina, cuja matriz é baseada principalmente em hidrocarbonetos, para a qual a produção é subsidiada. Já as energias renováveis não convencionais, particularmente solar e eólica, aumentaram nos últimos anos graças ao programa RenovAR.
O acordo nuclear está em consonância com a "aliança estratégica abrangente" da Argentina com a China, um alto status diplomático que a China reserva para alguns poucos países. Fernández vê a China como um aliado estratégico em vários setores além da energia nuclear, e a cooperação sanitária durante a pandemia de Covid-19 fortaleceu esses laços.
"Estes dois projetos nucleares vão ajudar a organizar o setor energético argentino", diz Nicolás Malinovsky, diretor do Observatório de Energia, Ciência e Tecnologia. "As usinas nucleares andam de mãos dadas com o desenvolvimento de um setor industrial e são um elemento central para a transição energética".
Energia nuclear na Argentina
A Argentina foi o primeiro país da América Latina a adotar a energia nuclear, mas apesar de ter uma indústria avançada, sempre importou tecnologias de reatores de energia nuclear. Atualmente existem três usinas nucleares em operação: Atucha I e Atucha II, no distrito de Zárate, e Embalse, no norte da província de Córdoba.
Após um hiato nos anos 1990, o setor foi revigorado em 2006 com um plano nuclear nacional, o que levou à conclusão do projeto Atucha II e ao desenvolvimento do projeto de estender o uso da Embalse. Embora seja uma forma de energia mais cara do que outras, a nuclear também contribui para desenvolver os setores científico e tecnológico da Argentina.
Em 2020, o custo da eletricidade na Argentina foi de US$ 35,30 por megawatt-hora (MWh) para a térmica convencional, US$18,5 MWh para a hidroeletricidade, US$73 para as energias renováveis e US$47,3 MWh para a nuclear, de acordo com os números obtidos pelo Diálogo Chino após uma solicitação de acesso à informação pública.
As usinas nucleares andam de mãos dadas com o desenvolvimento de um setor industrial e são um elemento central para a transição energética
"É uma contribuição para diversificar a matriz em uma direção um pouco mais limpa. Entretanto, não há estudos de viabilidade econômica ou ambiental para apoiar novas usinas nucleares, e isso é um problema", disse Julián Rojo, economista especializado em energia do Instituto de Energia Geral Mosconi argentino.
A energia nuclear é uma das poucas opções de energia livre de carbono que oferece equilíbrio com fontes variáveis, como a energia eólica e solar. No entanto, os riscos de radiação e derretimento são preocupações consideráveis e sua expansão não foi apoiada pela sociedade na Argentina.
A Argentina se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 19% sob o Acordo de Paris de 2015 sobre mudanças climáticas. Isto exigirá uma transição energética para fontes de energia não-poluentes, e a energia nuclear é uma opção.
As usinas de energia nuclear podem operar em plena capacidade quase sem interrupção, oferecendo um abastecimento contínuo e confiável. A energia solar e eólica precisam de energia de reserva durante os períodos de intermitência causados pelo sol se pondo ou pela queda dos níveis de vento.
Em um relatório de 2018, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne os principais cientistas climáticos do mundo, argumentou que a energia nuclear precisará se expandir para controlar o aumento da temperatura global em menos de 1,5ºC até o final do século.
A nova usina nuclear da Argentina
Enquanto a Argentina debate o futuro papel da energia nuclear em sua matriz energética, a China assumiu a vanguarda da energia nuclear nos últimos anos, impulsionada pela alta poluição do ar interna, mudanças climáticas e questões de segurança energética.
No passado, a China dependia de tecnologia importada, mas recentemente começou a produzir seus próprios reatores, incluindo o reator de Hualong. De acordo com o plano estatal Made in China 2025, o país asiático pretende utilizar mais tecnologia nacional e tornar-se líder mundial da indústria nuclear.
O acordo com a Argentina é um dos primeiros sucessos da indústria nuclear chinesa no exterior. Em 2014, o reator Hualong da China passou na revisão de segurança da Agência Internacional de Energia Atômica. Ele funciona com urânio enriquecido, ao contrário do CANDU, que funciona com urânio natural.
A usina nuclear chinesa é um projeto-chave para o país, o que significa que ele projetará, construirá e equipará a usina. Mas utilizará cerca de 40% de componentes locais, o mesmo que Atucha I, quando a Argentina estava apenas começando a desenvolver a energia nuclear. O governo argentino está confiante em conseguir fabricar o urânio enriquecido que será necessário para o funcionamento da usina.
"A mão-de-obra local de engenharia e construção e os demais profissionais que gerenciam o projeto terão muito trabalho, mas as indústrias metalúrgica, elétrica e química são as que têm menos participação em um novo projeto, com uma tecnologia que ainda não foi utilizada e carece da base industrial", disse Antunez.
Com um custo de aproximadamente US$8 bilhões, a Argentina contrairá um empréstimo do Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) para financiar 85% do projeto. O restante será financiado pelo governo. Antunez espera que o contrato seja finalizado até meados de 2022, época em que a construção da usina na província de Buenos Aires deverá começar.
Um grupo de ex-secretários de energia da Argentina criticou o projeto, afirmando que teria sido mais barato desenvolver energia solar e eólica. Eles também pediram uma discussão mais ampla sobre o futuro da matriz energética do país.
Jorge Lapeña, um dos ex-secretários, disse: "Qualquer projeto energético futuro deve ser parte de um plano energético nacional de longo prazo, que não existe hoje. Todos os novos projetos devem ser economicamente competitivos e devem estar de acordo com os compromissos de mitigação do país".