Energia

Bitcoins deixam a China e buscam novos centros de mineração no mundo

Crescente demanda energética de criptomoedas desloca sua produção para novos centros nos EUA, Canadá, Cazaquistão — e América Latina
<p>Uma mina de bitcoin em Quebec, no Canadá. A geração de criptomoedas demanda grande quantidade de energia, exigindo centenas de computadores especializados funcionando quase 24 horas por dia, sete dias por semana. (Imagem: Christinne Muschi / Alamy)</p>

Uma mina de bitcoin em Quebec, no Canadá. A geração de criptomoedas demanda grande quantidade de energia, exigindo centenas de computadores especializados funcionando quase 24 horas por dia, sete dias por semana. (Imagem: Christinne Muschi / Alamy)

Em 14 de abril deste ano, o valor de uma única bitcoin bateu um recorde histórico de US$ 64.870. Pouco mais de um mês depois, a moeda digital mais popular do mundo havia despencado para US$ 34.259. Por trás desta queda repentina está a notícia de que a China começou a reprimir a indústria de criptomoedas no país por causa de seu risco financeiro e do consumo excessivo de energia.

A “mineração” de bitcoin — o processo pelo qual as transações são verificadas e novas moedas são criadas — demanda muita energia, o que provoca críticas sobre a considerável pegada de carbono associada à geração da moeda.

Antes do banimento, a China era responsável por dois terços da mineração de bitcoin no mundo. Nos meses seguintes, as empresas de mineração rapidamente se deslocaram para o exterior. Dados recentes sugerem que a energia consumida pela bitcoin aumentou nos EUA, Canadá e Cazaquistão e, com ela, a pressão contra o apetite crescente de energia.

Bitcoin, alto consumidor de energia

Bitcoin é uma moeda digital descentralizada, o que significa que cada vez que o dinheiro é enviado ou recebido, a transação é mantida em um registro público, e não em um banco. Mas na ausência de uma autoridade confiável para verificar cada transação, a responsabilidade recai sobre os participantes da rede bitcoin conhecidos como “mineradores”.

Para verificar as transações, os mineradores conectam computadores à rede de criptomoedas e os utilizam para resolver cálculos incrivelmente complexos e gerados aleatoriamente. Mas não é qualquer computador que fará o trabalho: a mineração de bitcoin requer a execução de vários computadores especializados quase 24 horas por dia, 7 dias por semana, a fim de alcançar o poder computacional necessário para resolver a equação.

Quem resolver primeiro o enigma pode adicionar um “bloco” de transações ao registro global e assim ser recompensado com uma pequena quantidade de bitcoins recém-mineradas.

33º lugar


Se a bitcoin fosse um país, ele ficaria em 33º lugar no mundo em termos de consumo anual de eletricidade

E é aí que mora o problema da energia para a geração de bitcoin. Quanto mais poder de computação, maior é a capacidade de ser o primeiro a resolver o quebra-cabeça e ganhar a moeda. E as máquinas usadas para extraí-la — unidades integradas de aplicação específica (Asics, em inglês) — demandam uma quantidade estratosférica de energia.

A rede bitcoin consome cerca de 112 terawatts-hora (TWh) de energia ao ano, ou mais do que a Holanda, de acordo com estimativas do Índice de Consumo de Eletricidade de Bitcoin da Universidade de Cambridge (Cbeci, em inglês). Se a bitcoin fosse um país, ele ficaria em 33º lugar no mundo em termos de consumo anual de eletricidade.

“É o preço que pagamos para garantir as transações”, diz Anton Dek, diretor de ativos de criptomoeda e blockchain no Centro de Finanças Alternativas de Cambridge e um dos criadores do índice. O consumo de energia de bitcoin não é acidental, explica. A mineração de bitcoins foi projetada para ser cara — tanto em termos de eletricidade quanto de recursos financeiros — para evitar que hackers dominassem a rede.

Até o momento, o plano parece ter funcionado. “Não vimos nenhum gasto duplo (ou seja, o risco de gastar a criptomoeda mais de uma vez) ou qualquer ataque à rede, em parte porque isto seria muito caro. Portanto, isso faz sentido, embora não signifique que não deva ser motivo de preocupação”, diz Dek.

Um desastre climático?

A pegada energética de bitcoins disparou nos últimos anos. Em 2017, o blog de economia Digiconomist estimou que a rede de computadores especializados em mineração usava 29 TWh anualmente, o equivalente a 0,13% do consumo global total de eletricidade no ano. Esse valor já cresceu para cerca de 0,65% em maio deste ano, de acordo com o Cbeci.

Uma das principais razões para este crescimento é o valor da bitcoin, afirma Dek. “Quanto mais alto, mais lucrativo é minerar a criptomoeda. Temos cada vez mais mineradores chegando com computadores poderosos. Isto aumenta o consumo de energia”.

Alguns pesquisadores estão preocupados que o rápido aumento do consumo de eletricidade da moeda possa apresentar um sério obstáculo ao combate às mudanças climáticas.

A bitcoin é um “problema climático global”, diz Jon Truby, professor associado de direito da Universidade do Qatar e autor de um estudo de 2018 que procura formas de reduzir a pegada ambiental da moeda. “A blockchain tem muitos benefícios, assim como as moedas digitais, mas atualmente seus métodos estão destruindo o planeta”, afirmou ao China Dialogue.

“É um uso ineficiente de recursos energéticos escassos. Diversos governos têm se esforçado para reduzir o consumo de energia por meio de seus compromissos estipulados no Acordo de Paris”, avalia Truby.

China, a outrora meca da bitcoin

De acordo com o índice da Universidade de Cambridge, os mineradores chineses foram responsáveis por mais de 71% do poder computacional total da rede, conhecido como “taxa de hash“, de setembro de 2019 a abril de 2020. O fácil acesso a eletricidade e hardware baratos há muito tempo tornou o país um lugar atraente para as empresas de criptomoedas.

As operações de mineração estavam concentradas em Xinjiang, Sichuan, Mongólia Interior e Yunnan, locais onde a energia é abundante e barata, embora não necessariamente limpa.

A energia hidrelétrica fornece a maior parte da eletricidade nas províncias montanhosas de Yunnan e Sichuan, onde os mineradores se estabeleciam por vários meses durante a estação chuvosa para aproveitar o aumento da geração de eletricidade. Mongólia interior e Xinjiang ainda dependem muito do carvão.

Uma vista aérea de uma fazenda de bitcoin ao lado de uma usina hidrelétrica
Uma central de mineração de bitcoin construída ao lado de uma usina hidrelétrica em Sichuan, no sudoeste da China. Muitas instalações se conectam diretamente a usinas como essas para aproveitar a eletricidade barata gerada durante a estação chuvosa (Imagem: Alamy)

Sem controle, as operações de mineração de bitcoin na China poderiam gerar 130,5 milhões de toneladas de CO2 até 2024 — aproximadamente o mesmo que o total das emissões anuais da República Tcheca, segundo um estudo publicado este ano na revista Nature.

Fechando o cerco das bitcoins

Desde a promessa do presidente Xi Jinping, feita ano passado, de neutralidade de carbono até 2060, a posição do governo sobre a mineração de bitcoins e outras criptomoedas mudou radicalmente.

O primeiro sinal veio em março de 2021, quando a Mongólia Interior anunciou que eliminaria gradualmente a mineração de criptomoedas por completo depois que a região autônoma não conseguiu cumprir sua meta de redução do consumo de energia para 2020.

Então, em maio, o vice-primeiro-ministro chinês Liu He declarou em uma reunião do Conselho de Estado que o governo pretendia “reprimir a mineração e o comércio de bitcoin”.

Os governos regionais rapidamente revogaram as licenças das empresas envolvidas na mineração de criptomoedas, cortaram a energia das instalações de mineração e, em alguns casos, deram às empresas apenas sete dias para encerrar suas operações. No final de junho, um especialista do setor estimou que 90% dos centros de mineração de bitcoin da China — mais da metade do total global na época — haviam ficado offline. No mesmo mês, a demanda total de energia de bitcoins foi reduzida pela metade, de acordo com dados da Cbeci.

Saída em massa

“A repressão na China resultou em um êxodo em massa de mineradores”, explica Peter Wall, CEO da empresa norte-americana de mineração de criptomoedas Argo Blockchain. “Mineradores chineses estão procurando no mundo novos locais para suas máquinas”.

Países com eletricidade barata como Canadá, Rússia, Cazaquistão e, especialmente, os Estados Unidos têm notado um aumento do interesse de mineradores chineses em fazer parcerias com empresas locais. Países latino-americanos com tarifas de eletricidade igualmente acessíveis e uma estrutura institucional fraca para o setor também estão surgindo como destinos atraentes.

Venezuela e Paraguai estão entre os que buscam atrair mineradores que não podem operar na China. A Argentina pode se tornar um destino global de mineração de bitcoin, com a construção, pela canadense Bitfarms, de uma central de mineração de bitcoins de 210 MW, a maior na Argentina. A mina vai obter energia diretamente da usina de gás de Maranzana.

Em setembro, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, ganhou as manchetes quando adotou a bitcoin como moeda corrente no país. Especialistas estão preocupados que o aumento da demanda por eletricidade torne o país ainda mais dependente de importações de energia.

Então como esta “grande migração de mineradores”, como é descrita nos círculos de criptomoedas, moldará a pegada de carbono?

“Esperamos que o impacto de longo prazo desta migração seja a reinstalação de máquinas em jurisdições nas quais as operações de mineração possam ser alimentadas por energia renovável”, diz Wall.

A realidade em curto prazo pode não ser tão cor-de-rosa. Em julho, a gigante da mineração criptográfica Bitmain, baseada em Beijing, concordou em transferir um lote de suas máquinas de mineração para uma instalação de 180 megawatts (MW) no Cazaquistão, cuja eletricidade é fornecida por uma usina movida a carvão. Considerando que apenas 1% da matriz energética do Cazaquistão é composta por fontes renováveis, isto pode não ter sido uma exceção.

No Canadá, a empresa de petróleo e gás Black Rock Petroleum concordou em hospedar até 1 milhão de máquinas de mineração de bitcoin da China, com as primeiras 200 mil unidades obtendo energia diretamente de um poço de gás natural.

O novo hub global da mineração de bitcoin, no entanto, deve ser o estado americano do Texas. O governador do estado, Greg Abbott, está cortejando ativamente essa indústria, chegando a tuitar em junho que “o Texas está aberto para negócios de criptomoedas”. A BIT Mining, sediada em Shenzhen, planeja investir US$ 26 milhões em uma instalação de 57 MW no estado.

O Texas oferece “enormes possibilidades para a mineração utilizar fontes renováveis”, diz Wall. Ele ressalta que, no oeste do estado, as turbinas eólicas alimentam 90% da rede. No entanto, somente um pouco mais de um quinto da rede de energia do Texas é composta por energias renováveis e tem se mostrado bastante vulnerável em condições climáticas extremas.

Bitcoin verde

Os dados da Cbeci mostram que o consumo de eletricidade de bitcoins está subindo novamente. À medida que a rede se torna mais distribuída pelo mundo, que opções restam para combater a pegada de carbono da moeda?

Uma solução pode ser repensar como as transações de bitcoins são verificadas. O método atual é chamado “prova de trabalho” porque os participantes devem fazer o trabalho de mineração para verificar as transações.

A alternativa mais comumente proposta é a “comprovação de participação”. Isto remove o poder computacional da equação. Em vez de competir uns contra os outros, os participantes que primeiro fizeram um depósito em bitcoin são selecionados aleatoriamente para verificar as transações. Quanto maior o depósito, maior a chance de ser selecionado e de ganhar a recompensa.

Várias criptomoedas menores já utilizam este método. O Ethereum, um dos principais concorrentes da bitcoin, deve fazer a troca ainda este ano, mas alguns no setor permanecem céticos.

“Não temos planos de nos afastar da ‘prova de trabalho’”, diz Wall. Os mineradores vão migrar inevitavelmente para a eletricidade mais barata disponível, e cada vez mais isso não é o carvão, petróleo ou instalações de gás, argumenta ele. “Estamos em um ponto em que a energia renovável tem o mesmo preço ou é inferior à energia gerada por combustíveis fósseis”.

“Pode ser tarde demais para que moedas digitais existentes como a bitcoin mudem seus métodos de confirmação de transações”, concorda Truby, da Universidade do Qatar. A melhor opção é “concentrar-se em mitigar o consumo de energia dos equipamentos de mineração, melhorando os equipamentos e fornecendo-lhes energia renovável”, diz ele.

Estamos em um ponto em que a energia renovável tem o mesmo preço ou é inferior à energia gerada por combustíveis fósseis

A Noruega e a Islândia, com seu fornecimento abundante de energia geotérmica, hidrelétrica e eólica, têm há anos usado a energia renovável para alimentar a mineração de criptomoedas. El Salvador também alegou que suas operações de mineração seriam alimentadas por “energia 100% limpa, 100% renovável, com 0% de emissões” proveniente de um vulcão.

Em um cenário de crescente pressão sobre indústrias de energia intensiva para tratar de sua contribuição para as emissões globais de carbono, Wall é franco sobre a necessidade de adaptação das criptomoedas: “A prova de que as criptomoedas podem ser sustentáveis é fundamental para seu sucesso. O futuro da energia é verde e renovável, portanto, o futuro das criptomoedas deve refletir isso”.