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Mineradoras da Argentina usam energia solar em extração de lítio

Fonte renovável é vista como solução para descarbonizar atividade minerária, que é grande consumidora de energia
<p>Piscinas de salmoura ficam expostas à luz solar durante a produção de lítio no Salar de Olaroz, na província de Jujuy, Argentina (Imagem: Planet Labs, Inc. / <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:CC-BY-SA-4.0">CC-BY-SA-4.0</a>)</p>

Piscinas de salmoura ficam expostas à luz solar durante a produção de lítio no Salar de Olaroz, na província de Jujuy, Argentina (Imagem: Planet Labs, Inc. / CC-BY-SA-4.0)

Algumas das reservas de lítio mais abundantes do planeta estão nas planícies do noroeste da Argentina. Aquela região também tem um dos maiores potenciais de energia solar do mundo. Para os produtores de lítio, essa parece ser uma combinação perfeita.

Em diversos pontos de extração nas ricas províncias de lítio de Salta e Jujuy, mineradoras têm usado painéis solares para gerar sua própria energia — uma nova abordagem que pode garantir às empresas independência da geração nacional de gás e eletricidade.

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Além disso, esse casamento entre energia solar e extração de lítio contribuiria para aumentar a produção de energia renovável na Argentina. Em um relatório de 2020, o Banco Mundial descreve que o país tem “excelentes condições” para a energia solar fotovoltaica.

Raúl Righini, do grupo de estudo de radiação solar da Universidade de Luján, na província de Buenos Aires, explica que o noroeste da Argentina “tem níveis bastante altos de radiação solar durante todo o ano, comparáveis aos melhores lugares do mundo”.

Produtores de lítio também têm a seu favor a contínua redução dos custos para a construção e geração de eletricidade por painéis solares. A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) estima que, em todo o mundo, a fonte solar seja uma das mais baratas, por custo de quilowatt.

Em muitas regiões, como na União Europeia e Índia, a energia solar já deve ser a opção mais competitiva. Entre 2030 e 2050, as projeções da IEA dão conta de que a energia solar será a alternativa mais barata em todo o mundo.

Essas estimativas antecederam a alta nos preços de hidrocarbonetos observadas desde a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro, e os déficits no fornecimento de gás natural, que tornaram a energia solar ainda mais competitiva.

Esse processo vem na esteira da crescente demanda global por lítio para garantir a transição energética dos países. Os altos preços internacionais e as mudanças na legislação argentina promoveram uma série de investimentos na extração do mineral, o que pode tornar a Argentina a maior produtora mundial de lítio nos próximos anos.

Projetos de lítio na Argentina

Mariana, no deserto do Salar, é o projeto de lítio com compromissos mais fortes de investimento em renováveis. A construtora chinesa Ganfeng Lithium se encarrega do empreendimento, cujo prazo para início de operação é final de 2023.

O complexo cobrirá uma área de aproximadamente cem hectares e abrigará uma usina solar com capacidade de gerar até 120 megawatts. Será a maior usina solar da Argentina fora do sistema elétrico nacional.

“É uma área onde não há conexão com linhas de transmissão de alta tensão. E lá é impossível usar o gasoduto vizinho de Puna porque ele já opera na capacidade máxima”, disse Juan José Martinez, diretor-geral do Ministério de Minas e Energia para a província de Salta. “Portanto, há um isolamento que justifica a autogeração por meio das renováveis”.

Um representante da PowerChina, empresa escolhida pela Ganfeng para construir o futuro parque solar, disse ao Diálogo Chino que a energia gerada será usada para bombear os fluidos de uma salmoura (onde há concentração de sais) e para abastecer unidades como uma fábrica de produtos químicos e o acampamento para cerca de 300 funcionários.

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A francesa Eramet, que está construindo um empreendimento para extrair minério de lítio do depósito de Centenario-Ratones, em Salta, planeja iniciar sua operação no primeiro trimestre de 2024. A unidade terá um consumo estimado de 17 megawatts-hora, dos quais entre 3-6 MWh seriam fornecidos por energia solar.

Nem toda a energia que o projeto requer atualmente pode ser suprida pela fonte renovável, já que a forma como ele foi concebido usa geradores a gás natural.

Daniel Chávez Díaz, diretor-executivo da Eramine, subsidiária local do grupo francês, disse ao Diálogo Chino que a energia solar pode economizar recursos: “O investimento por megawatt instalado é de US $700 mil, comparado a US$ 1 milhão de equipamentos convencionais. E, uma vez instalada, a radiação solar é gratuita”.

Chávez, no entanto, lembra da necessidade de investimentos em baterias para o armazenamento de energia e nos próprios painéis, o que “aumentam bastante seus custos”.

Outro empreendimento que pode ter uma produção de lítio mais verde é o da Minera Exar — formada pela Ganfeng, a Lithium Americas, do Canadá, e a estatal argentina Jemse —, que é responsável pelo complexo de Cauchari-Olaroz em Jujuy.

O projeto deve iniciar a extração e produção de lítio este ano e tem um acordo com a estatal argentina YPF Luz para instalar e fornecer energia renovável para a região. Representantes da empresa disseram ao Diálogo Chino que esperam suprir até 20% de sua própria demanda energética, de 4 MW, a partir de energias renováveis.

Nem todo projeto, contudo, planeja utilizar fontes verdes desde seu início de operação.

A unidade de extração de lítio de Sal de Oro, da empresa sul-coreana Posco, utilizará diesel, assim como a mineradora chinesa Zijin, que anunciou o início da construção de uma fábrica de carbonato de lítio na jazida Tres Quebradas, na província de Catamarca.

Até agora, dois projetos na Argentina produzem lítio: o de Salar de Olaroz, em Jujuy, operado pelo grupo Allkem, da Austrália, junto com uma subsidiária da Toyota e a Jemse; e a Mina Fénix, em Catamarca, da norte-americana Livent. Ambas têm planos de expansão e são abastecidas por gás natural oriundo do gasoduto Puna.

Lítio e energias renováveis

Os métodos para a produção de lítio estão em constante transformação. O mais usado na Argentina consiste, primeiro, na perfuração do solo a uma profundidade de 200 a 400 metros e, em seguida, no bombeamento de fluidos para a superfície.

O resultado é uma salmoura com baixa concentração de lítio, inferior a 1%. Mas, pela exposição à energia solar, o fluido evapora, e a concentração de lítio aumenta entre 12 e 18 meses. A solução é então levada a uma fábrica de produtos químicos onde a filtragem e aplicação de solventes geram concentrações de até 99% de pureza. A fase química é a que mais consome energia em todo o processo.

“A produção de lítio e a energia solar são uma boa combinação. A radiação solar em algumas regiões da Argentina é intensa, mesmo no inverno”, explicou Ernesto Calvo, ex-diretor do Instituto de Química, Física, Materiais, Meio Ambiente e Energia. Ele pondera, no entanto, que a geração de energia solar demanda um alto investimento inicial.

A corrida do lítio não pode se basear na redução dos custos a qualquer preço

Para Leonardo Pflüger, diretor nacional do programa de mineração sustentável do Ministério do Desenvolvimento da Argentina, a energia solar traz uma vantagem competitiva para as mineradoras de lítio: “Elas têm um incentivo para a descarbonização, mas a própria legislação argentina já a exige, pois estabelece que 20% do consumo nacional de energia deverá vir de fontes renováveis a partir de 2025″.

Mineradoras como a Ganfeng chamam o lítio produzido com energias renováveis de “lítio limpo“. Entretanto, organizações ambientais explicam haver outras variáveis em jogo que afetam a sustentabilidade da atividade, como a gestão da água e dos resíduos.

“Há um equilíbrio hídrico entre água doce e a salmoura que precisa ser mantido, de modo que a água para consumo não seja afetada”, exemplificou Pía Marchegiani, diretora na Fundação de Meio Ambiente e Recursos Naturais.

E alerta: “A corrida do lítio não pode se basear na redução dos custos a qualquer preço”.