Clima & energia

Conferência dos Oceanos da ONU apela por maior ação contra crise climática

Reunião de uma semana em Lisboa termina com muitas promessas, mas observadores e ativistas ficaram desapontados pela falta de metas concretas
<p>O secretário de gabinete do Ministério do Meio Ambiente e Florestas do Quênia, Keriako Tobiko (esquerda) e o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa (segundo a partir da esquerda), participam do encerramento da Conferência dos Oceanos da ONU de 2022 (Imagem: Rodrigo Antunes/ Alamy)</p>

O secretário de gabinete do Ministério do Meio Ambiente e Florestas do Quênia, Keriako Tobiko (esquerda) e o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa (segundo a partir da esquerda), participam do encerramento da Conferência dos Oceanos da ONU de 2022 (Imagem: Rodrigo Antunes/ Alamy)

Governos, especialistas e representantes da sociedade civil se reuniram recentemente em Lisboa para a segunda Conferência dos Oceanos da ONU. Eles concordaram que as medidas para proteger os mares estão perigosamente atrasadas, e vários compromissos foram assumidos para acelerar sua implementação.

Após dois anos de atraso devido à Covid-19, mais de seis mil pessoas de mais de 120 países participaram da conferência de 27 de junho a 1 de julho, que terminou com a adoção da declaração política não-vinculante Nosso Oceano, Nosso Futuro, Nossa Responsabilidade. Delegados dos países afirmaram estar “profundamente alarmados com a emergência global enfrentada pelos oceanos”, cuja sustentabilidade é “crítica” para o planeta.

O subsecretário-geral da ONU para assuntos jurídicos, Miguel de Serpa Soares, disse no encerramento do encontro que a conferência “trouxe a oportunidade de tratar de questões críticas e criar novas ideias”. Também deixou claro o trabalho pela frente, e a necessidade de ampliar esse trabalho para a recuperação dos oceanos.

Entretanto, organizações ambientais criticaram o formato não-vinculante da declaração final e questionaram por que não havia dados do progresso das metas estabelecidas na primeira Conferência dos Oceanos da ONU, em Nova York, em 2017. Tampouco havia meios de controle para a implementação de novas metas antes da próxima conferência, disseram.

Pepe Clarke, especialista em oceanos na WWF, disse: “O verdadeiro teste de sucesso para a segunda Conferência dos Oceanos da ONU virá nos próximos meses. A WWF quer ver políticas globais, como novos e robustos tratados para o alto mar, combate à poluição de plástico, ações contínuas para conter os subsídios prejudiciais à pesca e o alcance de 30% de proteção dos oceanos no mundo”.

Promessas e compromissos

Os participantes registraram quase 700 compromissos voluntários na conferência, de acordo com os organizadores. Muitos deles estavam relacionados a áreas marinhas protegidas (AMPs), que são vistas como uma das melhores ferramentas para proteger habitats aquáticos.

Mais de cem países aderiram à Coalizão de Alta Ambição para a Natureza e as Pessoas, um grupo de nações que defende a proteção de pelo menos 30% das terras e dos oceanos do mundo até 2030. A meta também faz parte do texto em negociação para a Conferência da ONU sobre a Biodiversidade (CDB) no final deste ano. Hoje, apenas 8% dos oceanos estão protegidos.

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“O oceano não é um organismo isolado, especialmente quando se trata de soluções. Ele está ligado à biodiversidade global”, disse Elizabeth Mrema, secretária-executiva da CBD. “Estamos trabalhando em uma nova estrutura para a biodiversidade, que cobrirá também a ação nos oceanos. Esses atravessam a maior parte das metas de biodiversidade”.

O ex-presidente da Colômbia, Iván Duque, que participou da conferência, anunciou a criação de três novas AMPs e a expansão da zona proibida à pesca no santuário de Malpelo, na costa do Pacífico colombiano — um habitat crítico para muitas espécies marinhas. O país tem agora mais de 30% de suas águas territoriais cobertas pelas AMPs. A Guatemala também se comprometeu a criar ou expandir oito AMPs, enquanto o Uruguai apresentou um plano de criar uma rede de AMPs.

Um grupo de organizações filantrópicas, incluindo a Fundação Bezos Earth, se comprometeu a investir US$ 1 bilhão em esforços de conservação dos oceanos nos próximos oito anos. O Banco Europeu de Investimento anunciou que investirá mais 150 milhões de euros na região do Caribe, enquanto o CAF, Banco de Desenvolvimento da América Latina, se comprometeu a investir US$1,2 bilhão na região.

Outras promessas se concentraram na proibição de práticas de pesca predatória. A Tailândia prometeu deixar de emitir licenças de pesca comercial de arrasto, enquanto a Noruega se tornou o primeiro país europeu a compartilhar dados de rastreamento de embarcações com a iniciativa Global Fishing Watch, tornando suas operações de pesca muito mais transparentes. Uma coalizão de organizações também divulgou um atlas para rastrear a pesca de arrasto ilegal no Mediterrâneo.

Desafios futuros

A mineração do fundo do mar foi tema de destaque em Lisboa, com várias sessões de alto nível presididas por Michael Lodge, diretor da Autoridade Internacional do Fundo Marinho, a ISA, agência da ONU que define as regras de extração de minerais marinhos.

No momento, a mineração do fundo marinho está apenas em fase de exploração. Mas no ano passado, o estado insular do Pacífico de Nauru cobrou uma cláusula para permitir o início da mineração até julho de 2023 — independentemente das regras em vigor até então. Cientistas e ativistas há muito vêm pedindo uma moratória para a mineração oceânica até que mais dados sobre seus impactos sejam coletados.

Ativistas pedem a proibição da mineração
Ativistas pedem a proibição da mineração em alto mar do lado de fora da Conferência da ONU em Lisboa (Imagem: Regina Lam / China Dialogue Ocean)

Em Lisboa, estes apelos receberam apoio político em um evento paralelo lotado, no qual uma aliança global de países apoiando uma moratória foi lançada. Líderes de Palau, Fiji e Samoa, juntamente com representantes de grupos indígenas e organizações ambientais, apelaram para que mais países aderissem à aliança.

“Este é um prejuízo que podemos combater antes de começar”, disse Frank Bainimarama, primeiro-ministro de Fiji. “Devemos exigir de nossos líderes eleitos que coloquem a ciência e a precaução em primeiro lugar. Esta é uma indústria extrativista da qual não precisamos”. A aliança foi apoiada pela renomada bióloga marinha e exploradora oceânica Sylvia Earle, que chamou a mineração do fundo do mar de “a principal questão de nosso tempo”.

O presidente francês Emmanuel Macron também participou da conferência e apelou para a criação de uma estrutura legal “para deter a mineração em alto mar e não permitir novas atividades que ponham em perigo os ecossistemas”. A França, ao lado de outros países do G7, já havia solicitado regras ambientais rigorosas para a atividade.

Emmanuel Macron na Conferência dos Oceanos da ONU, diante de um microfone
Presidente francês Emmanuel Macron pede controle de mineração em alto mar (Imagem: Stephane Lemouton/ Alamy)

As discussões em Lisboa também chamaram a atenção para os resíduos plásticos, já que os membros da ONU trabalham rumo a um consenso sobre um tratado global juridicamente vinculante para regulamentar o uso de plástico até 2024, após discussões bem sucedidas em Nairóbi, em março. Um grupo de 21 governos anunciou sua intenção de aderir a um compromisso de economia circular do plástico, após 11 outros governos já terem aderido à meta no início deste ano.

“Manter nossos oceanos saudáveis e enfrentar a poluição plástica em todos os estágios do ciclo de vida é realmente fundamental”, disse Mari Pangestu, diretora-administrativa de política de desenvolvimento e parcerias do Banco Mundial, em um painel em Lisboa.

Pesca em evidência

A conferência também destacou o problema da pesca predatória, outro grande desafio enfrentado pelos oceanos. Os EUA assinaram um memorando para combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU, em inglês), uma das principais causas da sobrepesca global, e anunciaram a Aliança de Ação contra a Pesca IUU, juntamente com o Reino Unido e Canadá, para melhorar seu monitoramento.

Durante o evento, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) também lançou seu último relatório: O Estado da Pesca e da Aquicultura Mundial, que revelou que a produção mundial de alimentos aquáticos atingiu um recorde de 214 milhões de toneladas em 2020. Prevê-se novo aumento, de mais 14%, até 2030.

Representantes de todos os setores reconheceram os alimentos aquáticos como uma solução para a crescente preocupação com a segurança alimentar. Mas o desafio de como manter a produção sustentável e equitativa esteve no centro das discussões entre oficiais da FAO, pescadores de pequena escala e especialistas.

“A alimentação aquática é uma grande contribuição para a solução, pois eles produzem menos gases de efeito estufa do que a proteína animal terrestre”, disse Manuel Barange, diretor da Divisão de Política e Recursos de Pesca e Aquicultura da FAO. “Ela é parte da solução, mas tem que ser feita de forma sustentável”.

O presidente da Confederação Africana das Organizações Profissionais da Pesca Artesanal (CAOPA), Gaoussou Gueye, liderou as reivindicações por uma gestão mais sustentável dos estoques pesqueiros, para beneficiar comunidades locais, e o papel mais atuante dos pescadores artesanais na tomada de decisões.

Mais de 90% dos pescadores de pequena escala vivem no Sul Global enfrentam inúmeros desafios relacionados à desigualdade de alocação de recursos

Cristina Pita, especialista em pesca em pequena escala e pesquisadora de mercados sustentáveis no Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, disse: “Mais de 90% dos pescadores de pequena escala vivem no Sul Global enfrentam inúmeros desafios relacionados à desigualdade de alocação de recursos, acesso a territórios costeiros e a mercados, o que se soma aos desafios já existentes de pobreza, insegurança alimentar, degradação do habitat e esgotamento de recursos.

“Eles têm que competir para o acesso a áreas de pesca com frotas de maior escala e direitos de propriedade e com outros setores mais poderosos da economia azul, como o turismo e a conservação. Muitas vezes ficam de fora das decisões sobre a gestão e conservação da pesca e sofrem impactos negativos, como a perda de renda e meios de subsistência”.

Carbono azul e comunidades costeiras

Um dos temas-chave em Lisboa foi a proteção e restauração dos ecossistemas marinhos. Durante várias plenárias, cientistas e ativistas ambientais levantaram a preocupação com a contínua degradação de habitats como manguezais, algas marinhas e pântanos de água salgada, que podem ajudar a proteger as comunidades costeiras de eventos climáticos extremos impulsionados pelo aquecimento global.

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No discurso de abertura, o prefeito de Lisboa, Carlos Moedas, exortou os delegados a aumentar os esforços para deter a degradação dos oceanos, enquanto se intensificam as medidas para preservar o oceano e garantir a sustentabilidade dos ecossistemas costeiros. O secretário-geral da ONU, António Guterres, enfatizou a necessidade de investimentos em sistemas de alerta precoce, para proteger as comunidades costeiras.

Representantes da China participaram da conferência e se comprometeram a lançar 31 projetos de preservação e restauração ecológica marinha durante os próximos cinco anos. Também prometeram ajudar os países em desenvolvimento, particularmente os pequenos estados insulares, por meio da Iniciativa Cinturão e Rota.

O potencial de carbono azul — o carbono armazenado nos oceanos — foi um tema predominante em Lisboa. Muitos o consideram vital para a mitigação das mudanças climáticas e seus impactos. A Marine Conservation Society divulgou um novo relatório durante a conferência que dizia que os pântanos de água salgada e ecossistemas de algas marinhas em todo o mundo sequestram entre 235 milhões e 450 milhões de toneladas de carbono por ano.

As emissões de gases de efeito estufa da indústria naval também foram discutidas em vários eventos paralelos. A cada ano, o setor é responsável por em média 3% de todas as emissões das atividades humanas. Até 2050, suas emissões deverão aumentar em até 130% em relação aos níveis de 2008.

“As emissões do setor marítimo não estão em uma trajetória compatível com o Acordo de Paris”, disse Sue Biniaz, enviada-especial adjunta dos EUA para as mudanças climáticas, em um evento paralelo. Biniaz destacou que se o transporte marítimo fosse um país, ele estaria entre os dez maiores emissores do mundo.

Movimento da juventude

Também foi visível durante toda a semana a presença e a participação dos jovens. Um Fórum da Juventude e Inovação da ONU, realizado no fim de semana antes da conferência, reuniu centenas de jovens de 165 países. António Guterres lhes disse: “Sua geração será essencial para liderar o amanhã, para administrar e reverter a tendência atual e resgatar o planeta”.

Uma garota com uma placa dizendo "save our sharks, save our oceans" (salve nossos tubarões, salve nossos oceanos")
Lucía, 12 anos, juntou-se a centenas de outros ativistas em uma 'marcha azul' fora da conferência (Imagem: Regina Lam / China Dialogue Ocean)

Peter Thomson, enviado-especial da ONU para o oceano, também transmitiu um “profundo pedido de desculpas” do secretário-geral Guterres à juventude, afirmando que “nossa geração passará seus anos restantes implementando soluções para os problemas que criamos”. No meio da semana, centenas de ativistas participaram de uma marcha que terminou fora do centro de conferências, exigindo uma ação maior e mais rápida de líderes.

Durante a conferência, Abdulla Shahid, presidente da Assembleia Geral da ONU, falou sobre a paixão e o compromisso dos jovens com a causa ambiental. Os eventos paralelos destacaram diferentes formas de participação dos jovens na proteção marinha em diferentes países. Enquanto isso, grupos da ONU para crianças e jovens encorajaram os delegados a buscar um engajamento “real e significativo” na elaboração de políticas.

Ano crucial para os oceanos

A conferência de Lisboa ocorreu em um ano crucial para o progresso na proteção ambiental. Em junho, membros da Organização Mundial do Comércio encerraram mais de 20 anos de negociações para finalmente chegar a um acordo sobre a eliminação de subsídios prejudiciais à pesca.

pessoas sentadas em um painel com um homem batendo em um martelo
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Ainda este ano, a ONU também tentará finalizar um novo acordo sobre a biodiversidade em águas internacionais, conhecido como Tratado de Alto Mar. Em Lisboa, ministros de vários países se comprometeram a apoiar a conclusão do acordo na próxima sessão de negociações em Nova York, em agosto deste ano.

“A principal tragédia de nosso tempo está acontecendo sob a superfície do oceano”, disse Antonio Costa Silva, ministro da Economia e dos Assuntos Marítimos de Portugal, em um evento paralelo. “Há uma vontade política de ter um tratado em agosto. O oceano está exigindo isto”.

O progresso em Lisboa também será incluído na agenda de duas outras reuniões no final deste ano. Em novembro, as negociações climáticas internacionais serão retomadas na COP27 em Sharm el-Sheikh, no Egito, antes que as negociações da COP15 da ONU sobre a biodiversidade finalmente ocorram em dezembro, tendo sido deslocadas da China para Montreal, no Canadá. Essa conferência deve abrir caminho para uma estratégia global há muito esperada para a proteção da biodiversidade — incluindo várias metas para o oceano.

A próxima Conferência dos Oceanos da ONU será coorganizada pela França e Costa Rica na cidade francesa de Marselha em 2025, após uma reunião preparatória em 2024.

Esta matéria foi publicada originalmente no China Dialogue Ocean. Autores contribuintes: Fermín Koop, Jessica Aldred, Kebba Jeffang, Regina Lam, Yedan Li, Jack Lo, Mustapha Manneh e Flávia Milhorance