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Como a América do Sul pode reduzir suas emissões de metano da pecuária

Na COP26, Brasil, Argentina e Uruguai se comprometeram com a redução de suas emissões do gás, mas ainda não há políticas específicas para tal
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<p>Vacas pastam em uma fazenda em Chascomús, província de Buenos Aires. A pecuária é responsável por um alto volume das emissões de metano na Argentina, Brasil e Uruguai (Imagem: Marcos Brindicci)</p>

Vacas pastam em uma fazenda em Chascomús, província de Buenos Aires. A pecuária é responsável por um alto volume das emissões de metano na Argentina, Brasil e Uruguai (Imagem: Marcos Brindicci)

Apesar dos compromissos assumidos na COP26 em novembro passado, a adoção de medidas para reduzir as emissões de metano da pecuária parece ainda não ser um objetivo prioritário da América do Sul. É, na melhor das hipóteses, uma meta crescente, envolvendo planos governamentais de curto prazo, alguns estudos de campo e pesquisas que ainda estão em seus estágios iniciais.

32%


Estima-se que as emissões de esterco e das liberações do sistema digestivo do animal produzem 32% das emissões de metano geradas direta ou indiretamente pela atividade humana.

Embora exista uma forte e persistente percepção em alguns setores da indústria de que a atividade pode ser ambientalmente neutra, há consenso científico de que a pecuária é uma das principais fontes de emissões de metano no mundo. Estima-se que as emissões de esterco e das liberações do sistema digestivo do animal produzem 32% das emissões de metano geradas direta ou indiretamente pela atividade humana. Em países onde o setor é dominante, esta porcentagem pode ser muito maior.

Brasil, Argentina e Uruguai — países entre os 15 maiores produtores mundiais de carne bovina — têm um papel importante a desempenhar no cumprimento das metas estabelecidas na COP26, onde mais de cem nações se comprometeram a reduzir as emissões de metano em 30% até 2030. Embora os três países sejam signatários do pacto, suas perspectivas são nebulosas e ainda há um longo caminho a percorrer.

“A redução do metano é um compromisso global, e não existem metas específicas para cada país”, alertou Kelly Witkowski, gerente do programa de mudanças climáticas e recursos naturais do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

Ela disse ainda que o setor agrícola é responsável por 48% das emissões de metano da região, mas explicou que a realidade é “muito diversa” e que não há “uma bala de prata que resolva o problema do metano”.

O que está sendo feito?

Embora até 80 vezes mais potente do que o dióxido de carbono, o metano tem uma vida útil bem mais curta na atmosfera — em média, de 12 anos. Ou seja, o combate ao gás pode oferecer ganhos rápidos ao objetivo de limitar o aquecimento global. Apesar da resistência de alguns líderes políticos e do setor privado, Brasil, Argentina e Uruguai estão começando a tomar medidas para reduzir suas emissões de metano.

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Sinais de uma mudança foram vistos no recente fórum Metano na Pecuária: O Caminho para a Neutralidade Climática. Ele foi realizado em São Paulo no início de maio e organizado pela JBS, maior processadora de carnes do mundo. Entre os 23 especialistas que falaram no evento estava Fabiana Villa Alves, diretora do departamento de produção sustentável e irrigação do Ministério da Agricultura. Ela afirmou ao Diálogo Chino que três tecnologias estão sendo aplicadas no país, focadas no melhoramento do solo, da genética do gado e da nutrição animal.

Ela é uma dos responsáveis pelo Plano ABC, programa do governo para a agricultura de baixo carbono, lançado em 2010 e atualizado em 2020. Ele incentiva a adoção de novas abordagens por pecuaristas, sendo uma delas recentemente destacada pelo jornal Financial Times e que consiste em aumentar o número de animais por hectare e reduzir seu período de vida — processo que resulta na mesma quantidade de carne, mas com menos metano.

Outra inovação no Brasil foi a aprovação comercial de um aditivo alimentar, fabricado pela DSM, que reduz a emissão de metano pelo animal. Como informado pela empresa, um teste realizado pela Universidade Estadual Paulista entre 2016 e 2017 registrou uma redução de até 55% nas emissões de metano após sua aplicação no gado.

Qualquer opção requer um investimento que não é fácil para um pequeno ou médio produtor — o perfil dominante na região. “Portanto, para que as reduções de metano sejam sustentáveis, elas têm que proporcionar benefícios adicionais em termos de resiliência, redução de custos ou maior produtividade”, disse Kelly Witkowski do IICA.

Em vez de reduzir as emissões totais, o foco desses países é dissociar produtividade e impactos ambientais. Essa afirmação é de Guillermo García, diretor ambiental do Consórcio Regional para a Experimentação Agrícola, movimento que reúne duas mil empresas agrícolas na Argentina.

Para que as reduções de metano sejam sustentáveis, elas têm que proporcionar benefícios adicionais em termos de resiliência, redução de custos ou maior produtividade

“O objetivo é melhorar a eficiência e, assim, reduzir a intensidade das emissões — reduzir as toneladas de gases de efeito estufa por quilo de carne produzida”, disse García.

Em sua pesquisa sobre o tema, ele demonstrou como certas abordagens de manejo do rebanho — como por exemplo aumentar a porcentagem de bezerros desmamados precocemente — poderiam reduzir a intensidade das emissões em até 10%.

Recentemente, outro estudo, realizado pelo Instituto Nacional de Tecnologia Agrícola e uma universidade argentina, encontrou uma redução de 25% nas emissões de metano por quilo para um grupo de animais alimentados com um suplemento de milho.

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Segundo Tonelli, essas inovações “ainda estão em fase de desenvolvimento e não estão sendo transferidas para o produtor”. Parte do problema, ele acredita, é que lideranças argentinas promovem a ideia de que os métodos locais de produção são uma solução e não um problema. Isto é feito não somente por autoridades políticas, mas também por representantes da indústria da carne. Além disso, foi lançado recentemente na Argentina um plano que, apesar de incluir um capítulo sobre sustentabilidade, enfatiza entre seus principais objetivos a necessidade de aumentar os rebanhos.

Do outro lado do Rio da Prata, algo semelhante acontece: o governo uruguaio apoia projetos de pesquisa para aumentar a eficiência do rebanho, entre eles um apresentado recentemente e cujos resultados sugerem que as emissões de gases de efeito estufa por quilo de carne poderiam ser reduzidas em 16%.

Outro estudo, enquanto isto, avalia a inclusão de 13 indicadores para medir a pegada da pecuária, o que “colocará o país na vanguarda das questões ambientais”, como disse ao Diálogo Chino o senador uruguaio Sebastian Da Silva, presidente do Comitê de Pecuária, Agricultura e Pesca do país.

Diante dos esforços para reduzir as emissões de metano, muitos no setor têm se empenhado em posicionar a pecuária como uma atividade potencialmente neutra, uma vez que essas emissões seriam compensadas pelos estoques de carbono nos solos das pastagens. Esse argumento tem sido particularmente popular na Argentina e no Uruguai, onde o desmatamento impulsionado pela pecuária é menor do que no vizinho Brasil.

Vários desafios

Rafael Terra, professor da Universidade da República do Uruguai e especializado em gestão de riscos climáticos, defende que as características dos países da região devem ser levadas em conta quando se pensa em soluções de metano para o setor.

“Acho que isto ocorre pela falta de coordenação em certas discussões, que não distingue sistemas de produção. Precisamos melhorar a digestão dos pastos naturais [já que ficou demonstrado que os bovinos alimentados com capim emitem mais metano]”, disse.

O professor, assim como outros consultados, destaca as diferentes circunstâncias dos países de emissões de metano. O Brasil é o quinto maior emissor de metano do mundo, mas ainda produz três vezes menos do que o país líder, a China. A Argentina, por sua vez, emite três vezes menos que o Brasil; e o Uruguai, seis vezes menos que a Argentina.