Clima & energia

Negociações da ONU sobre proteção do alto mar terminam sem consenso

Discordância sobre distribuição de recursos genéticos emperra acordo, mas governos alegam falta de tempo para concluir tratado em encontro em Nova York
<p>Um petrel-das-neves próximo a um iceberg no Mar de Ross, na Antártica (Imagem: André Gilden / Alamy)</p>

Um petrel-das-neves próximo a um iceberg no Mar de Ross, na Antártica (Imagem: André Gilden / Alamy)

Após grandes expectativas com as duas semanas de negociações na sede da ONU, em Nova York, seus Estados-membros não fecharam um acordo juridicamente vinculante para proteger e garantir um uso sustentável da biodiversidade marinha.

Em sua maioria, os governos alegaram terem ficado sem tempo, mas as organizações ambientais descreveram a reunião como uma oportunidade perdida. Agora, as partes interessadas terão que conciliar suas diferenças até que uma nova reunião seja marcada.

Se lograron avances en varios aspectos clave del proyecto de acuerdo, especialmente durante los dos últimos días de las negociaciones. Los gobiernos afirmaron en gran medida que se les acabó el tiempo, mientras que las organizaciones ecologistas calificaron la reunión como una oportunidad perdida.

Nunca estivemos tão perto da linha de chegada como agora. Mas precisamos de mais tempo para continuar trabalhando

Ainda assim, foram alcançados avanços em vários aspectos fundamentais do acordo, especialmente nos dois últimos dias de negociações, e a presidente da conferência, Rena Lee, tentou demonstrar otimismo:

“Nunca estivemos tão perto da linha de chegada como agora. Mas precisamos de mais tempo para continuar trabalhando. Peço a todos que redobrem os esforços”.

O alto mar —  uma área a mais de 200 milhas náuticas (370 quilômetros) de qualquer costa e, portanto, fora das jurisdições nacionais — representa cerca de dois terços do oceano global. Apesar disso, apenas 1% dessas águas estão protegidas. Estas áreas abrigam diversos ecossistemas e estão repletas de vida.

Em 2021, a Coalizão de Alta Ambição, que reúne mais de cem países, se comprometeu a proteger 30% dos territórios terrestres e marinhos até 2030. Mas a meta dos oceanos não tem respaldo legal se não for acordada por um tratado internacional. Ele incluiria o alto mar nas chamadas Áreas Marinhas Protegidas (MPAs).

“As negociações conseguiram resolver questões importantes. De certa forma, fizemos mais progressos nessas duas semanas do que nos últimos cinco anos”, disse Lisa Speer, diretora do programa de oceanos do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. “As delegações realmente vieram preparadas para negociar, em vez de reiterar posições”.

Avanços para proteção dos oceanos

As expectativas de fechar um acordo eram altas depois que lideranças mundiais se comprometeram a tomar medidas para proteger os mares na Conferência dos Oceanos da ONU, em Lisboa, em julho. As negociações se arrastam há mais de uma década.

As conversas em Nova York abordaram todos os quatro pontos propostos no rascunho do acordo, como as ferramentas de gestão por áreas, como as MPAs; os recursos genéticos marinhos; as avaliações de impacto ambiental; e a capacitação e a transferência de tecnologia de nações desenvolvidas para nações em desenvolvimento.

Para Luisina Vueso, ativista dos oceanos do Greenpeace, “faltou senso de urgência” dos governos presentes, que passaram a maior parte das duas semanas sem negociar. Isso mudou perto do fim quando as delegações mostraram mais flexibilidade e vontade de chegar a um consenso, explicou Vueso.

Houve muita movimentação boa e a sensação de que podemos finalizar o tratado; foi uma questão de falta de tempo

Os países avançaram com as ferramentas de gestão por áreas e nos arranjos institucionais de um futuro tratado, algo que será essencial para sua eficácia. Isso inclui o mandato e as regras para uma Conferência das Partes (COP), como a realizada sobre o clima, e a coordenação com os órgãos existentes que regulam o alto mar.

Entretanto, a divisão de possíveis lucros com a extração de recursos em alto mar continua sendo uma questão muito sensível. Os governos ainda precisam chegar a um acordo sobre como fazer isso de forma equitativa e sobre os benefícios compartilhados (monetários e não monetários), assim como se as medidas serão voluntárias ou obrigatórias.

O rascunho de um acordo foi publicado no primeiro fim de semana da cúpula, com vários parênteses em aberto nas áreas em que ainda não há consenso. Novas versões do texto foram então distribuídas entre os delegados na segunda semana, mas não foram divulgadas ao público pela ONU.

“Houve muita movimentação boa e a sensação de que podemos finalizar o tratado; foi uma questão de falta de tempo”, disse Elizabeth Karan, que lidera o programa de alto mar da organização Pew. “O ponto de discórdia ainda está em torno da repartição de benefícios dos recursos genéticos marinhos. Sabíamos que seria uma questão difícil, e realmente foi”.

Próximos passos em acordo do alto mar da ONU

Falando na plenária de encerramento, os representantes da maioria dos países concordaram que foram feitos progressos significativos, destacando a flexibilidade de todas as partes para chegar aos compromissos. A atitude dos representantes foi diferente desta vez, permitindo discussões mais construtivas, segundo alguns participantes.

Mas essa avaliação não foi unânime. Representantes de países insulares do Pacífico e Caribe ficaram decepcionados. Eles pediram que suas condições especiais fossem refletidas no texto e pediram um acordo equilibrado que os apoiasse.

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“Os cidadãos do Pacífico vieram com boa fé e disposição para negociar. Vivemos longe e não é barato viajar. O dinheiro gasto para trazer uma delegação deixou de ser gasto em estradas ou remédios. Tomamos decisões difíceis em questões importantes para nós”, disse uma representante de Samoa, contendo as lágrimas, seguidas por aplausos de toda a sessão plenária.

Jessica Battle, especialista em política oceânica da WWF, disse que a Noruega e a Islândia mudaram sua posição durante a reunião. Agora, ambos os países estão mais abertos a um tratado. Por outro lado, a Rússia, e em menor grau a China, foram reticentes sobre alguns aspectos, incluindo comentários sobre vários artigos do texto.

Falando na plenária, um representante da China disse que as discussões foram “profundas e frutíferas” e que, embora não tenha sido alcançado um acordo em todas as áreas, as delegações “têm uma melhor compreensão das posições umas das outras”.

A resolução da Assembleia Geral da ONU, que convocou as negociações, estipulou que elas fossem concluídas até o final do ano. Essa foi a última sessão agendada, e o processo agora está suspenso. Ainda não está claro quando os países voltarão a se reunir para continuar as negociações.

Há um calendário repleto de reuniões da ONU sobre outras questões importantes até janeiro, incluindo a Assembleia Geral, em setembro; a COP 27 do Clima, em novembro; e a COP 15 da Biodiversidade, em dezembro. Analistas acreditam que a próxima reunião sobre o alto mar dure uma semana, em vez de duas, graças aos últimos avanços.