O que é a COP27? As negociações climáticas cruciais deste ano, explicou

Conheça as questões-chave à medida que se aproxima a próxima rodada de negociações da ONU sobre mudança climática, desta vez organizada pelo Egito
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<p>Painéis solares no telhado de um hotel em Sharm el-Sheikh, cidade sede da COP27 (Imagem: Mohamed Abd El Ghany / Alamy)</p>

Painéis solares no telhado de um hotel em Sharm el-Sheikh, cidade sede da COP27 (Imagem: Mohamed Abd El Ghany / Alamy)

O mundo mudou entre a última conferência da ONU sobre mudanças climáticas, em novembro de 2021, e a próxima, a COP27. A invasão da Ucrânia pela Rússia elevou a inflação, enquanto a segurança energética, alimentar e produtiva ganhou prioridade.

Embora alguns governos tenham usado a crise para acelerar o ritmo da descarbonização e melhorar a eficiência energética, outros buscaram novas fontes de combustíveis fósseis para aumentar a segurança energética a curto prazo. O Grupo de Trabalho Climático China-EUA foi suspenso, e reuniões bilaterais sobre diversas questões foram canceladas.

Enquanto isso, os impactos das mudanças climáticas são cada vez mais visíveis. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou novos relatórios  alertando que, sem reduções “imediatas e profundas” de emissões em todos os setores, será impossível limitar o aumento da temperatura global a 1,5  ͦC de níveis pré-industriais.

Veja a seguir o que se espera da próxima conferência no Egito.

Onde e quando é a COP27?

A COP27 será realizada na cidade turística egípcia de Sharm el-Sheikh, de 6 a 18 de novembro de 2022.

O que aconteceu na COP26?

O resultado da última COP foi o Pacto Climático de Glasgow, que prevê o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis e a redução do carvão. 

As negociações também resultaram em vários acordos multilaterais, como o de cortar as emissões de metano, parar o desmatamento e acabar com o financiamento de combustíveis fósseis no exterior.

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A promessa de US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático pelas nações desenvolvidas foi cumprida apenas parcialmente.

Houve poucos avanços na adaptação às mudanças climáticas, e nenhum nas chamadas “perdas e danos” — o financiamento para lidar com os impactos das mudanças climáticas onde as perdas são permanentes, por exemplo devido à elevação do nível do mar.

Todas as nações concordaram em apresentar compromissos de redução de emissões antes da COP27. Pelas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, em inglês) existentes, haveria um aumento global de temperatura entre 2,4  ͦC e 2,7  ͦC.

Mas não houve avanços no início deste ano no encontro em Bonn, na Alemanha, sobre questões mais críticas da COP27. 

Quais são as prioridades para a COP27?

O slogan da conferência é Juntos pela Implementação. Essa implementação precisa acontecer “em tempo e larga escala”, e ser “específica, mensurável e gerar impacto”, de acordo com a “visão da presidência“.

A chave para isso é a assistência financeira aos países em desenvolvimento. A ministra da cooperação internacional do Egito, Rania Al Mashat, disse ao Guardian: “Queremos que esta COP seja sobre passar de promessas à implementação. E queremos destacar políticas e práticas, que podem impulsionar a ação”.

Ela deu o exemplo da redução do risco financeiro por meio de garantias governamentais para atrair investidores do setor privado. Isto ajudaria países mais pobres e vulneráveis a ter acesso ao financiamento, o que atualmente é uma grande barreira.

Sameh Shoukry
Sameh Shoukry, ministro das Relações Exteriores do Egito, foi nomeado presidente da COP em janeiro deste ano (Imagem: Mohamed Azakir / Alamy)

Mohamed Maait, ministro das Finanças egípcio, enfatizou a necessidade de enfrentar a questão da dívida de muitos países em desenvolvimento, o que os impede de investir na mitigação ou adaptação às mudanças climáticas.

O que está na agenda da COP27?

Ao contrário das COP anteriores, esta não visa a um único acordo, mas à ação em nível nacional. “Isto não é apenas uma função do que a comunidade global concorda; é como a comunidade global pode trabalhar para promover os interesses e as agendas nacionais”, disse negociador da COP, Jonathan Pershing, em uma entrevista ao Carbon Brief.

É provável que as discussões sejam dominadas pela questão financeira. Esse tem sido sempre um ponto de choque nas COPs, mas se tornou ainda mais urgente à medida que os impactos das mudanças climáticas ficam mais visíveis.

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Os países mais vulneráveis estão recebendo pouco do que está disponível e estão se endividando, pois são forçados a gastar para lidar com os impactos das mudanças climáticas, o que torna mais difícil o investimento na redução de emissões ou adaptação.

A presidência afirma que o financiamento climático precisa ser abordado “de forma a criar confiança no processo e dissipar as preocupações de que os países em desenvolvimento serão instados a contribuir com o esforço global sem um apoio proporcional”.

Nos últimos anos, uma necessidade financeira adicional de perdas e danos tem vindo à tona. Na COP26, as nações em desenvolvimento argumentaram que os países desenvolvidos devem ser financiadores desse processo. 

Mas os países desenvolvidos bloquearam as tentativas de facilitar esse financiamento. A visão da presidência destaca a necessidade de abordar as perdas e os danos “encontrando uma solução equilibrada para o financiamento”.

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Uma estrada danificada após fortes chuvas no estado de Assam, na Índia, em 19 de maio de 2022. Países em desenvolvimento planejam pressionar para obter financiamento de grandes poluidores na COP27, após um ano de eventos climáticos extremos (Imagem: Anuwar Hazarika / Alamy)

Cada dia da COP27 será centrado em torno de um ou dois temas, como Finanças; Ciência; Juventude e gerações futuras; Descarbonização; Adaptação e agricultura.

As conversas sobre as finanças podem ficar complicadas na COP devido às crises de energia e inflação que atingem muitos países. A presidência reconheceu isso, afirmando que a concessão de financiamento climático aos países em desenvolvimento “precisa de uma nova mentalidade, estratégias e políticas atualizadas, especialmente com as atuais crises financeiras, dívidas e aumentos das taxas de juros”.

Ela afirma ainda que os países precisam “evitar recuos nos compromissos e promessas, apesar dos vários desafios e crises, em particular a crise energética”.

Que avanços a América Latina fez antes da COP27?

Pequenos avanços na descarbonização têm sido vistos na América Latina desde a cúpula de Glasgow. Houve melhorias no setor de transportes, com estratégias e metas de veículos elétricos lançados no Chile, Uruguai e na Colômbia

O mercado de energia renovável da América Latina também se recuperou após a pandemia, com novos recordes em capacidade de energia solar e eólica. A região deu seus primeiros passos na energia eólica offshore, com estratégias lançadas no Brasil e na Colômbia, enquanto dedicam crescente atenção ao potencial do hidrogênio verde

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Mas apesar destes esforços e do aumento dos compromissos e promessas feitas na COP26, as emissões de carbono continuaram subindo em toda a América Latina. 

A Argentina e o Uruguai têm tido dificuldades para a descarbonização, enquanto no Brasil, as emissões do setor energético aumentaram à medida que o país, dependente de energia hidrelétrica, se voltou para os combustíveis fósseis após uma seca histórica. O México, por sua vez, não sinalizou maior comprometimento, depois que a Justiça suspendeu sua NDC em 2021 por falta de ambição. 

Argentina, Brasil, México e Uruguai estão entre os 111 países da COP26 a assinar o Compromisso Global do Metano, para reduzir suas emissões em 30% entre 2020 e 2030. Entretanto, um ano depois, pouco avanço foi feito: o México, um dos maiores emissores de metano do mundo, está atrasado na nova regulamentação, enquanto os grandes produtores de carne bovina da região, Brasil e Argentina, carecem de políticas relevantes para atingir essa meta.

Com a segurança energética sendo uma preocupação para muitas nações da região, os governos também continuam a olhar para o gás natural como uma solução, com o Peru, que busca ampliar sua infraestrutura de gás.

Deve-se notar que os países latino-americanos enfrentaram várias crises no ano passado, que mudaram as prioridades políticas e testaram sua capacidade de buscar a descarbonização — além de destacar a maior exposição e vulnerabilidade da região aos impactos das mudanças climáticas. Seus desafios foram agravados por secas históricas e ondas de calor, furacões e incêndios, e por dificuldades econômicas contínuas desde a pandemia da Covid-19, bem como pelos efeitos da guerra da Rússia na Ucrânia.

Mas há sinais de esperança. Desde a Cúpula de Glasgow, várias eleições na região viram candidatos pró-meio ambiente assumindo presidências na Colômbia e no Chile, que busca a liderança regional na COP27.

Qual é o histórico do Egito contra as mudanças climáticas?

A Agência Internacional de Energia observou a redução gradual do Egito dos subsídios aos combustíveis fósseis e a criação de tarifas para incentivar a energia renovável.

O país atualizou suas NDCs em junho. Isto visa garantir que as emissões da geração de eletricidade sejam 33% menores que as atuais até 2030. As emissões do transporte seriam 7% menores e os setores de petróleo e gás seriam 65% menores até o período. O governo estabeleceu a meta de 42% de renováveis em sua matriz energética até 2035.

Usina elétrica a gás às margens do Nilo
Usina elétrica a gás às margens do Nilo, no Cairo, Egito. Antes da COP27, todos os países precisam apresentar planos atualizados de redução de emissões. O plano do Egito aumentaria suas emissões em cerca de 50% até 2030, de acordo com o Climate Action Tracker (Imagem: Amr Abdallah Dalsh / Alamy)

O custo estimado do plano é de US$ 246 bilhões, embora o Egito espere que uma parcela significativa seja cumprida por financiamentos internacionais.

Uma análise das NDCs por cientistas da Climate Action Tracker (CAT) classificou-as como “altamente insuficientes”. As metas atuais do Egito resultariam no aumento das emissões em cerca de 50% até 2030, em comparação com os níveis atuais, apontou.

Como a COP27 se conecta à COP15 da Biodiversidade?

A COP15 deverá finalizar um novo acordo global para restaurar a natureza. As negociações ocorrerão em Montreal de 7 a 19 de dezembro e foram transferidas de Kunming devido contínuas restrições da Covid-19 na China, que ainda detém a presidência do evento.

As conexões entre clima e natureza se tornaram muito mais claras nos últimos anos, tanto na forma que as mudanças climáticas afetam a natureza, quanto em como a natureza pode apoiar os esforços de mitigação e adaptação — as chamadas “soluções baseadas na natureza” (NbS, em inglês). A COP26 tinha um forte foco nas NbS.

Entretanto, a primeira parte da COP15, realizada no ano passado em Kunming, terminou com pouca clareza sobre as NbS. O termo em si é controverso nos círculos da COP. As nações africanas temem que elas permitam aos emissores de carbono usar compensações do plantio de árvores nos países em desenvolvimento para evitar o corte de emissões, prejudicando os direitos das comunidades locais.

O que os países latino-americanos fizeram na COP26?

Os líderes e delegados latino-americanos assumiram uma série de novos compromissos na Cúpula de Glasgow do ano passado, com a proteção dos recursos naturais no topo da agenda. Eles também se uniram a outras regiões vulneráveis e em desenvolvimento para cobrar maior apoio e financiamento por parte do mundo desenvolvido.

Mais de cem países assinaram a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre as Florestas e o Uso da Terra, um compromisso para deter e reverter a perda das florestas até 2030. Entre os países signatários estão Argentina, Costa Rica, Equador, México, Peru, Colômbia, Chile e Brasil, que tem visto um desmatamento recorde nos últimos anos.

Chile, El Salvador e Uruguai aderiram a um compromisso de transição para veículos com emissões zero até 2040. A Costa Rica, entretanto, liderou o lançamento da Beyond Oil and Gas Alliance, uma coalizão de 12 países trabalhando para acabar com novas concessões e licenciamentos para a produção de petróleo e gás.

A COP26 viu avanços nos oceanos da América Latina, com o presidente equatoriano Guillermo Lasso anunciando uma nova área marinha protegida de 60 mil km2 ao redor das ilhas Galápagos. O país também aderiu a uma iniciativa para conectar suas reservas marinhas com as da Colômbia, Costa Rica e Panamá, para criar um corredor livre de pesca de 500 mil km2 em uma das rotas migratórias mais importantes do mundo.