COP27: América Latina se aproxima de unidade sobre o clima na Cúpula

Sinais de alinhamento entre os governos durante a primeira semana da Conferência da ONU no Egito dão esperança de negociações mais suaves como bloco único

Share

Nicolás Maduro fala na COP27

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, foi um dos líderes latino-americanos presentes na COP27. A região mostrou progresso em sua unidade através de um novo documento conjunto destacando a necessidade de financiamento climático (Imagem: Prensa Miraflores / dpa / Alamy)

Os presidentes e ministros do meio ambiente da América Latina utilizaram a conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas COP27 para pedir um maior alinhamento da região sobre política ambiental, como uma declaração conjunta que estabelece posições unificadas para o bloco.

Na maioria dos cenários da ONU, como comércio ou direitos humanos, por exemplo, as 33 nações da região coordenam as negociações – ou pelo menos tentam fazê-lo – como um bloco único: o Grupo Latino-Americano e Caribenho (GRULAC). Mas a região está há muito tempo fragmentada em relação às mudanças climáticas, o que a enfraqueceu como maioria. Nos dias de abertura da cúpula da COP27 no Egito, no entanto, houve sinais de mudança.

paneles solares egipto
Saiba mais: O que é a COP27? As negociações climáticas cruciais deste ano, explicou

Na quarta-feira, a Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (CELAC), um bloco que reúne todos os países da região, exceto o Brasil, apresentou uma declaração conjunta detalhando objetivos compartilhados para a cúpula e a ação climática em geral. O documento enfatiza a necessidade de financiamento e de reforço do papel do GRULAC nas negociações climáticas.

Os países, diz a declaração, “reafirmam a importância de reforçar a coordenação nos diversos fóruns multilaterais, com vistas a fortalecer as sinergias e a articulação nas negociações climáticas”. Um GRULAC reforçado, dizem eles, pode ajudar a “promover a articulação de prioridades”.

Fazendo eco a um dos pontos chave da COP27, o documento também destaca “a necessidade de maior provisão de recursos públicos pelos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento”. E também faz apelos para encorajar o desenvolvimento de instrumentos inovadores de financiamento climático, tais como títulos soberanos, fundos de garantia e swaps de dívida para a ação climática.

ministros e funcionários da américa latina na COP27
Ministros e autoridades climáticas da América Latina apresentam a declaração conjunta da CELAC sobre ação climática na COP27 em Sharm el-Sheikh, 9 de novembro (Imagem: Fermín Koop)

Ao longo dos anos, a região tem negociado através de diferentes grupos em conferências sobre o clima, como a Associação Independente da América Latina e do Caribe (AILAC), a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA) e o grupo da Argentina, Brasil e Uruguai, também conhecido como ABU.

A secretária de mudanças climáticas da Argentina, Cecilia Nicolini, lamentou a falta de “maior geminação” na América Latina sobre as negociações climáticas, dizendo que era “uma pena” que a América Latina antes não tivesse sido capaz de negociar em conjunto –  algo que o documento começa a abordar.

Susana Muhamad, ministra do meio ambiente da Colômbia, saudou a liberação da declaração, acrescentando que a América Latina quer se tornar um bloco negociador em princípio, com base em certas questões comuns, como financiamento e troca de dívida. “Temos que estar unidos, mesmo que tenhamos discordâncias. O documento é um primeiro passo poderoso”, disse ela.

América Latina não quer passar despercebida

A conferência da ONU sobre mudança climática deste ano verá mais de 30 mil participantes chegarem à cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, incluindo delegações de países, representantes da sociedade civil e jornalistas. Denominada por muitos como “a COP africana”, a reunião trouxe grande visibilidade para os países africanos e seus apelos climáticos, mas até agora um pouco menos para a América Latina, com presença limitada de líderes da região.

A Colômbia tem seu próprio pavilhão na cúpula, assim como Venezuela, Panamá, El Salvador, República Dominicana e Chile, onde diferentes atividades e eventos estão sendo realizados. O Brasil tem um pavilhão oficial do governo federal e mais dois pavilhões paralelos – um para a sociedade civil e outro para os governadores de estados amazônicos.

Entre os presidentes e primeiros-ministros da região presentes durante os primeiros dias da conferência estavam Gustavo Petro (Colômbia), Nicolás Maduro (Venezuela), Mia Mottley (Barbados), Gaston Browne (Antígua e Barbuda) e Chan Santokhi (Suriname). Embora não assuma o posto até janeiro, o presidente brasileiro recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva também deve ir ao Egito, sendo calorosamente recebido por ambientalistas.

Mia Mottley fala na cop27
A primeira-ministra de Barbados Mia Mottley foi uma das mais aplaudidas. “Nós temos a capacidade coletiva de transformar", disse ela. (Imagem: UN / Kiara Worth / CC BY-NC-SA 2.0)

Em seu discurso na conferência, Petro, da Colômbia, apresentou um “decálogo” de ações diante da crise climática, apelando para “a mobilização da humanidade, a desvalorização da economia de hidrocarbonetos, para que se evite a guerra e pela adoção de uma economia descarbonizada”, entre outros. Seu “decálogo” também citou a necessidade de mudanças no funcionamento de organizações como o Fundo Monetário Internacional.

Por sua vez, Maduro, da Venezuela, descreveu a crise climática como uma “profecia auto-realizada” que deve ser confrontada com ações “concretas, urgentes e imediatas”. Ele também criticou o “modelo capitalista destrutivo” que gera desequilíbrios entre as economias globais e pediu ajuda financeira para os países mais afetados pela mudança climática.

A simples vontade política de não apenas fazer promessas, mas cumpri-las e fazer a diferença parece impossível de ser encontrada

O discurso da primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, foi um dos mais elogiados da Cúpula, recebendo aplausos estrondosos: “Nós temos a capacidade coletiva de transformar. Sabemos o que é retirar a escravidão de nossa civilização... poder encontrar uma vacina dentro de dois anos quando uma pandemia nos atinge... e colocar um homem na lua”, disse ela. “Mas a simples vontade política de não apenas fazer promessas, mas cumpri-las e fazer a diferença parece impossível de ser encontrada”.

Para Adrián Martínez, diretor da Ruta al Clima, uma organização que promove a participação cidadã na governança climática, a América Latina chegou à COP27 e tentou ao máximo não ser “invisível” na Cúpula. “Esta é uma discussão muito dominada pela África, que ofusca [nossa] região”, disse ele, acrescentando que os países latino-americanos podem ter dificuldades para “aparecer nesta obscuridade”, mesmo Brasil e Colômbia, os maiores atores regionais.

Aumento de financiamento é prioridade

Apesar da fragmentação em diferentes blocos, os discursos dos líderes latino-americanos na COP27 enfatizaram várias questões prioritárias para a região, principalmente o aumento do financiamento para enfrentar os efeitos da crise climática, para apoiar a redução de emissões e para a proteção das florestas – notadamente da Amazônia.

Um próximo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), cuja previsão foi apresentada na COP27, revelou que a região tem atualmente acesso a US$ 22 bilhões em financiamento climático para mitigação e adaptação. Mas até 2030, a comissão informa que serão necessários entre US$154 bilhões e US$198 bilhões.

financiamento climática desenvolvimento COP26 adaptação Banco Mundial carbono mudanças climáticas
Saiba mais: Onde está o financiamento para a ação climática?

“A América Latina não tem estado no centro da conversa e isto é preocupante para certas questões como o financiamento. É por isso que tem que se posicionar”, disse Sandra Guzman, coordenadora do Climate Finance Group for Latin America and the Caribbean (GFLAC). “É uma região que tem muito a dar, mas que não o faz de forma abrangente”.

Em um evento paralelo à COP27, os presidentes Petro e Maduro apelaram para uma maior proteção da floresta amazônica. Para isso, propuseram o relançamento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, um acordo assinado em 1978 com Brasil, Bolívia, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela que reconhece a natureza transfronteiriça do bioma.

“Estamos determinados a revitalizar a floresta amazônica para dar à humanidade uma importante vitória na luta contra a mudança climática”, disse Petro, que lembrou seu compromisso anterior de alocar US$ 200 milhões para proteger o bioma na Colômbia. Maduro, por sua vez, apelou para “parar a destruição e iniciar um processo de recuperação”. Houve também um convite de participação estendido ao próximo presidente brasileiro Lula, com Petro descrevendo o envolvimento do Brasil como “absolutamente estratégico”.

A América Latina não tem estado no centro da conversa e isto é preocupante para certas questões como o financiamento

Juntamente com outros 22 países, Costa Rica, Equador, Guiana e Colômbia lançaram The Forest & Climate Leaders' Partnership, uma aliança para deter a perda e a degradação da floresta até 2030, promovendo o desenvolvimento sustentável. A parceria vem com financiamento da Alemanha e do Reino Unido para implementação nos próximos anos, e segue os compromissos sobre florestas assumidos na cúpula COP26 em Glasgow, na Escócia.

A COP27 continuará até 18 de novembro, com a segunda semana centrada nas negociações, buscando finalizar detalhes pendentes da implementação do Acordo de Paris, como os mercados de carbono, bem como um novo mecanismo de financiamento para perdas e danos pelos efeitos já visíveis das mudanças climáticas.