Opinião: China precisa adotar políticas verdes em novos projetos

Mudança de foco chinês em energia limpa é uma excelente notícia para a América Latina. Mas a maneira em que essas operações são conduzidas também importa

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Usina solar de Cauchari na província de Jujuy, na Argentina. Maior projeto de energia solar no país, Cauchari está localizada perto de territórios sensíveis, como áreas protegidas e comunidades indígenas (Image: Alamy)

Com a notícia de que Honduras estabeleceu relações diplomáticas com a China — e de que a China, por sua vez, concordou em financiar uma expansão do complexo hidrelétrico de Patuca —, agora é momento de pensar sobre o papel do financiamento chinês para o desenvolvimento da América Latina e do Caribe.

A China voltará ao seu papel pré-pandêmico como o principal financiador das estatais petrolíferas, como a Petrobras? Ou ela honrará seu compromisso de alavancar o apoio à energia limpa no exterior? E os credores chineses implementarão as novas políticas verdes de Beijing para a gestão de investimentos no exterior?

Ao considerar os empréstimos chineses à América Latina e ao Caribe, duas grandes instituições financeiras para o desenvolvimento estão no coração dessas operações: o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação e Importação da China. Há uma década, o apoio dessas instituições à região alcançou níveis semelhantes aos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Mas a pandemia de Covid-19 minguou quase completamente essa forma de financiamento.

Dois anos depois, o financiamento chinês para a América Latina e o Caribe está ressurgindo e quiçá mudando para novos setores. Enquanto os empréstimos e linhas de crédito anteriores estavam fortemente concentrados em petrolíferas, o novo modelo de financiamento prioriza empréstimos menores e focados em projetos específicos.

China Development Bank Tower
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É sem dúvida um sinal alentador de que os empréstimos chineses para a América Latina e o Caribe estão deixando os combustíveis fósseis em direção a setores mais comprometidos com a agenda climática. Foram-se os anos das linhas de crédito de dez dígitos para petrolíferas. Em seu lugar, crescem os projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Aliás, dois dos três novos financiamentos anunciados pela China em 2022 dizem respeito à adaptação climática: são projetos para reforçar estradas costeiras em Barbados e na Guiana. Já os empréstimos em negociação este ano incluem a expansão de dois grandes projetos de energia renovável: a usina solar Cauchari, no norte da Argentina, e a hidrelétrica de Patuca, em Honduras.

Porém, para que o “barato” também seja “bom e bonito”, os projetos financiados pela China precisarão considerar os impactos socioambientais nas comunidades e no mundo todo. Ou seja, como os projetos são planejados e administrados é tão importante para a sustentabilidade quanto o tipo de projeto.

Uma operação de energia verde mal planejada, por exemplo, pode resultar em consideráveis danos ecológicos e conflitos sociais. O projeto da hidrelétrica de Agua Zarca, em Honduras — abandonado pela chinesa Sinohydro em meio a conflitos ambientais — serve como lembrete da importância da gestão de riscos socioambientais desde o início. Além disso, quase metade das emissões de carbono na América Latina e no Caribe são causadas pela conversão do solo, principalmente associada ao desmatamento. A gestão dos impactos ambientais sobre florestas e outros ecossistemas, bem como as comunidades que eles sustentam, é uma parte indispensável da mitigação das mudanças climáticas na região.

Implementando as políticas verdes

Novas políticas de sustentabilidade lançadas por Beijing, além de compromissos climáticos em toda a América Latina e o Caribe, mostram que os líderes globais compreendem cada vez mais a importância da gestão de riscos socioambientais para o sucesso dos projetos — bem como a proteção de ecossistemas e comunidades locais.

Em 2021 e 2022, as novas diretrizes do governo chinês incluíram mudanças para investidores e o setor de construção, além de políticas exclusivas para o financiamento verdes, como mecanismos de transparência e ouvidoria para receber e resolver reclamações.

A China, a América Latina e o Caribe têm a oportunidade de renovar sua relação financeira, agora baseada em princípios e compromissos para o desenvolvimento sustentável.

Também houve mudanças significativas na América Latina e no Caribe. A região reconhece a importância de manter ecossistemas saudáveis para a vida de comunidades indígenas e tradicionais, abraçando os direitos ambientais previstos nos acordos das Nações Unidas e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Acordo de Escazú também representa um passo importante nesse sentido, já que é um tratado regional que se compromete com a transparência, a participação das partes interessadas e o acesso à justiça em temas ambientais relacionados ao desenvolvimento de novos projetos.

Muitas dessas diretrizes e compromissos foram adotados durante a pandemia de Covid-19, quando o financiamento de novos projetos estava diminuindo. Mas, com novos projetos à vista, a China, a América Latina e o Caribe têm a oportunidade de renovar sua relação financeira, agora baseada em princípios e compromissos para o desenvolvimento sustentável.

No Brasil, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu fortalecer as políticas ambientais em seu novo mandato, enquanto seu homólogo chinês, Xi Jinping, defendeu a criação de uma “civilização ecológica” como foco no desenvolvimento sustentável. Os dois se reuniriam em Beijing no último fim de semana — uma reunião aguardada por muitos para avaliar o status da relação entre a China e a América Latina — mas Lula adiou sua visita devido a questões de saúde.

Os dois projetos de maior escala ainda em discussão — a possível expansão do parque solar de Cauchari, na Argentina, e a usina hidrelétrica de Patuca, em Honduras — são oportunidades importantes para colocar em prática os novos compromissos verdes da China. Ambos têm o potencial de contribuir significativamente para a redução das emissões regionais de carbono. Mas, a nível local, cada um também precisa mitigar diversos riscos socioambientais ao longo de toda a operação.

A coordenação dos projetos pode antecipar os potenciais impactos socioambientais a partir de três categorias de territórios sensíveis: áreas protegidas, terras indígenas e habitats críticos para a biodiversidade global. Por exemplo, a usina solar de Cauchari já está dentro dos três tipos de território sensível, enquanto Patuca está localizada rio acima dos três tipos de área — um fator crucial para os planos de qualquer barragem.

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Os projetos não são necessariamente inviáveis simplesmente pela sua proximidade com territórios sensíveis, mas suas localizações indicam a necessidade de uma maior gestão ambiental e consciência dos potenciais riscos. É claro que esses tipos de territórios sensíveis não compreendem todos os riscos, mas são categorias globais que permitem comparações entre países.

Três fatores são críticos para a gestão de impactos socioambientais em projetos de infraestrutura: estudos de impacto ambiental (EIAs) abrangentes, envolvimento das partes interessadas e compromisso com a transparência durante todo o funcionamento das operações. Se só os projetos chineses na Argentina e Honduras forem financiados neste ano, os bancos e empresas da China devem garantir que os EIAs sejam minuciosos, que as consultas públicas incluam os povos indígenas e as comunidades locais, e que todo o processo seja transparente. Seguindo estas três etapas, as empresas chinesas podem garantir que estarão honrando as novas políticas de financiamento, construção e investimento verde da China, bem como os compromissos dos países latino-americanos sob a Convenção 169 da OIT e o Acordo de Escazú.

Se a China criar esse precedente — e embasar suas decisões para esses e os próximos projetos em suas novas diretrizes verdes —, sua mudança em direção à energia limpa será uma força poderosa para o desenvolvimento sustentável na América Latina e no Caribe.