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Escazú, parte 2: desafios para ratificar o histórico acordo ambiental

Apesar de resistências e progresso lento, tratado é uma das principais esperanças de uma América Latina mais justa
<p>‘Os jovens exigem a ratificação de Escazú’, lê-se no cartaz de um ativista em frente ao Ministério das Relações Exteriores do Peru, em agosto de 2022. Apesar de o país ter assinado o Acordo de Escazú em 2018, até agora não foi ratificado no Congresso (Imagem: Alamy)</p>

‘Os jovens exigem a ratificação de Escazú’, lê-se no cartaz de um ativista em frente ao Ministério das Relações Exteriores do Peru, em agosto de 2022. Apesar de o país ter assinado o Acordo de Escazú em 2018, até agora não foi ratificado no Congresso (Imagem: Alamy)

Como primeiro acordo regional dedicado à proteção de ativistas ambientais e dos direitos humanos, o Acordo de Escazú foi um marco na América Latina e no Caribe quando chegou em 2018.

Aprovado naquele ano pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) da ONU, o acordo entrou oficialmente em vigor há dois anos. Entretanto, sua implementação, bem como a participação ativa dos países e dos cidadãos em seus processos, ainda está em andamento.

O Acordo de Escazú está aberto a todos os 33 países da América Latina e do Caribe. Mas até agora, foi assinado por 25 e ratificado por apenas 15. O Brasil está entre os que ainda não ratificou o tratado.

Mesmo após a ratificação, nada garante seu cumprimento efetivo. O Panamá, por exemplo, foi um dos primeiros a ratificar o acordo, em março de 2020. No entanto, o país recentemente aprovou um projeto de mineração que teria ignorado o tratado, que determina a realização de audiências públicas antes da implementação de projetos desse porte.

Neste cenário de atrasos e inconsistências, permeado por dúvidas entre ambientalistas e comunidades afetadas, a segunda Conferência das Partes (COP) do Acordo de Escazú será realizada em Buenos Aires, na Argentina, de 19 a 21 de abril. Alguns têm esperança de progressos na reunião, mas quais são os desafios que o acordo enfrenta? E o que precisa ser feito para que ele se torne verdadeiramente eficaz?

Progresso lento

Desde que entrou em vigor em abril de 2021, ao ser ratificado por 12 países, o Acordo de Escazú tem buscado garantir o acesso à informação, participação pública e justiça ambiental. No entanto, apenas outros três países ratificaram o tratado desde então: Chile, Belize e Granada.

 

 

Também há avanços em alguns dos 15 países que ratificaram o acordo, incluindo planos de implementação em Chile, Argentina, Uruguai, México, Equador e Santa Lúcia. Carlos de Miguel, diretor de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável da Cepal, diz que dois deles se destacam: a eleição de seis representantes da sociedade civil e a futura eleição de um comitê de apoio para a implementação e o cumprimento do acordo.

Escazú é o único tratado ambiental internacional com participação direta de representantes eleitos pela população. O grupo escolhido por votação online é fundamental para se ter uma relação direta com os membros da Cepal e garantir o engajamento público.

“O objetivo é garantir a participação pública de forma regional e geograficamente diversa, mas ainda falta clareza sobre como fazer isso”, diz Mijael Kaufman Falchuk, advogado ambientalista argentino e um dos representantes eleitos pela população.

O comitê de implementação e cumprimento, enquanto isto, vai reunir especialistas da região para assessorar a COP e trabalhar junto aos governos na execução do acordo. Foi selecionada uma lista de dez candidatos, composta por cinco homens e cinco mulheres de dez nacionalidades — três da América Central e México, três do Caribe e quatro da América do Sul. A eleição final dos sete membros acontecerá na reunião de Buenos Aires.

Riscos para ambientalistas continuam

De acordo com o último relatório da Global Witness, três a cada quatro ataques contra ativistas ambientais em 2021 ocorreram na América Latina, reafirmando seu status como a região mais perigosa do planeta para o grupo.

Graciela Martínez, do escritório da Anistia Internacional nas Américas, diz que há urgência de mais vontade política por parte de alguns países da região para priorizar a proteção dos ativistas socioambientais.

“Os defensores dos direitos humanos desempenham um papel fundamental na proteção de nossa biodiversidade, além de um papel central na responsabilização dos Estados”, diz Martínez. “Portanto, é importante reconhecê-los e dar-lhes espaço para que compartilhem suas preocupações”.

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Fanny Kuiru, líder do povo Huitoto da Amazônia colombiana e membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), disse que é preciso fortalecer os mecanismos de proteção das organizações, principalmente as que estão em áreas de risco, bem como promover a participação das mulheres no processo.

“As ameaças aos defensores do território continuam, e só vamos nos arrepender quando forem assassinados”, diz Kuiru ao Diálogo Chino.

A líder indígena acrescenta que, nesta fase inicial, seria “precipitado” julgar os impactos do Acordo de Escazú na proteção dos ativistas, “porque nem todos os países o adotaram, e aqueles que o adotaram estão discutindo as medidas a serem aplicadas”.

Kuiru, entretanto, reconhece avanços nessa direção com o Primeiro Fórum Anual de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, realizado em novembro passado, em Quito. Na reunião, foi proposto um plano de ação regional, em andamento, que visa facilitar a implementação do acordo em cada país.

Oposição ao Acordo de Escazú

Especialistas consultados pelo Diálogo Chino sugerem que a rejeição ao Acordo Escazú vem da desinformação, com a ideia de que o tratado traria impacto econômico negativo e perda de soberania estatal.

Em países como a Colômbia e o Peru, ativistas e políticos manifestaram oposição ao acordo. “A questão da ratificação dessa monstruosidade chamada Acordo de Escazú deveria nos fazer refletir sobre a violação de nossa soberania em outras instâncias”, disse o congressista peruano Ernesto Bustamante em 2020.

As ameaças aos defensores do território continuam, e só vamos nos arrepender quando forem assassinados

Carlos de Miguel, da Cepal, insiste que tais questões “não têm nada a ver” com o tratado. Ele acrescenta que os detratores do Escazú “devem se informar sobre o conteúdo e o escopo do acordo. A única parte com obrigações [nos termos do acordo] é o Estado: outros atores como cidadãos, empresas, sindicatos e pesquisadores são beneficiários”.

De Miguel mencionou a Convenção de Aarhus, na Europa, como comparação. Assinada em 1998, a convenção aborda o acesso à informação, à participação pública na tomada de decisões e ao acesso à justiça ambiental nos países europeus. Ele destaca que, durante mais de vinte anos em vigor, “nunca houve qualquer discussão parecida” sobre a perda de soberania. Aarhus, diz ele, estabelece uma referência para o que poderia ser alcançado na América Latina e no Caribe sob o Escazú.

Ratificação do Escazú no limbo

A Costa Rica é historicamente vista como líder ambiental na América Latina e inclusive sediou as primeiras negociações na cidade de Escazú, que emprestou o nome ao acordo. Mas, em fevereiro, arquivou um projeto de lei no Congresso sobre a ratificação do tratado. O presidente costa-riquenho, Rodrigo Chaves, é um dos principais opositores ao acordo.

“A Costa Rica não ratificou o acordo e não parece priorizá-lo”, diz Graciela Martínez, da Anistia Internacional. Ela destaca ainda a situação preocupante de Honduras, um dos países com o maior número de assassinatos de ativistas dos direitos humanos na região, que ainda nem sequer assinou o acordo.

An Indigenous protestor demonstrates outside Brazil’s Ministry of Justice
Manifestante indígena em frente ao Ministério da Justiça no Brasil, em junho de 2022, após o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira na Amazônia. Seus assassinatos chamaram a atenção mundial para os perigos enfrentados pelos ativistas ambientais. O Brasil ainda não ratificou o Acordo de Escazú (Imagem: Antonio Molina / Alamy)

Da mesma forma que a Costa Rica, o Brasil assinou o Acordo de Escazú em 2018, durante a presidência de Michel Temer (2016-2018). Entretanto, seu sucessor, Jair Bolsonaro, desmontou várias normativas e instituições de proteção ambiental estabelecidas nas últimas décadas e não demonstrou interesse em ratificar o acordo. Recentemente, mais de 140 organizações brasileiras enviaram um apelo ao Ministério das Relações Exteriores, do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para pedir a ratificação do tratado.

No caso do Peru, o Escazú sequer foi discutido no Congresso, apesar de o país tê-lo assinado em 2018. A proposta foi arquivada em 2020 pela Comissão de Relações Exteriores, que a considerou “desnecessária”. O embate em torno do tema continua.

Na Colômbia — país com a terrível marca de liderar o ranking mundial de assassinatos de ativistas ambientais —, a situação tomou um rumo diferente quando o Acordo de Escazú foi ratificado em outubro de 2022, uma das primeiras medidas impulsionadas pelo novo governo de Gustavo Petro. O tratado aguarda a confirmação final do Tribunal Constitucional do país.

Para Laura Santacoloma, coordenadora de justiça ambiental da organização Dejusticia, a chegada do acordo apresenta oportunidades, mas também desafios.

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“O Escazú vem em um momento de forte conflito na Colômbia e ajuda porque torna o problema visível”, diz Santacoloma. “É uma oportunidade de fortalecer o que existe, mas sem uma política de paz consolidada pode ser difícil”.

Santacoloma também destaca a importância do acesso à informação promovido pelo Acordo de Escazú: “Estamos em um momento em que uma melhoria no acesso à informação ambiental está começando a tomar forma. Precisamos de informações transparentes e imediatas para promover a participação das pessoas”.

Como comentaram outros especialistas consultados pelo Diálogo Chino, o Acordo de Escazú marca um passo significativo para a coordenação regional. Seu sucesso, entretanto, dependerá da ratificação, da vontade política e da capacidade dos Estados de melhorarem e implementarem políticas ambientais em seus próprios territórios.