Clima & energia

China alimenta avanço global do carvão

País corta consumo interno, mas incentiva no exterior

As empresas e os bancos da China continuam a incentivar a expansão global do carvão mineral, por meio de estatais que constroem termelétricas ao redor do mundo com financiamento do governo chinês. Isto ocorre apesar de os principais líderes do país terem se comprometido a levar energia limpa e infraestrutura de baixo carbono aos países em desenvolvimento.

O maior emissor mundial de carbono quer se reposicionar, transformando-se em uma potência verde. Em uma declaração conjunta dos Estados Unidos e da China, feita na Casa Branca em setembro de 2015, o presidente da China, Xi Jinping, concordou em controlar rigorosamente os investimentos públicos em projetos internacionais que apresentem altos índices de poluição e emissão de carbono. A China foi elogiada por suas promessas, feitas em 2015 na reunião da ONU sobre o clima, em Paris, de chegar ao pico das emissões de gases do efeito estufa até 2030 e tentar lentamente eliminar sua dependência do carvão. Hoje, grandes fabricantes chinesas fornecem peças e equipamentos para os setores de energia solar e eólica em todo o mundo.

No entanto, estes esforços vêm sendo minados pelas termelétricas a carvão financiadas pela China e atualmente em construção da Indonésia ao Paquistão, da Turquia aos Balcãs – sem contar África e América Latina. Estas usinas poderão aumentar as emissões globais, além de condenar estes países a décadas de dependência de sistemas elétricos com uso intensivo de combustível fóssil.

Novos dados levantados pelo chinadialogue e pela CEE Bankwatch Network mostram que, desde 2015, diversos novos projetos chineses para usinas a carvão têm sido anunciados e estão atualmente em desenvolvimento. “Na maioria dos casos, estes projetos estão sendo analisados para verificar seu enquadramento nas políticas de financiamento da China, e os equipamentos deverão ser fornecidos pelas maiores fabricantes do setor de geração de eletricidade do país”, diz Wawa Wang, diretor de políticas de financiamento público do CEE Bankwatch Network.

Atualmente, os bancos e as empresas chinesas estão envolvidos em pelo menos 79 projetos de geração de energia térmica a carvão, totalizando uma capacidade de mais de 52 GW, superando os 46 GW das termelétricas que devem ser desativadas nos Estados Unidos até 2020.

Pequim tem oferecido incentivos às estatais de carvão e outras indústrias com uso intensivo de energia – como as de concreto, aço e cimento – para que se internacionalizem no âmbito da iniciativa  Um Cinturão, Uma Estrada (UCUE). O objetivo é dar novas oportunidades às empresas chinesas e construir infraestrutura para ligar a China aos mercados europeus e a todo o mundo.

Novos destinos

Este esforço de internacionalização se dá ao mesmo tempo em que o setor elétrico chinês passa por um período de grande excesso de capacidade, por conta da desaceleração da economia e dos cortes em setores com uso intensivo de energia. Tudo isto levou ao menor nível de uso da capacidade geradora existente desde 1978. De acordo com estimativas do Greenpeace, mais da metade da capacidade de geração termelétrica a carvão da China está ociosa.

Ainda assim, apesar das tentativas do governo federal de reduzir a produção de energia a partir do carvão e, com isso, as emissões tóxicas produzidas pelo setor, houve um aumento forte no número de novas usinas. Os motivos para isso foram a pressão das autoridades provinciais e os incentivos perversos criados pela queda dos preços do carvão e a fixação de preços da energia elétrica pelo governo.

Além disso, a Huaneng – uma das cinco gigantes estatais chinesas do setor elétrico – pretende reforçar significativamente a sua proporção de lucros vinda de projetos internacionais até 2020, de acordo com o planejamento estratégico quinquenal da empresa. A expansão será focada em termelétricas a carvão no sul e sudeste da Ásia, na Rússia e na Europa Oriental; hidrelétricas no sul da Ásia, na África e na Europa; e energia eólica e solar na Europa e América Latina. O planejamento estratégico da empresa destaca os riscos relacionados a guerras, ataques terroristas e corrupção, mas não menciona os riscos ambientais.

Tudo isso contribui para os temores de que a China seguirá o exemplo dos países desenvolvidos e simplesmente exportará as suas emissões de carbono à medida em que o país conquista posições mais altas na cadeia de valor mundial, ameaçando os já frágeis avanços internacionais na redução de emissões.

Alguns representantes do setor argumentam que o avanço do carvão chinês trará benefícios ambientais tangíveis, pois disponibilizará tecnologias mais eficientes do que os países teriam capacidade de implantar por conta própria. No entanto, o número de novos projetos previstos neutralizará as modestas quedas de emissões trazidas por essas tecnologias “supercríticas”, especialmente porque as novas e rigorosas normas aplicadas pela China em seu próprio território não serão obrigatórias para as usinas nos outros países.

Acredita-se que o uso de carvão no mundo tenha caído 4,6% nos primeiros nove meses de 2015, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Mesmo assim, ações urgentes ainda são necessárias para que não haja uma dependência intensiva de carbono no futuro. Um terço do aumento de capacidade elétrica a ser instalado mundialmente será baseado em carvão (1161 de um total de 3165 GW), de acordo com estimativas de um estudo a ser publicado por Phillip Hannam, pesquisador do Princeton Environment Institute – e quase 90% dessa capacidade serão implantadas em países asiáticos em rápido crescimento.

A expansão chinesa acontece ao mesmo tempo em que o Banco Mundial e muitos países desenvolvidos se afastam do financiamento de energias sujas, como o carvão. Em 2013, o Banco Mundial adotou uma rígida limitação ao financiamento de projetos de carvão; no ano passado, os países da OCDE, entre eles Japão e Coreia, prometeram não oferecer mais financiamentos internacionais para termelétricas a carvão, exceto nos países mais pobres.

De acordo com um estudo anterior, realizado pela Climate Policy Initiative, sediada em São Francisco (EUA), a China investiu um montante na casa dos US$ 38 bilhões (253 bilhões de yuan) em usinas a carvão fora de seu próprio território entre 2010-2014, além de anunciar novos projetos totalizando mais US$ 72 bilhões (480 bilhões de yuan), ainda que sem compromisso firme em alguns casos.

Ásia, um “hot spot” global

A área de influência do carvão chinês é especialmente grande na Ásia. Em 2015, as usinas a carvão representavam 68% da capacidade geradora construída pela China no restante da Ásia, número que deverá aumentar ainda mais, de acordo com um estudo anterior do qual Hannam é coautor. Em contraste, nos países que ampliaram sua capacidade geradora sem apoio chinês, as termelétricas a carvão responderam por apenas 32% do aumento. A maior parte do apoio chinês ao setor elétrico no Hemisfério Sul foi investido em carvão, diz o estudo.

Desde o ano 2000, a China tem superado o Japão como principal exportadora de equipamentos para termoelétricas a carvão, oferecendo preços “promocionais” a países com deficiência energética e aumentando sua participação nas exportações mundiais de carvão, subindo de zero para 37% (85 GW). É possível que este número seja bem maior, já que a China pode ser responsável por uma grande parte do carvão exportado presente nos locais que não disponibilizam estes dados.

A China é a maior fornecedora de equipamentos para a Índia, onde a capacidade de geração a carvão deverá dobrar até 2031. As empresas chinesas fornecem 60% dos equipamentos comprados pela iniciativa privada e estão envolvidos em pelo menos 19 projetos em todo o país, sendo o maior uma imensa usina com capacidade de 4.000 MW no estado de Gujarat, construída pela Huaneng e financiada pelo Banco Industrial e Comercial da China (ICBC).

O fluxo de carvão pelas Rotas da Seda

Historicamente, os financiamentos chineses para termelétricas a carvão têm sido concedidos principalmente para Índia, Indonésia e Vietnã – mas a China vem buscando diversificar por meio de projetos multimilionários previstos no Paquistão, Bangladesh, Camboja e Cazaquistão. Mais adiante nos corredores comerciais do UCUE, estão aparecendo “hot spots” de carvão na Turquia e nos Balcãs, onde há também a atuação de agentes locais. Estes países não estão sujeitos às rigorosas regras ambientais e limitações de financiamento internacional impostas pela União Europeia.

O dinheiro e os equipamentos entram em países onde as normas e leis são fracas e a corrupção é endêmica. Somente no Paquistão, a China está construindo no mínimo 7.800 MW de capacidade adicional de geração via carvão, por meio do projeto do Corredor Econômico China-Paquistão (CECP). Isto inclui a escavação do tipo mais sujo de carvão, o lignito, no deserto de Thar – uma das maiores reservas não exploradas de carvão mineral no mundo. Os projetos desencadearam protestos nas ruas e nos tribunais. Em um caso emblemático, uma menina de sete anos processou o governo por desenvolver o setor de carvão e, com isso, violar o direito de sua geração a ter uma vida saudável. Na petição, ela argumenta que isto aumentará dramaticamente as emissões de carbono do Paquistão, deixando de lado, enquanto isso, o potencial das energias eólica e solar.

As objeções do tribunal superior do estado de Punjab à termelétrica de Sahiwal, com base em argumentos ambientais, foram descartadas em 2015, já que o projeto será acelerado no âmbito do CECP. O Paquistão passa por uma deficiência energética desesperadora, mas, mesmo assim, os argumentos econômicos para a usina são duvidosos. Sahiwal precisará de investimentos de bilhões de dólares em infraestrutura ferroviária para transportar o carvão importado, percorrendo um trajeto de 1.000 km a partir da cidade portuária de Karachi. De acordo com os requerentes de um processo judicial, a poluição no entorno do local já ultrapassou os limites nacionais para qualidade atmosférica.

Sem transparência

Em comparação com seus pares, os bancos chineses são especialmente opacos: “As instituições financeiras que aplicam as políticas públicas na China ainda não adotaram práticas de transparência de informações e prestação de contas para proteger os direitos das comunidades afetadas. A situação é agravada ainda mais pelo fato de não existir fiscalização institucional do financiamento chinês de projetos internacionais de infraestrutura elétrica, nem dos problemas econômicos, sociais e ambientais causados por ele”, diz Wang.

As informações utilizadas no mapeamento foram levantadas pelo chinadialogue e pela Bankwatch a partir de relatórios anuais de empresas e bancos, além de dados comerciais de domínio público. Em muitos casos, os dados financeiros não estavam disponíveis.

Um caminho para o avanço

A China não tem um plano de retirada gradual dos investimentos em carvão em outros países. “A declaração conjunta da China e dos Estados Unidos é vaga e não pode ser implantada”, diz Yang Fuqiang, assessor sênior para clima, energia e meio ambiente no Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC), uma ONG sediada em Pequim.

Yang faz parte de uma equipe que está trabalhando no desenvolvimento de diretrizes verdes – “uma política factível que possa ser adotada pelas instituições financeiras chinesas”. No momento, eles estão preparando suas recomendações para o governo.

“Agora, estamos tentando investigar as experiências dos últimos dois anos para ver o que podemos aprender e aprimorar, já que o UCUE é uma grande estratégia global e, sem isso, os investidores enfrentarão muitos riscos, inclusive riscos relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas”, diz Yang. “Se não encontrarmos soluções, haverá forte resistência das populações locais.”

As empresas chinesas que atuam em outros países já estão enfrentando problemas ambientais ao tentarem reduzir emissões de dióxido de carbono e criar empregos para as populações locais, ele acrescenta. No ano passado em Bangladesh, a polícia atirou contra manifestantes em um vilarejo, que protestavam contra a desapropriação ilegal de terras para a construção de uma usina elétrica por empresas chinesas no litoral do país.

O trabalho de Yang no NRDC reforça um movimento crescente dentro da China que busca cobrar responsabilidade dos bancos chineses no que diz respeito às práticas de financiamento verde. Além disso, há o interesse cada vez maior demonstrado pelas próprias instituições neste tipo de crédito. A China é a maior emissora mundial de “bônus verdes” (green bonds), mas, se não houver avanços em um futuro próximo, o dinheiro e os equipamentos chineses aumentarão a dependência de combustíveis fósseis sujos nos países em desenvolvimento, manchando a ambição do país de se tornar uma superpotência verde.

Emily Franklin, Zhou Jie e Robyn Maby também contribuíram para o mapeamento de dados

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