Clima

Presidência de Trump pode significar desastre para o clima

EUA podem cessar esforços rumo a uma economia verde

A eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos poderá ser um desastre para o clima, especialmente para as negociações sobre a mudança climática, se ele persistir nas ameaças feitas em sua campanha eleitoral. Ao mesmo tempo, pode proporcionar aos países em desenvolvimento, especialmente à China, uma oportunidade de assumir a liderança na luta contra a mudança climática.

Já no seu primeiro dia de governo, Trump iria rescindir o Plano de Energia Limpa de Barack Obama, retirar os EUA do Acordo de Paris e “acabar com a guerra contra o carvão”, como prometeu na campanha.

Quando a notícia da vitória de Trump chegou a Marrakech, cidade do Marrocos que hospeda a Conferência do Clima da ONU (COP 22) de 7 a 18 de novembro, os delegados do governo norte-americano fizeram uma reunião à parte. Negociadores e observadores de outros países mantinham a esperança de que Obama consiga realizar pelo menos algumas das promessas feitas pelo seu governo nos últimos oito anos, antes de deixar o cargo em janeiro.

Derrubar o Plano de Energia Limpa pode não ser fácil, pois qualquer ação do tipo provavelmente será contestada judicialmente e o processo pode se arrastar por mais de um ano, segundo especialistas de Washington. Para o resto do mundo, o Plano de Energia Limpa dos EUA é a parte que menos preocupa, já que é basicamente um plano de alcance apenas nacional.

Angústia da retirada

O maior retrocesso para a guerra global contra a mudança climática ocorrerá se Trump realmente retirar os EUA do Acordo de Paris. Legalmente, ele pode achar mais fácil fazer isso, já que até agora a promessa dos EUA de participar do Acordo se baseia numa ordem executiva de Obama. Como próximo presidente, Trump pode anular essa ordem. Ou pode solicitar a ratificação do Senado, sabendo que a moção para participar do Acordo será derrotada pelos senadores republicanos.

A decisão dos Estados Unidos, no governo de George W. Bush, de não ratificar o Protocolo de Kyoto prejudicou, durante muitos anos, os esforços de todos os países para controlar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Em outros países desenvolvidos, as indústrias disseram aos governos que qualquer iniciativa para controlar as emissões tornaria o país não competitivo em relação às concorrentes americanas. Nos países em desenvolvimento, as indústrias disseram aos governos que não deveriam fazer nada, já que os EUA – historicamente o maior poluidor mundial com GEE e o segundo ainda hoje, depois da China – não estavam fazendo nada.

Hoje poderia haver uma repetição dessas reações, mas seria pior por três razões. Em primeiro lugar, porque a ciência já deixou claro que as emissões globais de GEE devem atingir o pico em 2020 para que a elevação da temperatura média global fique limitada a 1,5C; assim, não existe um prazo de adaptação disponível enquanto o mundo passa novamente pelo debate da negação do aquecimento global.

Em segundo lugar, o Acordo de Paris não vai funcionar se os países ricos não cumprirem seu compromisso de subsidiar os países pobres com US$ 100 bilhões por ano até 2020, para ajudá-los na transição para uma economia mais verde e na defesa contra os impactos das mudanças climáticas. Foi essa a quantia que Hillary Clinton apresentou durante a Conferência do Clima de Copenhague de 2009, quando era Secretária de Estado de Obama. Se a animosidade de Trump contra a candidata derrotada por ele abranger também a quebra desse compromisso, o Acordo de Paris terá sérios problemas.

No mercado interno, alguns analistas norte-americanos preveem uma época repleta de processos judiciais, com grupos ambientalistas processando o governo Trump por não cumprir as promessas do seu antecessor. Para evitar tal avalanche de processos, outros analistas preveem que Trump será aconselhado a matar qualquer ação em prol de uma economia mais verde por meio da inação e não da ação, demorando para decretar ordens executivas ou deixando de decretá-las.

Alguns ambientalistas creem que as iniciativas para tornar a economia americana mais favorável ao meio ambiente não podem, na verdade, ser anuladas pelo governo Trump, já que a maioria foi tomada pelos governos estaduais. Isso de pouco adianta para o resto do mundo, que tem que lidar com o governo federal norte-americano.

Mudança no equilíbrio de forças

Nos últimos anos, os países em desenvolvimento têm feito esforços relativamente maiores que os industrializados para controlar as emissões de GEE. A China já detém a maior participação no mercado global de produtos ecológicos essenciais, como células solares fotovoltaicas e equipamentos para parques eólicos.

Ao saber da notícia da vitória de Trump, um renomado climatologista chinês disse que já é hora de seu país assumir a liderança global do clima com a iniciativa “Um Cinturão, Uma Estrada” (OBOR, na sigla em inglês). Esse sentimento teria melhor acolhida em grandes partes do Sul e Sudeste da Ásia, assim como Ásia Central, se houvesse mais confiança nas intenções chinesas que há por trás da iniciativa OBOR.

Seja como for, se os Estados Unidos agora não oferecerem financiamentos ou transferências de tecnologia em termos atraentes para os países em desenvolvimento, para que estes possam avançar rumo a uma economia mais verde, muitos não terão outra opção além da China.

A contínua cooperação bilateral com o Brasil, que no ano passado assinou declarações conjuntas sobre a mudança climática com os EUA e a China, é incerta. Mas, segundo José Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente, o governo Trump provavelmente não renegará o Acordo de Paris: “Tenho confiança na sociedade americana para cumprir os compromissos que assumiram”, disse na semana passada. No entanto, Sarney também mostrou a mesma confiança no “discernimento” dos cidadãos norte-americanos para não elegerem Trump.

Carlos Rittl, diretor da ONG Observatório do Clima, disse que Trump provavelmente mudaria os rumos dos EUA sobre o clima, mas isso não impediria a ação global. “A agenda climática deixou de depender de apenas um país, como no passado. O Acordo de Paris já tem 102 ratificações, além da americana, e esses países não vão esperar pelos EUA para agir, porque isso é interesse deles. Uma economia inteira baseada em energias renováveis está em movimento no mundo, e representa uma fatia crescente do PIB e da geração de empregos nos próprios EUA. As convicções pessoais de Trump terão, em alguma medida, de se enquadrar a essa realidade”, afirmou.

A Índia tem um grande programa bilateral de energia solar com os EUA. Autoridades indianas disseram que não esperam mudanças no programa, mas vão aguardar e observar as mudanças de pessoal nos departamentos relevantes do governo norte-americano antes de fazer mais declarações.

Reações dos ambientalistas norte-americanos

A maioria dos ambientalistas norte-americanos ficou, sem dúvida, consternada com o resultado das eleições. Kelly Stone, analista de políticas da ActionAid, disse: “A mudança climática já está exercendo impactos profundos na vida de milhões de pessoas nos Estados Unidos e em todo o mundo. As secas, inundações e outros eventos climáticos extremos estão ficando mais fortes e mais frequentes, e os EUA não estão imunes. É uma crise global que o presidente eleito Trump terá que enfrentar. Os EUA aderiram ao Acordo de Paris e têm que continuar a cumprir suas obrigações climáticas. Abandonar esse importante acordo internacional prejudicaria nossa credibilidade junto a importantes parceiros estrangeiros e seria um grande revés na luta contra as mudanças climáticas”.

Tina Johnson, diretora de Política da Rede de Ação Climática dos EUA, afirmou: “O presidente eleito Trump tem a oportunidade de catalisar mais ações sobre o clima, enviando um sinal claro aos investidores para manter no rumo certo a transição para uma economia com energia renovável. A China, a Índia e outros rivais econômicos estão competindo pelo posto de superpotência global da energia limpa, e os EUA não vão querer ficar para trás”.

Carroll Muffett, presidente do Centro de Direito Ambiental Internacional, disse: “O Acordo de Paris foi assinado e ratificado não por um presidente, mas pelos próprios Estados Unidos. Como questão de direito internacional, e como questão de sobrevivência humana, as nações do mundo podem, devem e irão pressionar os Estados Unidos para que cumpram seus compromissos climáticos”.

Michael Brune, Diretor Executivo do Sierra Club, disse: “Trump deve escolher se será um presidente lembrado por colocar a América e o mundo no caminho para o desastre climático, ou por ouvir o público norte-americano e nos manter no caminho para o progresso climático”.