Florestas

Indígenas vão à COP22 dizer que são principais aliados do clima

Uma das grandes preocupações é com investimentos chineses

Uma delegação de líderes indígenas da Amazônia cruzou o Atlântico para fazer ouvir uma de suas principais demandas na Cúpula do Clima (COP22), no Marrocos: assegurar o reconhecimento de seus territórios e provar que os povos originários podem ser os principais aliados para a conservação da maior floresta tropical do planeta. Os povos indígenas têm uma preocupação em especial: o fato de o governo e os bancos chineses atuarem na região sem salvaguardas para a população indígena. “Viemos à COP22 justamente para insistir em um diálogo com os chineses. O único que queremos é que respeitem nossos direitos. Os investimentos chineses podem ser aliados dos indígenas ao invés de inimigos”, disse ao Diálogo Chino Edwin Vásquez, da Coordenação Indígena da Bacia Amazônica (COICA). “Estou muito preocupado e assustado. Isso é o que mais me assusta. Temos que negociar de igual para igual e compreender quais são nossos direitos. O Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial pelo menos têm políticas e salvaguardas para os povos indígenas, o que nos serve para poder reclamar nossos direitos”, lembrou. A COICA está preocupada com as facilidades concedidas às empresas estrangeiras, especialmente as chinesas, pelos governos latino-americanos. “A China estabeleceu um fundo de cooperação Sul-Sul. Nos últimos três anos, alocamos US$ 100 milhões para ajudar os países em desenvolvimento a melhorar os seus quadros técnicos. Vamos ajudar a financiar 10 projetos de baixo carbono e outros 100 de adaptação e mitigação. Nos próximos três anos, mil pessoas de países em desenvolvimento receberão treinamento (envolvendo temas de mudanças climáticas). Tudo isso inclui também os países latino-americanos. A China quer continuar esta cooperação”, afirmou ao Diálogo Chino o representante especial do governo chinês para as mudanças climáticas, Xie Zhenhua. China igual aos demais Um estudo publicado pela vice-presidente da área de pesquisa da Universidade do Pacífico em Lima, Cynthia Sanborn, mostrou que as mineradoras chinesas não parecem ser nem melhores nem piores que as demais a atuarem no Peru. Mas indicou que suas experiências têm sido emblemáticas em relação aos desafios que os investidores estrangeiros enfrentam. “Onde as empresas chinesas falharam ao não pôr em prática os padrões de responsabilidade sócio ambientais, as responsabilidades deveriam ser compartilhadas entre as empresas, bem como a relutância ou inabilidade por parte do governo de aplicar estes padrões”, informou o estudo. Sanborn ponderou ainda que já há sinais positivos de investidores chineses e reguladores peruanos para melhorar sua atuação. O Peru é o país latino-americano que mais recebe investimentos chineses no setor de mineração. As empresas chinesas concentram um terço da extração de minério que existe no país. Os chineses também estão presentes em investimentos de petróleo e pesca comercial. Um quarto da Amazônia está ocupado por territórios indígenas, são quase três milhões de habitantes que vivem na floresta e apenas 2% destas terras estão desmatadas, uma proporção muito baixa em relação às taxas que não são guardadas pelos indígenas. A grande preocupação da população indígena amazônica continua sendo com os grandes projetos de rodovias, monoculturas, hidrelétricas e exploração de petróleo que ameaçam invadir as áreas indígenas, muitas delas ainda sem titularidade outorgada aos povos. “Os grandes projetos na América Latina continuam sendo uma ameaça aos povos indígenas na Bacia Amazônica. Nós rechaçamos profundamente os projetos sempre quando os governos não consultam os povos indígenas e acabam violando nossos direitos fundamentais”, disse Vásquez. Segundo Xie, cada vez mais, a China tem a intenção de cooperar com os países da América Latina em projetos que sejam limpos. Mas, ao ser perguntado sobre os mega projetos de capital chinês na região que, muitas vezes, não resultam verdes e sustentáveis, Xie limitou-se a dizer que o “governo chinês pede que as empresas sigam o caminho de baixo carbono e da economia verde”. Durante praticamente todos os dias, o representante da COICA esteve ativo em diversos painéis que tratavam de economias indígenas resilientes e rumos para uma América Latina de menos emissão de carbono. “Esses projetos vão favorecer e beneficiar os povos indígenas?”, questiona Edwin. “Não, apenas beneficiarão às grandes empresas estrangeiras, petrolíferas e mineradoras”. A situação piorou desde a COP20, realizada em Lima, em 2014. Embora não tenha dados, ele afirma que os povos indígenas vivenciam hoje “uma verdadeira invasão e destruição de nossas terras, com prostituição e o agravamento dos conflitos sociais”, reclama. Um recente estudo da Iniciativa Rights and Resources Initiative (RRI), em parceria com o Woods Hole Research Center e o World Resources Institute (WRI), indicou que os povos indígenas que vivem em florestas tropicais no mundo são responsáveis por administrar e preservar 54,546 milhões de toneladas métricas de carbono. O que representa um quarto do total de carbono em estoque nos trópicos. O problema, segundo os autores da pesquisa, é que muitos governos fracassam ao não reconhecer o direito à terra aos povos e comunidades indígenas. E quando tais direitos não são reconhecidos, as terras se tornam alvos de investimentos agressivos. Um décimo do total de estoque de carbono nas florestas tropicais está localizado em áreas sem titulação em que os indígenas não tiveram reconhecimento formal. Embora pareça pequena, essa proporção de carbono equivale nada menos do que emitem 17 bilhões carros de passeio por ano em todo o mundo. REDD+ Indígena Uma iniciativa inovadora teve início com os povos indígenas no Peru que criou um mecanismo de compensação financeira pela preservação de suas terras o que ficou conhecido pela sigla REDD+ Indígena Amazônico. A Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, em inglês, tenta estimular a elaboração de políticas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa originadas a partir do desmatamento e fazer com que a floresta permaneça em pé. “Adaptamos o conceito de REDD+ para a nossa própria linguagem. A mensagem da nova administração do governo peruano enfoca em infraestrutura sem levar em conta o que foi afetado nos territórios indígenas. O princípio da consulta livre prévia e informada não está sendo adequadamente implementado no Peru”, disse ao Diálogo Chino Henderson Rengifo, do povo Achuar e presidente da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep). Em 2011, os indígenas peruanos realizaram um projeto piloto na região de Madre de Dios, na reserva comunal Amarakaeri, elaborando um plano de vida para as comunidades locais, freando os vetores de devastação e promovendo uma gestão sustentável dos recursos naturais. Henderson está na COP22 para anunciar a ampliação do piloto de REDD+ Indígena Amazônico. “Agora vamos expandir para outros 12 territórios indígenas que somam mais de dois milhões de hectares”, disse. Para cumprir a sua meta de reduzir em 30% as emissões de gases de efeito estufa oriundo do desmatamento até 2030, o governo peruano terá que aliar-se aos povos indígenas, defende. “No Peru, há 15 milhões de hectares que estão sob nossa administração, somos nós que cuidamos da floresta. Acreditamos que devemos ser levados em conta. Se não, não conseguirão atingir a meta”, argumentou Rengifo. A meta é incluir o REDD+ Indígena Amazônico na estratégia nacional peruana. O país abriga a segunda maior extensão de florestas da América Latina, que cobre aproximadamente 60% do território nacional onde vivem mais de mil comunidades nativas e cinco mil camponeses. Rengifo explica que este projeto é uma proposta climática indígena inovadora de gestão holística dos territórios indígenas para uma conservação produtiva. Em 2011, o plano nacional de preparação do REDD fez referência ao próprio REDD+ Indígena Amazônico. E, em 2013, a AIDESEP conseguiu mobilizar cerca de US$ 14 milhões para atender o enfoque do seu programa como titulação territorial, manejo florestal e governança comunitária.