Energia

Há terra e água suficientes para fornecer energia renovável?

Energia eólica, solar ou geotérmica exige muito menos água do que hidrelétrica e biocombustível
<div class="post_image">Usina geotérmica de Nesjavellir na Islândia (imagem: <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File%3ANesjavellirPowerPlant_edit2.jpg" target="_blank" rel="noopener">Gretar Ívarsson</a>)</div>
Usina geotérmica de Nesjavellir na Islândia (imagem: Gretar Ívarsson)

A mudança para energias renováveis é frequentemente descrita como um desafio político e econômico; uma luta para mobilizar investimentos substanciais e superar interesses dos que lucram com a economia do combustível fóssil. Mas há outro desafio que recebe muito menos atenção: existem terra e água suficientes para suprir a produção de energia renovável?

A bioenergia, a energia hidrelétrica, eólica, solar e geotérmica, todas elas exigem recursos consideráveis de terra e água, mas eles são limitados. Um olhar mais atento para os diferentes modos de produção de energia renovável, e para a quantidade de água e terra que cada um deles exige, revela quais cenários energéticos são mais viáveis em longo prazo.

Biocombustíveis

A dependência dos combustíveis fósseis como principal insumo energético causa evidente preocupação com a “escassez de energia”, considerada uma das maiores ameaças ao desenvolvimento econômico e à segurança nacional. À primeira vista, a energia renovável parece ser a solução, uma vez que a quantidade de radiação solar que chega ao planeta excede o necessário para suprir as necessidades energéticas.

A radiação solar, somada à energia captada do vento, dos cursos d’água, da biomassa e do calor da Terra, parece oferecer recursos energéticos inesgotáveis. Infelizmente, as coisas não são bem assim. O caso da bioenergia pode ser utilizado para ilustrar essa afirmação.

A produção de biomassa para posterior transformação em biocombustível requer o uso de recursos naturais, incluindo terras férteis, água e energia. No entanto, devido ao consumo energético intensivo das práticas agrícolas atuais, muitas vezes é preciso utilizar a mesma quantidade de energia para produzir o biocombustível que a energia que seria gerada por ele. Mesmo que o ganho líquido em energia fosse substancial, seria preciso usar grandes quantidades de terra e de recursos hídricos. Estima-se que, se 10% do combustível fóssil utilizado no transporte global fosse substituído por bioetanol de primeira geração, a demanda de água do mundo aumentaria em cerca de 6-7%.

Por enquanto, a maior parte do consumo de água abastece a produção de alimentos, mas os produtores de energia podem se tornar um consumidor de água ainda maior no futuro se os combustíveis fósseis forem substituídos por biocombustíveis em maior escala. A próxima geração de biocombustíveis, baseada em culturas não alimentares, resíduos ou algas, pode melhorar esses resultados, mas a conclusão é similar: produzir biocombustíveis na mesma medida que se consome combustíveis fósseis vai exigir mais terra e água do que o uso sustentável desses recursos permite. Ainda hoje, as pegadas ecológica e hídrica estão além dos níveis máximos sustentáveis.

A escassez de energia, portanto, será substituída pela escassez de terra e água.

Energia hidrelétrica

A energia hidrelétrica é responsável por cerca de 16% do fornecimento de eletricidade no mundo e é geralmente vista como uma forma limpa de energia. Isso não significa que se pode simplesmente aumentar a capacidade hidrelétrica, porque as barragens podem afetar de forma muito negativa as comunidades e os ecossistemas ribeirinhos.

A construção de novas barragens muitas vezes é difícil, porque a criação de reservatórios inunda extensões de terra que são geralmente utilizados para outros fins. Quando a China construiu a Barragem de Três Gargantas, deslocou mais de um milhão de pessoas. A energia hidrelétrica é também uma grande consumidora de água, porque a criação de reservatórios resulta em evaporação adicional, afetando a disponibilidade de água para outros fins.

Existem outras formas de geração de energia hidrelétrica que não exigem a construção de enormes barragens. Elas usam o fluxo dos rios, as correntes oceânicas e a mudança no gradiente de salinidade da água nos deltas. Mas estes métodos são utilizados apenas em pequena escala na esfera global. Como este tipo de energia tem baixa concentração, os custos são altos para concentrá-la.

Energia solar, eólica e geotérmica

A pegada hídrica da energia fotovoltaica (PV) e da energia eólica, por unidade de energia, é entre 10 e 100 vezes menor do que a pegada dos combustíveis fósseis e nuclear. Já a pegada hídrica da hidroeletricidade é entre 100 e 1.000 vezes menor do que a pegada da bioenergia. A eletricidade gerada a partir da concentração de energia solar tem uma pegada hídrica semelhante à dos combustíveis fósseis, enquanto a geotérmica pode ter uma pegada semelhante ou até 10 vezes menor.

Então, do ponto de vista da escassez de água, importa muito se vamos substituir a energia fóssil pelos biocombustíveis ou energia hidrelétrica, ou pela energia solar, eólica ou geotérmica. Os chamados cenários energéticos “verdes” são baseados em um crescimento substancial dos biocombustíveis e das fontes hídricas para a geração de energia, o que significa que a pegada hídrica do setor vai crescer muito se se seguir na direção de tais cenários.

Para serem realmente verdes, os cenários energéticos devem conduzir a um declínio da pegada hídrica, baseando se, principalmente, na energia solar e eólica e na energia geotérmica.

Transição para eletricidade

A quantidade de terra utilizada para gerar energia também é importante. A energia solar é mais eficiente do que a energia proveniente da biomassa porque os painéis fotovoltaicos e os sistemas para a concentração de energia solar são mais eficientes na captura de radiação solar do que a fotossíntese, e assim geram mais energia por metro quadrado. Porém, o principal argumento a favor da fotossíntese é que ela resulta em bioenergia armazenável que pode ser transformada em biocombustíveis com alta densidade energética, enquanto a energia fotovoltaica resulta em eletricidade não armazenável. Sistemas de energia solar concentrada podem armazenar energia por meio do armazenamento de energia térmica, mas o produto final é eletricidade, não combustível.

Considerando que o crescimento substancial da bioenergia – para além do aproveitamento dos resíduos de material orgânico – não é uma resposta sustentável como alternativa ao uso de combustíveis fósseis, é preciso aceitar que a economia de energia do futuro vai se basear cada vez mais na eletricidade. Isto significa utilizar meios de transporte elétricos. Significa, também, utilizar aquecimento elétrico, pelo menos nos locais onde o calor excedente dos processos industriais ou da energia geotérmica não ofereça outra solução.

Essa mudança cria novos desafios: como armazenar a energia e como criar redes elétricas que podem lidar com a enorme variabilidade de demanda e de fornecimento de eletricidade?

A energia solar e a eólica, e o calor da Terra, oferecem a possibilidade de alcançar a autossuficiência energética em uma escala muito menor do que a que se está acostumado, pois a matriz energética global é dominada pelos combustíveis fósseis. À medida que acontece a transição dos combustíveis fósseis para outras fontes de energia, espera-se que se seja inteligente o suficiente para investir em soluções verdadeiramente sustentáveis, ao contrário do que acontece com os biocombustíveis, que, ainda assim, têm ocupado uma posição central nas políticas governamentais. A descarbonização da economia pode acompanhar a redução da pegada hídrica.

Esta matéria foi originalmente publicada pelo chinadialogue.net