Energia

China reduz consumo de carvão, mas constrói térmicas no Brasil

Investimento chinês em carvão no exterior cresce 40% desde 2013
<p>Planta de carvão de Candiota, em Santa Catarina, sul do Brasil (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/pacgov/6005870528" target="_blank" rel="noopener">EduardoTavares </a>)</p>

Planta de carvão de Candiota, em Santa Catarina, sul do Brasil (imagem: EduardoTavares )

Enquanto a China avança em sua política nacional de redução do consumo de carvão e aumento da produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis, bancos chineses, assim como as empreiteiras especializadas na construção de usinas a carvão, lançam-se ao exterior para desenvolver projetos altamente poluidores, inclusive no Brasil.

“Desde 2013, nós vimos os financiamentos externos para carvão provenientes do Banco de Desenvolvimento da China (CDB, na sigla em inglês) crescerem 40%. Se olharmos o investimento histórico chinês no setor de carvão no exterior, 75% deste total aconteceu nos últimos quatro anos. A China representa 8% do financiamento externo global do setor de carvão”, explica o professor de políticas globais de desenvolvimento da Universidade de Boston, dos Estados Unidos, Kevin Gallagher.

No Brasil, o parque gerador termelétrico a carvão contabiliza 22 usinas, que somam 3,7 gigawatts (GW) de capacidade instalada. Juntas, elas representam 2,32% da matriz elétrica nacional. As usinas a carvão localizadas no sul do país, nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, utilizam carvão mineral nacional produzido na região, que possui a maior reserva conhecida de carvão na América Latina, com cerca de 3 bilhões de toneladas do minério. Os tipos de carvão mais comuns no estado são os sub-betuminosos e de alto teor de cinzas, que possuem elevado valor calorífico, apropriados para a geração termelétrica.

As usinas termelétricas localizadas no Norte e Nordeste do país, no Maranhão, Pará e Pernambuco, utilizam carvão mineral importado, principalmente, da Colômbia, cujo custo é bastante superior quando comparado ao carvão produzido nacionalmente. “Em Candiota, produzimos a US$ 20 por tonelada. No Maranhão, eles pagam US$ 280 por tonelada de carvão da Colômbia. O carvão de Candiota é o mais barato do mundo”, afirma o presidente do sindicato dos mineiros da região, Wagner Lopes Pinto.

Especialistas acreditam que o consumo de carvão atingiu o pico histórico na China em 2013 ou 2014. Naquela época, o primeiro ministro chinês, Li Keqiang, declarou “guerra à poluição” e o governo tomou medidas para que esta tendência fosse revertida com o objetivo de reduzir as emissões de CO2. Esta foi a resposta do governo às preocupações públicas em relação à poluição tóxica do ar na China e seu alto custo econômico e para a saúde, além de também querer atender aos compromissos internacionais de mudanças climáticas. Em pelo menos 12 províncias chinesas, a construção de centrais termelétricas movidas a carvão foi banida para ajudar o país a cumprir a meta de diminuir a participação do energético em sua matriz de 64%, em 2015, para 58% ou menos, em 2020.

Um dos motivos por trás do aumento da presença chinesa no financiamento externo para o carvão, de acordo com Gallagher, deve-se ao fato de que vários bancos internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), decidiram parar de financiar a fonte, devido ao seu elevado impacto ambiental.

Dados compilados pelo chinadialogue e a CEE Bankwatch Network mostram que, desde 2015, uma série de projetos térmicos a carvão chineses foi anunciada e está em desenvolvimento. De acordo com o mapa elaborado, os bancos e companhias chinesas estão atualmente envolvidos em ao menos 79 projetos de geração a carvão no exterior, com uma capacidade total de mais de 52GW, mais que os 46GW de usinas planejadas para serem desligadas nos Estados Unidos até 2020.

Um outro estudo da entidade norte-americana Climate Policy Initiative descobriu que a China investiu ao menos US$ 38 bilhões em plantas a carvão no exterior entre 2010 e 2014, além de ter anunciado planos para mais US$ 72 bilhões de investimentos, contudo nem todos com compromissos firmes de serem levados a cabo.

Para o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), Luiz Fernando Zancan, a oportunidade de negócio para os chineses no setor carbonífero brasileiro está principalmente ligado às termelétricas que foram colocadas à venda pelo grupo Engie, ex-GDF Suez (Tractebel, no Brasil), localizadas em Santa Catarina, na região sul do Brasil. Ao todo, está à venda 1,2GW de unidades a carvão. O processo de venda dos ativos está sendo conduzido pelo banco Morgan Stanley e, segundo a agência Reuters, há mais de 10 players interessados nos ativos.

Uma destas plantas, a usina térmica Pampa Sul, que tem 340 megawatts (MW) de capacidade, está sendo construída pela empresa chinesa SDEPCI. Além desta, os chineses também participaram recentemente da construção de outra termelétrica no Brasil, a Fase C do Complexo Candiota, localizada no Rio Grande do Sul, que foi erguida pela empreiteira SEPCO1, que toca no país uma série de empreendimentos de energia, como a linha de transmissão da usina de Belo Monte.

As unidades A e B da usina de Candiota, que estavam em operação antes da SEPCO1 começar a construção da terceira fase do projeto, estão relacionadas a problemas ambientais. Em 2016, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) fechou essas unidades porque elas não estavam de acordo com os parâmetros de controle de emissão de poluentes. O IBAMA interrompeu as operações e aplicou quatro multas que totalizam US$ 23 milhões, depois de identificar violações no fluxo máximo de efluentes e nas taxas de óleo e graxa, dentre outras irregularidades.

De acordo com o presidente do sindicato dos mineiros de Candiota, Wagner Lopes Pinto, a atuação da SEPCO1 na cidade gaúcha, durante a construção da usina, foi bastante controversa. “Tinham mais de 300 chineses trabalhando ilegalmente na obra. Eles começavam o expediente às 18 horas de sexta-feira e saíam da obra às 7 horas da segunda-feira. E saíam da obra escondidos. Havia um depósito de chineses na cidade, galpões onde eles passavam a semana inteira”, garante o sindicalista.

Outra questão controversa sobre a usina de Candiota, e que envolve a chinesa SEPCO1, é a acusação de que ela teria utilizado equipamentos e máquinas que já haviam sido usadas na China. Como consequência, a usina vem apresentando uma baixa performance operacional, com taxa de produtividade da ordem de 60%. Está prevista para setembro uma parada total das atividades da usina com o objetivo de realizar a manutenção e troca de algumas máquinas e componentes da Candiota Fase C.

A empresa CGTEE, controladora da usina e contratante da SEPCO1, processa na justiça a empresa chinesa SEPCO1 pelos prejuízos ocasionados pela baixa performance operacional da termelétrica. “Não tem como afirmar o que foi que aconteceu com a Fase C, se foi erro de projeto, se foi utilização de equipamento de segunda mão. Mas é fato que tem um problema de disponibilidade da usina e espera-se que isso seja resolvido”, avalia Zancan. O Diálogo Chino contatou a CGTEE, mas a companhia preferiu não comentar o caso.

A participação dos chineses no setor carbonífero do Rio Grande do Sul, no sul do país, existe pelo menos desde 2005, quando se discutia a construção da Fase C de Candiota. “Atualmente, a presença dos chineses está na construção de térmicas a carvão. As últimas usinas foram eles que fizeram. Mas há muito comentário de que eles também têm interesse em entrar em nossas jazidas, explorar e produzir carvão aqui no Rio Grande do Sul”, conta o presidente do sindicato dos mineiros de Candiota.

De acordo com o site local Sul21proprietários de terra na região de Candiota vêm recebendo ofertas tentadoras para vender aos chineses suas terras, com jazidas de carvão. Contudo, para explorar o carvão na região é necessário obter a permissão de lavra, que hoje é detida exclusivamente pela Companhia Riograndense de Mineração (CRM), uma empresa controlada pelo governo estadual que pretende realizar, até o final deste ano, um plebiscito para que a população decida sobre a privatização da empresa, que abriria caminho para a chegada de investidores estrangeiros na região.

Enquanto isso, a ABCM, liderada por Zancan, faz lobby junto ao governo para que seja criado um plano de modernização das usinas térmicas a carvão do Brasil. Segundo ele, devido à sobra de energia existente hoje no mercado brasileiro, não há espaço para construção de novos projetos termelétricos. Para ele, entretanto, existe a necessidade de substituição dos equipamentos existentes nas obsoletas usinas brasileiras, que vêm sendo fechadas por não atenderem aos parâmetros de controle de emissões de poluentes determinado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em setembro de 2016, o órgão federal embargou as unidades A e B da usina de Candiota e aplicou quatro multas, que totalizam US$ 23 milhões, após identificar violações dos limites máximos de vazão de efluentes e das taxas de óleos e graxas, entre outras irregularidades.

Consumo de carvão é crescente no Brasil

O consumo brasileiro de carvão mineral, usado para abastecer as usinas termelétricas, e carvão de coque, usado na indústria siderúrgica, aumentou 22% de 2010 a 2015, segundo dados do Balanço Energético Nacional da Empresa de Pesquisa Energética, órgão ligado ao governo federal.

A participação do energético na matriz brasileira saiu de 5,2%, em 2010, para 5,9% em 2015, crescimento puxado principalmente pelo carvão de coque, usado pelas siderúrgicas para produção de aço e chapas metálicas.

Devido à baixa qualidade do carvão nacional, o Brasil precisa importar cerca de 50% de sua necessidade de carvão mineral e de coque. Do total importado, por volta de 90% é carvão do tipo coque e somente 10% corresponde ao carvão mineral, usado pelas termelétricas, segundo Luís Paulo de Oliveira Araújo, técnico do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão federal.

O país importa carvão para uso siderúrgico principalmente da Austrália, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Colômbia, Venezuela, Indonésia e África do Sul, pois o carvão nacional produzido não possui as propriedades adequadas para este uso com as tecnologias atualmente em operação.

Do total das importações brasileiras de carvão, a China responde por menos de 2%, sendo a totalidade de carvão de coque. De 2010 a 2016, o Brasil importou 4,3 milhões de toneladas de carvão de coque da China e pagou um total de US$ 1,28 bilhão.

Em 2015, ocorreu o pico de importação de carvão de coque da China, saindo de 681 mil toneladas, em 2014, para 1,43 milhão de toneladas, no ano seguinte. “Em 2015, a demanda doméstica por carvão de coque na China despencou com a desaceleração dos setores da construção civil e da indústria pesada”, explica o especialista em carvão do Greenpeace, Lauri Myllyvirta, que fica baseado em Pequim. Em 2016, a importação brasileira do carvão chinês recuou para 480 mil toneladas.

Também em 2016, 97% da importação de coque da China teve como destino o Terminal de Cargas da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), localizado em Itaguaí, no Rio de Janeiro. Nos últimos cinco anos, a CSN comprou US$ 610 milhões de carvão chinês, de acordo com informações obtidas no portal AliceWeb, do governo brasileiro.

De acordo com a Reuters, a CSN considera vender parte de sua participação na Congonhas Minérios, subsidiária que controla o Terminal de Cargas de Itaguaí, para a China Brazil Xinnenghuan International Investment (CBSteel), que estaria interessada em comprar cerca de 25% da subsidiária da CSN.

Myllyvirta disse ao Diálogo Chino que “existe impacto ambiental decorrente do transporte do energética, mas ele é muito menor quando comparado à queima do carvão em si para produção de aço”.

O carvão de coque é comparativamente leve e, quando é quebrado ou triturado, pode liberar partículas poluidoras, como o enxofre, se não transportado adequadamente.

No site da CSN não existe menção sobre a política ambiental da empresa para o carvão que chega em seu porto. Por e-mail, a companhia afirmou que “não há impacto ambiental decorrente do transporte do carvão”.

O professor do departamento de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Claudinei de Souza Guimarães, afirma que a ocorrência de impacto ambiental depende da forma como o coque é transportado. “Mesmo sendo de trem ou caminhão irá impactar e muito na atmosfera se não tiverem cobertos com lonas ou fechados. Outra situação que polui bastante é no manuseio no pátio da CSN, quando vão formar as pilhas, pois além do manuseio mecânico o próprio vento contribui para a emissão dos materiais particulares, em especial os inaláveis MP10 e MP2,5”, afirma o especialista.

A CSN, junto com as outras 10 siderúrgicas presentes no Brasil, publica anualmente um relatório de sustentabilidade sobre o setor.

Enquanto as importações brasileiras de aço, principal commodity produzida a partir do carvão, cresceram 245,2% entre 2000 e 2015, aquelas oriundas da China cresceram 13.418% no mesmo período. Em 2000, o país asiático respondia por 1,4% do volume de importações brasileiras de aço e, em 2015, passou a 50,2%.

Esta matéria foi produzida em parceria com Instituto Clima e Sociedade