Clima

COP25 da ONU em Madri termina em fracasso

Falharam negociações sobre financiamentos, mercados de carbono e gestão de perdas e danos
<p>Jovens ativistas pelo clima expressaram frustração com a falta de progresso na COP25 em Madri (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/unfccc/49216591078/">UNclimatechange</a>)</p>

Jovens ativistas pelo clima expressaram frustração com a falta de progresso na COP25 em Madri (imagem: UNclimatechange)

Em 2019, as mudanças climáticas atacaram o mundo com uma ferocidade nunca antes vista – foram ondas de calor, monções fora de época, tempestades, enchentes, secas, incêndios florestais e avalanches. No final do ano, todo o progresso que tinha sido alcançado no combate às mudanças climáticas no âmbito da ONU – organismo responsável pela COP25 realizada em Madri na semana passada – foi perdido, uma vez que os governos insistiram em manter o status quo.

No início do ano, a ativista climática Greta Thunberg avisou aos governos: “Estamos de olho em vocês”. Já no final da sessão de encerramento da cúpula anual do clima da ONU, um ativista dos direitos indígenas da Nova Zelândia exigiu que os governos “parassem de atravancar o caminho” das ações climáticas.

A cúpula teve um início promissor com a hashtag “tempo de ação”, mas seu fim acabou sendo inglório. Não houve ação nenhuma, mas negociações a portas fechadas atrasaram em 40 horas o fim do evento – outro fato dúbio.

Bloqueadores climáticos como o Brasil e a Arábia Saudita, apoiados pela liderança irresponsável e fraca da China, venderam acordos de carbono e passaram por cima de cientistas e da sociedade civil

A 25a cúpula do clima da ONU tinha cinco objetivos principais: reabrir o mercado de carbono internacional; encontrar fontes de financiamento para lidar com as perdas e danos que já estão sendo causadas pelas mudanças climáticas; planejar financiamentos de longo prazo, proporcionados pelos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento; responsabilizar os países desenvolvidos pela implementação das ações climáticas necessárias antes que o Acordo de Paris entre em vigor; e integrar componentes de gênero, direitos humanos e direitos indígenas em todas as ações climáticas.

As negociações falharam nos primeiros quatro itens. Foi aprovado um plano de ação de gênero, mas nenhuma das partes chegou a um acordo sobre os direitos humanos de forma geral, e sobre os direitos dos povos indígenas de forma específica, embora estes grupos sejam os mais afetados pelos impactos climáticos.

Inicialmente, a cúpula seria realizada em Santiago, mas por causa da agitação social no país, ela foi transferida para Madri. Carolina Schmidt, ministra do Meio Ambiente do Chile, permaneceu na presidência da COP25. No final da sessão de encerramento, ela expressou seu “profundo desapontamento”. Desde 2009, quando a cúpula do clima da ONU foi realizada em Copenhague, não havia um fracasso tão grande assim.

O que significa o fracasso?

O fracasso significa que o Acordo de Paris de 2015 entrará em vigor, conforme planejado, no dia 1o de janeiro de 2020, mas sua implementação será impedida por falta de dinheiro. Os compromissos assumidos pela maioria dos países em desenvolvimento para controlar as emissões de carbono e implementar medidas de adaptação aos impactos climáticos dependem do dinheiro dos países industrializados. Agora, ninguém faz a menor ideia de onde esse dinheiro virá.

Não será possível abrir o mercado internacional de carbono porque os governos que se encontraram em Madri – representando 195 países mais a União Europeia – não conseguiram chegar a um acordo sobre as modalidades quer seriam adotadas. Representantes dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento tiveram muitas palavras duras para dizer um sobre o outro “em off”.

Nunca tinha visto nada parecido com a COP25 de Madri. Há um descompasso quase absoluto entre o que a ciência exige e o que as negociações climáticas estão entregando em termos de ações significativas

Alguns acusaram as economias emergentes, como a China e a Índia, de colocar o mercado “contra a parede” através de projetos de “natureza duvidosa” e da “contagem dupla” de créditos. Outros acusavam a UE de bloquear o progresso para proteger o seu mercado interno de carbono.

Agora que a administração do presidente Trump noticiou oficialmente a sua intenção de sair do Acordo de Paris, a delegação americana bloqueou todas as discussões sobre financiamento de longo prazo para ajudar os países em desenvolvimento. No entanto, foi a Hillary Clinton, Secretária de Estado americana em 2009, que prometeu que o mundo desenvolvido daria 100 bilhões de dólares para os países em desenvolvimento todos os anos a partir de 2020.

Mais do que isso, a delegação americana em Madri vetou ao braço climático (UNFCCC) da ONU e aos países que ratificaram o Acordo de Paris o poder de supervisionar o mecanismo da ONU para lidar com perdas e danos.

Os Estados Unidos querem que apenas o Acordo de Paris tenha controle sobre esse mecanismo. Dessa forma, a maior economia do mundo estaria desobrigada de desembolsar dinheiro assim que deixasse o acordo. Na sessão de encerramento, o representante da Nicarágua descreveu as ações dos americanos como um “crime contra a humanidade”.

Os países em desenvolvimento, com a Índia à frente, insistiram com o mundo desenvolvido sobre a importância de cumprirem as suas promessas antes de pedirem para o resto do mundo implementar as ações conhecidas como “ações pré-2020”. Isso foi mencionado em algumas resoluções da cúpula, mas é difícil de impor.

Em resposta às exigências repetidas das nações desenvolvidas, em especial da UE, de que todos os países deveriam “aumentar a ambição” das suas ações climáticas, o representante da China se manifestou na sessão de encerramento: “Precisamos de ações concretas em vez de slogans vazios”. Ele estava falando em nome do grupo BASIC – Brasil, África do Sul, Índia e China –, que formam um bloco nas negociações climáticas globais.

E agora?

O colapso da cúpula de 2019 colocou muito mais pressão em todo o sistema da ONU, principalmente no Reino Unido, que sediará a próxima cúpula em Glasgow. Os compromissos nacionais assumidos no âmbito do Acordo de Paris estão muito longe do necessário para alcançar os objetivos, como limitar o aumento da temperatura global em 2 °C até o final do século. Acreditava-se que a cúpula de 2020 encorajaria os países a assumirem compromissos ainda maiores.

Agora, a cúpula de 2020 terá que lidar com as questões que não foram resolvidas em 2019 – as questões mais urgentes incluem os mercados de carbono, a governança do mecanismo de perdas e danos, as ações pré-2020 e o financiamento de longo prazo. Alguns países têm um histórico de bloquear o progresso nessas questões, como os Estados Unidos, então o desafio será gigantesco.

Tanto diplomatas como observadores têm sugerido ao Reino Unido começar a discutir o tema imediatamente, sem delongas, abordando os países de capital em capital como os franceses fizeram antes da cúpula de 2015 em Paris. Dessa forma, haverá pelo menos alguns acordos prévios antes que milhares de representantes se encontrem em um ambiente conflituoso e que promove, na melhor das hipóteses, um jogo de soma zero. O fracasso do Chile em fazer isso é parcialmente responsável pelo que aconteceu nessa última cúpula, com um resultado que foi pior do que zero.

O governo da Espanha tentou consertar o estrago assim que a COP25 foi transferida para Madri e encorajou grandes protestos da sociedade civil na cidade e no local do evento, mas já era tarde demais. Ainda assim, as autoridades de Madri foram reconhecidas pela logística quase perfeita do evento, que foi organizado em apenas quatro semanas.

As reações

Do secretário-geral das Nações Unidas ao pequeno agricultor, todos expressaram consternação com o resultado da cúpula do clima da ONU deste ano.

Harjeet Singh, líder global de mudanças climáticas da ActionAid e membro do comitê executivo do mecanismo de perdas e danos, afirmou: “Mais uma vez, os Estados Unidos conseguiram o que queriam através de bullying e artimanhas. Eles vieram de má fé e tudo o que fizeram foi para proteger os próprios interesses e os das indústrias poluidoras que causaram essa emergência climática”.

Aarti Khosla, diretora da Climate Trends, disse: “A COP mostrou que há uma total ausência de vontade política em vários governos. A UE anunciou uma ambição para 2050, porém não disse o que poderia fazer para 2030. A China, maior emissora global, não sentiu necessidade de tomar a liderança. A Índia, que tem o maior programa de renováveis de qualquer país, tem a oportunidade de deixar o carvão para trás, mas não se manifestou nesse sentido. A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris piora a situação do único acordo global que o mundo tem para abordar uma questão decisiva da atualidade”.

Jennifer Morgan, da Greenpeace International, disse: “Os governos precisam repensar a forma como estão agindo porque o resultado da COP25 é completamente inaceitável. A COP expôs o papel dos poluidores na política e também a profunda falta de confiança que os jovens nutrem pelo governo. Bloqueadores climáticos como o Brasil e a Arábia Saudita, apoiados pela liderança irresponsável e fraca da China, venderam acordos de carbono e passaram por cima de cientistas e da sociedade civil”.

Jonathan Pershing, ex-enviado especial dos Estados Unidos para as mudanças climáticas, disse: “O esforço coletivo global ainda está muito aquém do necessário. Madri tem focado em questões muito técnicas e já é hora de irmos além disso. Todos os governos precisam intensificar os esforços”.

Alden Meyer, diretor de políticas e estratégia da União dos Cientistas Preocupados, disse: “Eu venho participando dessas negociações climáticas desde que começaram, em 1991, mas nunca tinha visto nada parecido com a COP25 de Madri. Há um descompasso quase absoluto entre o que a ciência exige e o que as negociações climáticas estão entregando em termos de ações significativas”.

Helen Mordentura, vice-presidente de clima e negociações da World Resources Institute, disse: “Isso reflete como os líderes nacionais estão desconectados da urgência da ciência e das exigências dos seus cidadãos”.

May Boeve, diretora executiva da 350.org, afirmou: “A COP25 foi um sucesso para a indústria dos combustíveis fósseis. Jovens ativistas e líderes indígenas inseriram nas negociações climáticas a clareza moral que estava faltando no processo. Vamos levar o ativismo para as capitais, ministérios, sedes de bancos e infraestrutura de combustíveis fósseis em todo o mundo”.

Esta reportagem foi publicada originalmente por India Climate Dialogue