Comércio & Investimento

Opinião: Argentina e China, a história de um casamento arranjado

Pesquisas mostram que a Argentina consolidou seu papel histórico como exportador de matérias-primas, com pouco respeito pelas normas ambientais
<p>Presidente chinês Xi Jinping participa da cúpula do G20 em Buenos Aires em 2018 (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/g20argentina/45406452954/">G20 Argentina</a>)</p>

Presidente chinês Xi Jinping participa da cúpula do G20 em Buenos Aires em 2018 (imagem: G20 Argentina)

A China precisava de mercados para seus produtos, mão de obra e matérias-primas para sua economia nacional. A América Latina, por sua vez, precisava de financiamento para desenvolver projetos de infraestrutura, mineração, telecomunicações, turismo, agricultura e energia. Nesse marco, a aliança entre a Argentina e a China é a história de um casamento arranjado.

Não é perfeito, mas para ambas as partes o arranjo foi estratégico e necessário. A China requer recursos naturais para seu processo de modernização, e a Argentina precisa de financiamento. Hoje, a China é um aliado fundamental para nosso crescimento econômico nacional. Mas a custa do quê e de quem?

2.2bilhão


O déficit da balança comercial da Argentina com a China em 2019 (US$)

Na 13ª Cúpula de Líderes do G20, presidida pela Argentina, os dois países assinaram mais de 30 acordos que mobilizam quase 22 bilhões de dólares. Os acordos abrangem sete províncias argentinas e, em essência, aprofundam nossa inserção no comércio internacional como provedor de matérias-primas de valor agregado.

A balança comercial com a China é logicamente deficitária. Esse dado adquire maior relevância se considerarmos que se trata do segundo sócio comercial mais importante da Argentina, depois do Brasil. Mas as complicações e implicações domésticas dessa agenda sino-argentina vão muito além de uma balança negativa.

A omissão de questões ambientais nos acordos e convênios assinados entre os dois países gera preocupação, sobretudo num contexto de ausência de salvaguardas de instituições financeiras chinesas — como o Banco de Desenvolvimento Chinês — e de enfraquecimento do marco regulatório ambiental nacional.

Com o objetivo de aumentar os investimentos, esses acordos preveem a aquisição direta e condições preferenciais para empresas de origem chinesa, o que gera apreensão pela simplificação de procedimentos (por exemplo, a avaliação de impacto ambiental ou instâncias de participação cidadã) e de licenças sociais, ao mesmo tempo em que beneficia capitais chineses em relação a qualquer outro tipo de investimento.

É certo que alguns dos acordos mencionam a importância do cumprimento da legislação ambiental. Mas ainda há dúvidas sobre o preparo institucional da Argentina para esse tipo de acordo, além da questão de se a legislação provê um marco adequado para regulá-lo — não apenas em termos ambientais, mas também em relação à transparência e acesso à informação.

Sobre a proliferação de convênios bilaterais assinados diretamente com os governos provinciais, a divisão de competências indica que a estrutura administrativa e institucional das províncias deverá se encarregar de cumprir a função de polícia ambiental. Contudo, há dúvidas sobre a capacidade das províncias e sobre seu poder de negociação. O desenvolvimento de projetos e iniciativas deveria contemplar os requerimentos ambientais da lei vigente e considerar a participação da sociedade.

No entanto, é evidente que muitos desses acordos poderiam causar danos graves ao meio ambiente, além de promover situações de tensão e conflitos sociais como no caso das represas sobre o rio Santa Cruz, cujo projeto tem avançado apesar da falta de consulta prévia às comunidades originárias.

Há na América Latina uma tendência generalizada de retroceder em padrões de proteção cívica, com o enfraquecimento de salvaguardas em instituições financeiras tradicionais e o surgimento de bancos de desenvolvimento que não se comprometem de fato com o marco regulatório nacional.

A Argentina não é exceção. A importância da China para o crescimento político e comercial argentino é tão inegável quanto o fato de que, nessa relação bilateral, as necessidades econômicas são a parte mais importante; as questões ambientais e sociais, por outro lado, são um mero aspecto decorativo.