Comércio & Investimento

Biden e triângulo China-EUA-América Latina

Com a aproximação da mudança de mandato, os especialistas anunciam que Biden provavelmente manterá uma mão forte contra a China
<p>Joe Biden, que assumirá a presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2021, criticou a China (foto Flickr)</p>

Joe Biden, que assumirá a presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2021, criticou a China (foto Flickr)

Todos os olhos estão voltados para como o presidente eleito Joseph Biden vai lidar com a crescente pandemia, uma economia em dificuldades e uma nação polarizada. Mas há ainda o relacionamento com a China – o parceiro comercial mais importante dos Estados Unidos e uma superpotência emergente rival no Ocidente.

Biden já selecionou sua equipe de política externa, que inclui a primeira mulher a liderar a comunidade de inteligência e o primeiro latino a chefiar o departamento de segurança doméstica. A retórica da equipe difere marcadamente da administração de Trump sobre migração e política climática.

O princípio de que a China é um rival estratégico dos Estados Unidos tem apoio bipartidário

Mas não espere uma grande mudança em relação à China, dizem especialistas em relações internacionais. Sua análise: Biden manterá a política linha-dura do presidente Donald Trump em relação à nação rival.

“O princípio de que a China é um rival estratégico dos Estados Unidos tem apoio bipartidário, e isso inclui também o papel da China na América Latina”, diz Bruno Binetti, analista do think tank The Dialogue, baseado em Washington. “O que pode mudar, como em toda política externa, é uma mudança de instrumentos e não de objetivos ou de compreensão do problema.”

Sob a administração de Trump, os Estados Unidos lançaram uma guerra comercial impondo tarifas sobre produtos chineses no valor de mais de 550 bilhões de dólares, ameaçaram governos que se alinham a Pequim e lançaram iniciativas para desafiar os investimentos chineses.

550 bilhões


de dólares em impostos sobre produtos chineses

A preocupação e a hostilidade em relação ao envolvimento chinês na América Latina e em todo o mundo também estiveram no centro da política externa dos Estados Unidos durante a administração de Donald Trump, desde que ele assumiu o cargo em janeiro de 2017. Essas preocupações de longa data foram repetidas por Biden e pelo Partido Democrático. 

“Os democratas serão claros, fortes e consistentes, resistindo onde temos profundas preocupações econômicas, de segurança e de direitos humanos sobre as ações do governo da China”, segundo um manifesto de 2020 do partido.

Ao longo da campanha, o presidente-eleito, Biden, e o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declararam suas intenções de jogar duro com Beijing. Mas a China está ganhando terreno rapidamente, no mundo e na América Latina

A influência da China na América Latina

“A China tem buscado mercados e oportunidades de investimento para estender dívidas financeiras e empréstimos que possam financiar projetos de infraestrutura chineses em regiões como a América Latina”, disse Aaron Schneider, professor de Estudos Internacionais da Universidade de Denver. “Isso significou bilhões em investimentos chineses, empréstimos e aumento do comércio entre a China e a América Latina.”

Na última década, os Estados Unidos têm buscado conter a influência chinesa na região por meio de uma série de programas, ameaças e medidas políticas externas. Barack Obama lançou o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP) em 2015, uma iniciativa que buscava abrir o comércio entre 12 países à beira do Pacífico e desafiar o aumento da influência e força chinesas. Mas os esforços do TPP acabaram sendo desfeitos pela administração Trump.

Nesse meio tempo, a China continuou avançando com sua própria proposta, e 15 países da Ásia e do Pacífico entraram na Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), formando o maior bloco econômico do mundo em termos da soma dos PIBs. A assinatura ocorreu após oito anos de negociações e marcou “uma vitória do multilateralismo e do livre comércio”, segundo o premiê chinês Li Keqiang. Críticos, incluindo o próprio Obama, disseram que um bloco liderado pela China ameaçava reduzir os padrões ambientais no comércio.

O governo Trump manteve uma política dura com a China, que buscou pressionar os governos de todo o hemisfério a se distanciarem de Beijing. Em 2018, os congressistas republicanos ameaçaram retirar El Salvador do plano de desenvolvimento da América Central da era do governo Obama, a Aliança para a Prosperidade, depois de o país aceitar 150 milhões de dólares da China para projetos de infraestrutura. 

Meu palpite é que Biden tentará desacelerar a guerra comercial, mas isso não será feito de repente

O governo Trump também usou seu capital político para desafiar as empresas chinesas de tecnologia na América Latina. No Brasil, o governo Trump iniciou conversações com o presidente Jair Bolsonaro em junho de 2020 para financiar a compra da tecnologia 5G das empresas de telecomunicações europeias Nokia e Ericsson no lugar da chinesa Huawei, que já havia instalado um sistema 4G no país. 

Schneider ressalta que o projeto exigiria a reinstalação completa da tecnologia de telecomunicações. Mas ele acredita que Biden continuará com as mesmas táticas de pressão. “Biden pode ser um pouco mais diplomático, e  Departamento de Estado pode ser um pouco menos agressivo em suas táticas, mas esse conflito básico permanece”, disse.

A guerra comercial

A guerra comercial do presidente Trump com a China, incluindo a implementação de tarifas sobre a exportação de mercadorias entre os dois países, saiu pela culatra. Trump apostou que, ao taxar as importações chinesas, o déficit comercial entre as duas nações encolheria e os empregos na indústria voltariam aos Estados Unidos.

Mas, em todo o país, os agricultores faliram e os setores de manufatura e transporte de carga atingiram níveis nunca vistos desde a última recessão. As ações de Trump representaram um dos maiores aumentos de impostos em anos, explicou Heather Long ao Washington Post.

Alguns países latino-americanos se beneficiaram com a guerra comercial, incluindo Brasil e Argentina, que aumentaram as exportações agrícolas para a China, em parte porque a China importou menos soja dos Estados Unidos. O México foi apelidado por alguns meios de comunicação como “o vencedor da guerra comercial“, já que as empresas manufatureiras chinesas e americanas se mudaram para o norte do México a fim de contornar as tarifas e ter acesso mais próximo ao mercado dos Estados Unidos.

Você sabia que…?

Os Estados Unidos lançaram a iniciativa América Crece para conter a influência da China na América Latina

Mas especialistas como Otaviano Canuto, diretor do Centro de Macroeconomia e Desenvolvimento, argumentam que quaisquer vitórias de curto prazo para a América Latina são apenas temporárias e serão compensadas pelos impactos negativos de longo prazo da guerra comercial.

“Meu palpite é que Biden tentará desacelerar a guerra comercial, mas isso não será feito de repente”, disse Binetti. “Existem decisões de investimento empresarial que foram feitas com base nessas tarifas. Não vejo essas tarifas desaparecendo de um dia para o outro, seria caro para Biden. ”

Segundo Binetti, o governo Biden provavelmente tentará conter a China por mecanismos multilaterais, mas as tarifas provavelmente não desaparecerão rapidamente, o que significa que a guerra comercial e suas consequências seguirão na mesma tendência.

Uma mudança de tática?

Essa mudança se reflete nas medidas mais recentes do governo Trump para desafiar os investimentos chineses na América Latina. Em dezembro de 2019, o governo lançou a iniciativa “América Cresce” em conjunto com a Câmara de Comércio dos Estados Unidos. A iniciativa visa fornecer bilhões de dólares de investimento subsidiado pelo governo para empresas dos Estados Unidos e seus projetos de infraestrutura em todo o hemisfério, para rivalizar com os investimentos chineses em rodovias, portos e projetos de energia na América Latina.

Esta iniciativa obteve o apoio de Mauricio Claver-Carone, o novo chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento e aliado próximo de Trump, eleito para dirigir o banco em setembro de 2020.

Esses esforços deverão ter continuidade no governo do presidente eleito Biden, devido ao apoio bipartidário à iniciativa nos Estados Unidos. O próprio Biden pediu o investimento de mais de 4 bilhões de dólares por meio de parcerias público-privadas somente na América Central, que irão promover investimentos privados na região e reduzir a pobreza.

“A arquitetura da forma como [o dinheiro] será entregue será muito parecida com a que era no governo Obama [durante a Aliança para a Prosperidade] e a iniciativa [América Cresce] do governo Trump”, disse Schneider.