Florestas

A guardiã da Amazônia peruana que ganhou o ‘Nobel para ambientalistas’

A indígena Liz Chicaje recebeu a honraria por seu esforço na criação do Parque Nacional Yaguas no norte do Peru
<p><span style="font-weight: 400;">Um de seus sonhos é realizar oficinas de treinamento com os jovens de sua comunidade para preservar seus conhecimentos ancestrais (Imagem: Prêmio Ambiental Goldman).</span></p>

Um de seus sonhos é realizar oficinas de treinamento com os jovens de sua comunidade para preservar seus conhecimentos ancestrais (Imagem: Prêmio Ambiental Goldman).

Liz Chicaje Churay é do grupo indígena Bora e vive em Paucarquillo, uma pequena comunidade a dois dias de barco de Iquitos, a cidade mais próxima de sua casa na Amazônia peruana. Foi nesse lugar remoto que a mulher de 38 anos nasceu e criou sua família. Foi também dali que ela começou um trabalho árduo que iria culminar com o reconhecimento que é conhecido como o “Nobel para ambientalistas”. 

Chicaje foi laureada com o Prêmio Goldman por sua luta pela demarcação do Parque Nacional Yaguas, criado em 2018, uma área com incrível biodiversidade ao norte do Peru.

“Recebi uma ligação. Não entendi muito bem a voz, era um espanhol arrastado, como de outro país. Eu ia cortá-lo, mas felizmente não o fiz”, brinca, sobre a notícia do prêmio, em entrevista ao Diálogo Chino.

A peruana tem cinco filhos e trabalha desde cedo. A partir dos 11 anos, junto de quatro irmãs, ela navegava pelo rio Amazonas por dois dias até o município de Letícia, na tríplice fronteira com a Colômbia e o Brasil. Lá, uma família colombiana as esperava e por lá elas permaneceriam três ou quatro meses como empregadas domésticas. Na época, não tinha ideia de que logo teria sua própria família, nem que se tornaria uma guardiã da floresta. 

Aerial view of a river in Yaguas National Park
No Parque Nacional Yaguas existem mais de 3.000 espécies de plantas e 600 espécies de animais (Imagem: Instituto del Bien Común)

Quando tinha apenas 15 anos, ela se apaixonou por Edwin, um vizinho Bora uma década mais velho. Logo depois, eles tiveram Diego e, assim, começou a dedicar sua atenção à família. Depois vieram Zinedine, Matias, Job e Cielo. Essa última se tornaria mais tarde uma companheira inseparável de viagens e reuniões pela proteção da Amazônia peruana.

Quando Diego começou o ensino médio, mãe e filho estudaram juntos e se tornaram mais amigos do que nunca. A partir daquele momento, ela percebeu que poderia alcançar qualquer coisa a que se propusesse.

Proteção da Amazônia peruana

Chicaje tem pouco mais de 1,50 m de altura, uma voz suave e uma risada fácil. Entre 2014 e 2017, foi presidente da Federação de Comunidades Nativas de Ampiyacu (Fecona), uma organização que representa 14 comunidades das etnias Bora, Huitoto, Yagua e Ocaina, no norte da Amazônia peruana e o lar de cerca de dez mil pessoas.

No cargo, ela viajava pelas bacias dos rios Napo, Putumayo e Amazonas para lutar pelo reconhecimento do Parque Nacional de Yaguas. Ela teve que chegar a acordos não só com as comunidades, mas também com o Ministério do Meio Ambiente no Peru.

Liz Chicaje Churay é vista em uma canoa remando com sua filha em um rio.
Sua filha Cielo, a mais nova de seus cinco filhos, nunca sai de seu lado. Ela até a acompanha nas reuniões com os ministros (Imagem: Prêmio Ambiental Goldman)

Apesar de sua fisionomia frágil, ela conquistou o respeito de vários povos indígenas. Quem a observava falar em reuniões, rodeada de líderes homens, ficava espantado com sua capacidade de captar a atenção e silenciar salas inteiras. Ela não precisava levantar a voz ou se aborrecer. 

Em 2005, as comunidades começaram a notar a presença de pessoas vindas de fora para cortar a floresta, como garimpeiros e madeireiros ilegais. “Eles nos enganaram e nós não sabíamos como nos proteger”, conta Chicaje, que quando se tornou presidente da Fecona, estudou sobre a legislação para pôr um fim à ilegalidade que ameaçava a região. Ela é destemida apesar de dez ativistas ambientais terem sido assassinados no Peru em 2020.

Prêmios por esforço ambiental

O Prêmio Goldman não é o primeiro reconhecimento que recebe por seus esforços. Em 2019, ganhou o Prêmio Franco-Alemão de Direitos Humanos e Estado de Direito, também por sua luta pelo reconhecimento do parque peruano.

868,927

hectares é o tamanho do Parque Nacional Yaguas, o equivalente a Paris e Nova Iorque juntas

Não há lugar no mundo como o parque de Yaguas. “Uma área equivalente a um campo de futebol no parque abriga uma biodiversidade maior do que a de todas as florestas da América do Norte”, explica Fernando León, ex-vice-ministro de Desenvolvimento Estratégico de Recursos Naturais. 

O parque cobre mais de 868 mil hectares, como se estivéssemos protegendo Nova Iorque e Paris juntas. E é o lar de mais de 3.000 espécies de plantas, 500 espécies de aves e peixes. 

Visão aérea do Parque Nacional Yaguas, localizado no norte do Peru.
Especialistas do Field Museum de Chicago descobriram que Yaguas detém dois terços da diversidade de peixes de água doce de todo o Peru (Imagem: Instituto del Bien Común)

“Quando sobrevoei Yaguas, fiquei emocionada, não podia acreditar como era bonito”, contou a laureada. Embora não existam pessoas vivendo dentro da área protegida, 29 comunidades indígenas se beneficiam deste espaço que sempre foi sua casa.

29

comunidades nativas se beneficiam e protegem o Parque Nacional Yaguas 

“Nunca paramos, foram dias de muito aprendizado e sacrifício. Às vezes, as pessoas não percebem o quanto você abdica para ajudar os outros. Eles acham que você ganha dinheiro, mas nada. Eu faço tudo para ajudar. Às vezes os comentários negativos doem, porque estar longe de sua família não é fácil”, comenta a ativista.

Sua missão

Seus pais viviam fora da floresta. Eles caçavam para sobreviver. “Naqueles tempos, havia abundância. Sachavaca, sajino, majaz, carachupa, macacos, havia de tudo. Ainda há, mas menos. Quando eles [madeireiros e garimpeiros] começaram a invadir, começamos a sofrer com a escassez. Não é fácil viver na floresta, é bonito, mas não é fácil”, conta Chicaje, que ama sua comunidade, mas gostaria de ter água potável, eletricidade, sinal telefônico, internet, centro médico e outras amenidades tidas como garantidas nas cidades.

“Ninguém vem à minha comunidade. Estamos abandonados, somos invisíveis para o Estado. É por isso que quando vejo as últimas eleições para presidente, percebo que ninguém está buscando o bem do país, todos estão procurando sua própria conveniência. Não há companheirismo, não há boa fé”, afirma Chicaje. 

“Eu gosto de ajudar as pessoas, e a política me dá essa oportunidade. Mas também pode ser muito suja, como vemos agora. É por isso que prefiro trabalhar em minha comunidade e ajudar os jovens a ter um futuro melhor”, completa.

Liz Chicaje Churay sorrindo e cozinhando.
Liz é ativa e vive tentando mobilizar sua comunidade. Ela está muito preocupada com a transmissão de conhecimentos ancestrais (Imagem: Instituto del Bien Común)

Longe da política, Liz Chicaje está determinada a continuar fortalecendo sua comunidade, especialmente as mulheres. “Agora estou concentrada em fazer avançar a empresa Productores y Procesadores Hijos de la Yuca de la Cuenca del Ampiyacu S.A.C. Infelizmente, devido à pandemia, nosso negócio se perdeu, mas agora queremos reiniciá-lo”, diz a também empreendedora, que busca promover a venda de derivados da mandioca e pimenta preta. 

No entanto, ela está preocupada em como melhorar a economia de suas irmãs indígenas. Por isso vem desenvolvendo a associação das artesãs Paucarquillo na produção de artesanato com chambira, uma palmeira amazônica.

A floresta não é apenas sua casa, mas também o berço de seu conhecimento ancestral, de sua medicina e de sua alimentação. É por isso que Chicaje sente que é sua missão continuar a mostrar alternativas econômicas para seus irmãos e irmãs Bora, para que eles permaneçam firmes na proteção deste canto remoto do mundo.

Liz Chicaje Churay agachada com uma mulher ao fundo, filtrando mandioca.
Liz lidera iniciativas para trabalhar com mandioca e chambira (Imagem: Prêmio Ambiental Goldman)

“Temos que proteger nossos costumes. As crianças não falam mais nossa língua. Isso me preocupa. A medicina também mudou. Todos querem paracetamol ou aspirina. Eles deixaram de procurar as plantas na floresta. Vivemos muito precariamente e sem dinheiro não podemos educar nossos filhos, muito menos avançar. Um dos meus sonhos é realizar oficinas de treinamento com os jovens para fortalecer os conhecimentos ancestrais”, diz Chicaje, que de todas as frentes, e com um sorriso gigante, tenta ajudar a proteger a floresta e sua cultura.