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América Central avança para melhorar governança ambiental

Panamá, Guatemala e Honduras dão passos importantes na proteção de comunidades e reservas florestas, mas caminho à frente ainda é longo, dizem especialistas
<p>Membros da comunidade Q&#8217;eqchi&#8217;, na Guatemala (Imagem: Tolo Balaguer / Alamy)</p>

Membros da comunidade Q’eqchi’, na Guatemala (Imagem: Tolo Balaguer / Alamy)

O Panamá, um dos países mais megadiversos do mundo, tornou-se o primeiro da América Central a reconhecer os direitos da natureza. O marco histórico ocorreu após o presidente Laurentino Cortizo assinar, em 24 de fevereiro, uma lei estipulando que qualquer pessoa que viole esses direitos possa ser processada. A iniciativa se soma a esforços recentes para melhorar a governança ambiental na região.

Além dela, Honduras deu um passo à frente ao anunciar, em 1º de março, que vai proibir a mineração a céu aberto — ainda que apenas parcialmente.

E na Guatemala, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) recentemente teve uma audiência com representantes da comunidade Q’eqchi’, que exigiam o fechamento de uma mina de níquel operando em seu território ancestral sem que tivesse havido qualquer consulta prévia. Isso estabeleceu um importante precedente legal nos direitos dos povos indígenas de participar de decisões sobre a soberania dos recursos naturais no país.

A América Central enfrenta grandes desafios de proteção ambiental e sofre com um massivo desmatamento, além figurar com um dos maiores números de mortes de ativistas ambientais do mundo.

Embora os casos recentes do Panamá, Honduras e Guatemala possam representar um avanço importante, especialistas os veem com uma mistura de esperança e ceticismo. A falta de mecanismos robustos para implementar novas leis é um dos principais obstáculos para avanços mais contundentes.

Panamá reconhece direitos da natureza

Luisa Araúz foi assessora jurídica do Ministério do Meio Ambiente na criação da Lei 287, que reconheceu os direitos da natureza. Sua aprovação, diz ela, é “uma conquista para o Panamá e a região”. Até 2022, somente o Equador, pioneiro nessa área, México e Bolívia reconheciam plenamente os direitos da natureza na América Latina.

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Araúz afirma que a lei propõe “uma nova maneira de ver e se relacionar com a natureza”, uma vez que a maioria das leis ambientais colocam o ser humano no centro da discussão. Essa lei estabelece que o Estado e todas as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, devem respeitar e proteger os direitos da natureza. Isso inclui o direito de que a natureza possa existir, resistir e regenerar seus ciclos de vida; restaurar-se de forma oportuna e efetiva; e que possa preservar seus ciclos hídricos.

A lei também estabelece que qualquer pessoa, corporação, instituição ou governo que infrinja esses direitos pode ser considerada legalmente responsável por suas ações. Mas tais mecanismos ficarão mais claros quando a lei tiver sua aplicação regulamentada.

Para Araúz, o artigo 8º é um dos mais importantes da lei porque identifica o conhecimento indígena como essencial para sua implementação. Outro aspecto inovador que ela destaca é a inclusão do conceito de “economia circular” — a obrigação de regenerar e devolver os recursos à natureza uma vez que sejam utilizados.

Para Araúz, o Ministério do Meio Ambiente é quem deve supervisionar a implementação da lei. Entretanto, o poder executivo do Panamá ainda não discutiu sua regulamentação.

As regulamentações pertinentes ao manejo florestal também devem ser atualizadas para que a Lei 287 seja eficaz. Mas, segundo Araúz, o reconhecimento de que várias atividades impactam os direitos humanos e a natureza faz do Panamá um pioneiro em uma região que começa a fazer grandes promessas na governança ambiental.

Honduras proíbe mineração a céu aberto

Em 28 de fevereiro, um mês após tomar posse, a presidente hondurenha Xiomara Castro publicou uma declaração, por meio do Ministério de Energia, Recursos Naturais, Meio Ambiente e Minas, em que dizia que o país ficaria “livre da mineração a céu aberto”.

Esse tipo de mineração é considerado um dos mais devastadores para as paisagens e está entre os mais poluentes devido ao uso de produtos químicos nocivos para separar metais de materiais compostos.

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Entretanto, um ativista do Movimento de Defesa da Terra Guapinol, que preferiu permanecer anônimo, disse ao Diálogo Chino que há ceticismo com as declarações do governo Castro, que carece de embasamento legal. Sem isso, organizações da sociedade civil e ativistas ficam sem instrumento jurídico para apelar contra as indústrias extrativistas.

De fato, nos primeiros cem dias do governo Castro, uma série de promessas feitas ainda requerem um embasamento político mais claro, que mostre como serão cumpridas, como mostrou o jornal local Proceso Digital. Tampouco há clareza sobre os projetos existentes.

“A mineração a céu aberto foi proibida, mas nada foi feito com as concessões já realizadas”, diz Juan Mejía, da organização ambiental Broad Movement for Dignity and Justice em Honduras.

“Há casos documentados, como o da mineradora em Azacualpa [município a oeste do departamento de Santa Bárbara], que teve 14 derramamentos de cianeto nos rios. Essa empresa está renovando sua concessão”, diz Mejía.

Embora a proibição nacional pareça ampla, Honduras tem atualmente apenas um projeto de mineração a céu aberto. Ele fica em San Andrés, no noroeste do departamento de Copán, e é controlado pela multinacional Aura Minerals, que explora e exporta ouro.

A mineração a céu aberto foi proibida, mas nada foi feito com as concessões já realizadas

Para ambientalistas, a atenção deve ser direcionada a projetos de mineração com técnicas diferentes daquelas da extração a céu aberto. Eles citam como exemplo as operações de óxido de ferro da empresa Inversiones Los Pinares, em Tocoa. Eles a acusam de provocar danos a uma reserva florestal.

Por mais de cinco anos, Honduras foi considerado um dos países mais perigosos do mundo para os ativistas da terra e do meio ambiente. Mais de 120 pessoas foram assassinadas nas últimas duas décadas. A maioria dos ativistas se opunha a projetos extrativistas, em grande parte de mineração.

No mais recente conflito relacionado à mineração, ocorrido em 2018, oito ativistas foram acusados de crimes como incendiar contêineres da Inversiones Los Pinares em protesto e bloquear uma estrada de forma violenta.

Os ativistas acusaram a empresa de poluir o rio Guapinol, no departamento de Colón, uma importante fonte de água que abastece diversas comunidades. Eles estão detidos em prisão preventiva desde 2019.

Guatemala deve consultar indígenas

A comunidade indígena maia Q’eqchi, de Agua Caliente, município de El Estor, na Guatemala, apresentou, em 2011, uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) exigindo seus direitos sobre terras ancestrais que por décadas haviam sido usadas para a mineração de níquel sem seu consentimento. Em agosto de 2020, a CIDH levou o caso à Corte IDH.

Em 2021, comunidades indígenas e uma associação de pescadores artesanais conseguiram deter o projeto de mineração Fénix, de propriedade do Solway Investment Group, sediado na Suíça, ao alegar no tribunal que lhes foi negada a consulta formal sobre os impactos das operações. Em abril de 2022, o tribunal constitucional da Guatemala confirmou que o processo de consulta foi ilegal, apesar do endosso pelo governo.

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Contudo, segundo Juan Carlos Villagrán, consultor independente da Guatemala focado em questões ambientais, a mineradora não cessou suas atividades. Em uma visita de campo no final de abril, ele verificou que vários caminhões continuam carregando material.

Além disso, Villagrán diz que a consulta sobre a atividade da mineradora em El Estor foi apoiada na época por alguns membros da comunidade Q’eqchi’, que haviam sido selecionados para a consulta pela própria empresa.

Eles declararam perante a CIDH, em março de 2022, que rejeitaram o processo de titulação de terras chancelado pelo tribunal e que estavam satisfeitos com a mineradora, uma vez que suas operações criaram empregos. Esses membros da comunidade Q’eqchi se autodenominam “representantes legítimos”. Não há nenhum ativista entre eles.

Mesmo que haja uma eventual decisão favorável para a comunidade, Villagrán diz que ainda há muito a ser resolvido para se garantir que qualquer resolução vinculante seja cumprida na Guatemala.

Ele diz serem necessários maior compromisso orçamentário, desincentivos ao não cumprimento, como multas e proibições, e mecanismos que regulem os Estudos de Impacto Ambiental, obrigatórios nesse tipo de projetos extrativistas.

América Central em crise

A proibição em Honduras e o reconhecimento dos direitos no Panamá e na Guatemala parecem ser passos positivos para a América Central. No entanto, a falta de apoio regulatório e outros casos, incluindo o de El Salvador — que em 2017 se tornou a primeira nação a ter uma total proibição à mineração de metais — sugerem que uma legislação ambiental mais forte não é garantida para a região no futuro.

Apesar de seu compromisso de 2017, em maio de 2021, El Salvador aderiu ao Fórum Intergovernamental sobre a Mineração, Minerais, Metais e Desenvolvimento Sustentável.

Além disso, vários países da América Central ainda não assinaram ou ratificaram o Acordo de Escazú, que promove a transparência das informações ambientais e os direitos dos ativistas da natureza e dos povos indígenas. Entre eles está a Costa Rica, um dos arquitetos iniciais do acordo e lar da cidade que leva seu nome.