Clima

COP27: Lula recoloca Brasil em debate climático internacional

Presidente eleito participa apenas de eventos paralelos à cúpula, mas sua presença sinaliza ambição brasileira de retomar liderança ambiental global
<p>Presidente eleito, Lula, posa com as líderes indígenas Célia Xakriabá (esquerda), Sônia Guajajara e Joenia Wapichana em evento da COP27 no Egito (Imagem: Christophe Gateau / Alamy)</p>

Presidente eleito, Lula, posa com as líderes indígenas Célia Xakriabá (esquerda), Sônia Guajajara e Joenia Wapichana em evento da COP27 no Egito (Imagem: Christophe Gateau / Alamy)

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas traz um momento único para o Brasil com relação à​ pauta climática​: é raro um candidato eleito ser recebido em um evento multilateral como se já estivesse no cargo, ofuscando a representação oficial enviada por Brasília. Ele desembarcou na terça-feira (15) em Sharm el-Sheikh, no Egito, onde participou de uma intensa agenda paralela à COP27.

Lula viajou no jato de José Seripieri Jr, empresário do setor de saúde, o que gerou desconforto entre aliados, mas o assunto perdeu fôlego após sua chegada ao evento. E como ainda não exerce a presidência, ele foi convidado a participar pelo presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi. Mas nem Lula, nem sua equipe fizeram parte das tratativas oficiais da COP, onde o Brasil é representado pela delegação do governo de Jair Bolsonaro. 

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Apesar do caráter extraoficial da viagem, os olhos da comunidade internacional estavam todos voltados para Lula, aguardado por líderes e jornalistas estrangeiros. A sala onde discursou na quarta-feira estava lotada. No dia anterior, o presidente eleito teve uma agenda intensa. Ele foi recebido pelos enviados especiais para o clima das duas maiores economias globais: John Kerry, dos Estados Unidos, e Xie Zhenhua, da China. À BBC Brasil, Kerry disse esperar que Lula “dê uma guinada” na política brasileira para o clima.

De fato, o presidente eleito chegou ao Egito fazendo afirmações alinhadas às expectativas das lideranças internacionais. “Eu estou aqui para dizer para vocês que o Brasil está de volta ao mundo. O Brasil está saindo do casulo a que foi submetido ao longo dos últimos quatro anos. O Brasil não nasceu para ser um país isolado”, afirmou Lula. Ele aproveitou a viagem ao Egito para oferecer o Brasil como sede da COP de 2025 –  o que ainda precisa ser confirmado.

O Brasil está saindo do casulo a que foi submetido ao longo dos últimos quatro anos

O Brasil apresentado por Lula durante a conferência foi muito diferente daquele exibido no pavilhão oficial do governo nacional. O material do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Joaquim Leite, se escorou em dados sobre a energia renovável. A estratégia do ministro foi contrapor a matriz brasileira, majoritariamente hidrelétrica, à​ dependência europeia do petróleo e carvão — o que ficou mais evidente com o conflito da Rússia com a Ucrânia. Já Lula destacou a piora dos indicadores de proteção da Amazônia e dos povos originários, a redução na fiscalização e o consequente aumento do desmatamento do bioma. 

Ruptura diplomática na COP27

Ao Diálogo Chino, o professor e pesquisador Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do think tank Wilson Center, dos Estados Unidos, disse que houve uma “quebra diplomática” durante a conferência, uma vez que ministros e representantes dos Estados só sentam para conversar com contrapartes que já estejam no cargo. 

“Existe essa vontade muito grande de já começar a conversar com o governo Lula, já que há uma unanimidade de que todas possibilidades de avanço com o governo Bolsonaro foram frustradas”, diz Rajão, que participa da COP27 e reforça que a participação da equipe governamental foi low profile nesta edição.

Rajão lembra que, na COP25, na Espanha, em 2019, houve a primeira ruptura do Brasil em seu histórico alinhamento entre o Itamaraty e o Ministério de Meio Ambiente. Na ocasião, o então ministro da pasta, Ricardo Salles, divergiu do posicionamento da diplomacia brasileira e pediu, de última hora, a retirada de um ponto sobre os oceanos do texto final. Porém, isolado, Salles voltou atrás, e o assunto, que havia sido sugerido pelo Chile, permaneceu no documento. 

Existe essa vontade muito grande de já começar a conversar com o governo Lula, já que há uma unanimidade de que todas possibilidades de avanço com o governo Bolsonaro foram frustradas

Ele classificou o episódio como “inconsequente”. Sobre o encontro deste ano, o professor pondera que a chegada de Lula tem servido mais para a reconstrução das relações bilaterais perdidas do que para gerar impacto de fato nas tratativas formais da conferência.

Apesar do otimismo, ainda não está claro como Lula conduzirá a questão climática. Uma das dificuldades será conciliar os interesses do agronegócio e seu lobby no Congresso com a agenda do clima. Na gestão anterior de Lula, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, rompeu com o mandatário e com o próprio Partido dos Trabalhadores (PT) por discordâncias na política ambiental. Havia, inclusive, uma expectativa de que Lula anunciasse seu futuro ministro — ou ministra — durante a COP, o que não aconteceu. 

Expectativa de financiamento à Amazônia

Marina Silva
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A COP27 também deu impulso às tratativas sobre o financiamento internacional ao Brasil. Desde que foi oficializada a vitória do petista, representantes do Fundo Amazônia têm demonstrado a intenção de desbloquear os R$ 3,6 bilhões paralisados na gestão Bolsonaro e até aumentar o volume de repasses. Em um evento com governadores dos estados brasileiros que abrigam a floresta amazônica, representantes dos governos alemão e noruguês, que apoiam o fundo, se mostraram dispostos a liberar os recursos no início de 2023.

Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, deputada eleita e integrante da equipe de transição de Lula, confirmou ao Diálogo Chino que atores internacionais estão interessados em investir na pauta climática brasileira.

“Há uma grande mobilização para cooperar com o Brasil, e a gente está sentindo isso aqui com as relações bilaterais com todos os países, com as agências multilaterais de financiamento, com a filantropia”, afirmou Silva, após Lula ter cobrado ajuda financeira de países ricos.

“Estão todos preocupados em ajudar o Brasil a fazer essa travessia, principalmente no primeiro ano de governo, em que o orçamento foi feito pelo governo Bolsonaro”, explicou Silva. O país deve fechar 2022 com uma dívida de quase 80% de seu PIB — 20 pontos maior que em 2018. 

O Brasil está de volta?

A ex-ministra falou ainda sobre a importância do compromisso do Brasil com a pauta climática para reiniciar negociações comerciais, em especial a do acordo anunciado em 2019 entre a União Europeia e o Mercosul, bloco econômico formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai — países que enfrentam dificuldades com o desmatamento de seus biomas, impulsionado pelo agronegócio. “As negociações serão retomadas”, garantiu Silva. “Elas estavam suspensas porque não havia confiança de que o governo Bolsonaro iria cumprir com as cláusulas de proteção da Amazônia e dos povos originários”.

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Ainda durante o evento, a equipe de transição de Lula recebeu um documento com sugestões para a política externa ambiental produzido pela Plataforma Cipó, representada por sua diretora-executiva, Adriana Abdenur. Assinam as propostas nomes como a ex-ministra do Meio Ambiente e conselheira da presidência da COP27, Izabella Teixeira, e Pedro Abramovay, diretor para a América Latina da Open Society Foundation.

Ao Diálogo Chino, Abdenur disse que o Brasil precisa ir além de medidas emergenciais para o clima e pensar em estratégias de curto, médio e longo prazo: “A cooperação internacional tem que ser uma forma de fortalecer as políticas de desenvolvimento sustentável e transição justa. E Lula irá recolocar o Brasil como um ator propositivo nas discussões regionais e globais”.

No documento, o grupo defende que América Latina e Caribe aproveitem o tema do clima para criar uma nova base de integração regional. “Isso é muito importante não apenas pelos desafios colocados pelas mudanças climáticas, mas também pelo contexto da pandemia da Covid-19, em que houve uma reestruturação da economia global e surgiram novos riscos às cadeias de valor, como a soberania alimentar e energética”, acrescenta Abdenur. 

Questionada sobre a diferença que notou na COP27 em relação ao evento anterior, Abdenur diz que há mais otimismo, mesmo com desafios à frente. 

“Não será uma empreitada muito fácil, houve um grande esvaziamento e um desmonte das instituições federais encarregadas da proteção ambiental”, disse a pesquisadora. “Mas o Brasil possui tanto dentro do Estado quanto fora, na sociedade civil e no setor privado, capacidade não apenas para fortalecer e reconstruir seus mecanismos, mas também criar novos canais de diálogo e novas iniciativas”.