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O futuro da Antártida em jogo

Na Austrália, líderes votarão proteção a novas áreas marinhas no Polo Sul
<p>imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/reevej/11331944033%3C/a">Reeve Jolliff</a></p>

imagem: Reeve Jolliff

O futuro da conservação da Antártida é incerto. A União Europeia e outros vinte quatro países querem votar uma proposta para incluir o Polo Sul entre as áreas oceânicas protegidas e, para isso, marcaram um encontro que acontecerá ainda esta semana em Hobart, na Austrália. Tentativas anteriores fracassaram, mas, desta vez, interesses geopolíticos de peso podem virar o jogo.

A Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos (CCAMLR), uma organização internacional que regulamenta o uso de recursos na Antártida, criou uma rede de áreas marinhas protegidas (AMPs) em 2002. O projeto obedece a recomendação de proteger 30% do oceano até 2030, feita por pesquisadores, ambientalistas e a sociedade civil de todo o mundo.

“A Antártida é a única região da Terra onde ainda não há exploração de recursos naturais em escala industrial”, afirmou Milko Schvartzman, especialista em conservação marinha na Argentina. A Argentina é uma das sete nações que possuem reivindicações territoriais na Península Antártida. O país também mantém o maior número de bases e pessoas na região.

“Este é um dos poucos lugares do mundo que ainda não sofreu o impacto das atividades humanas. É por isso que ele é essencial para a pesquisa científica”, acrescentou Schvartzman.

Apesar disso, o progresso vem em passos lentos. Em 2009, os estados-membros da CCAMLR criaram a primeira área marinha protegida, abrangendo 94 mil km2 em uma área ao sul das ilhas Órcades do Sul. Depois, em 2016, a Convenção foi destaque na imprensa ao obter êxito nas negociações para a criação do maior parque marinho do mundo, que se estende por 1,55 milhão de km2 no Mar de Ross.

Com essas conquistas, aumentou o otimismo e a esperança de obter avanços similares nos próximos encontros, como, por exemplo, expandir as AMPs atuais e criar outras. Mas as discussões já começaram a se arrastar. Houve oposição à ampliação das áreas marinhas protegidas porque os países queriam preservar seu direito de acesso às águas ricas em krill e outros recursos naturais, como minerais e petróleo.

Caso essa AMP seja criada, ela se tornaria a maior reserva natural do mundo.

As propostas

São três as propostas que serão discutidas esse ano. Elas são distintas, e cada uma oferece uma esperança diferente de avanço.

A proposta mais antiga busca proteger três grandes blocos oceânicos, incluindo o leito marinho, ao longo da Antártida Oriental, em uma área com recifes coralinos de água fria onde pinguins buscam alimento. Ela foi abordada durantes as discussões na CCAMLR por seis anos consecutivos, mas até agora não houve progresso significativo.

Ao longo dos anos, no entanto, a proposta se tornou menos ambiciosa. Inicialmente, eram incluídas sete áreas que, juntas, correspondiam a 1,9 milhão de kmde oceano; atualmente, sobraram apenas três áreas que cobrem 1 milhão de km2. A proposta tem como objetivo conservar ecossistemas e elementos naturais únicos, incluindo os locais onde é originada a água de fundo da Antártida (água mais fria do oceano que exerce uma grande influência sobre a movimentação das correntes).

A segunda proposta, que está em fase de discussão no comitê científico – uma fase antes de chegar à Convenção –, busca criar uma AMP de 1,8 milhão de km2 na área do Mar de Weddell e adjacente à Península Antártica. Caso essa AMP seja criada, ela se tornaria a maior reserva natural do mundo.

A AMP de Weddell foi originalmente apresentada pela União Europeia e, desde então, já conquistou o apoio de vários países. Dois milhões de pessoas apoiaram uma campanha lançada pela Greenpeace para pressionar os governos a aprovar a unidade de conservação e espera-se que a proposta chegue à Convenção ainda este ano, quando sua aprovação será discutida.

“Isso criaria um refúgio seguro para pinguins, baleias e krill, protegendo o seu ambiente natural”, disse Louisa Casson, ativista pela defesa dos oceanos da Greenpeace. “O Mar de Weddell é um dos lugares mais prístinos do planeta, temos a oportunidade de protegê-lo antes que qualquer dano seja feito”.

Por último, há a proposta em que a Argentina e o Chile trabalharam juntos, para criar uma AMP em uma região ao oeste da Península Antártida. A proposta está em fase inicial e será submetida ao comitê científico durante o encontro deste ano. A área é bastante vulnerável aos impactos do turismo, da atividade pesqueira e do aquecimento global.

“Essa área da Antártida é a mais afetada do mundo pelo aquecimento global e já sofreu uma redução drástica na quantidade de gelo. É também o principal centro de pesca de krill na região”, declarou Rodolfo Werner, conselheiro sênior da Coalizão Antártica e do Oceano Austral (ASOC) e participante dos encontros da CCAMLR há mais de dez anos.

O que está em jogo?

Segundo especialistas, a falha em ampliar as AMPs para incluir a Antártida pode ter consequências graves para os ecossistemas, considerando-se que, após 2048, o atual protocolo ambiental que proíbe a mineração (o Tratado da Antártida) deverá ser revisto.

Os geólogos estimam que a Antártida guarda pelo menos 36 bilhões de barris de petróleo e gás natural, embora haja uma variação muito grande nas estimativas. As mudanças climáticas, aliadas à pesca em escala industrial, já estão ameaçando a população de krill nas águas antárticas. A população de pinguins pode ser reduzida em quase um terço até o final do século devido às mudanças de tamanho do krill, que pode encolher em até 40%.

As populações de krill já sofreram uma queda de 80% desde a década de 1970, graças a uma expansão da indústria pesqueira de krill, que tem uma previsão de crescimento de 12% ao ano durante os próximos três anos.

Ao mesmo tempo, o turismo na Antártida vem crescendo desde 2011: 41,966 pessoas viajaram para a região no período entre 2017 e 2018 – um crescimento de 16% em relação ao período anterior, segundo a Associação Internacional das Operadoras de Turismo Antártico (IAATO). Isso vem exercendo uma pressão enorme sobre a biodiversidade local.

Possíveis desfechos

Os especialistas entrevistados pela chinadialogue manifestaram sentimentos contraditórios. Alguns têm esperança de que as novas propostas de conservação serão aprovadas, mas outros são bem menos otimistas.

Para Mike Walker, coordenador da ASOC na Europa que trabalhou na campanha do Mar de Ross, o encontro deste ano “está mais bem posicionado” do que o do ano passado, graças aos esforços diplomáticos que foram realizados antes da sua realização.

Enquanto isso, para Mariano Aguas, chefe do programa antártico para a ONG argentina Vida Silvestre, “não haverá muito progresso” porque os países mantêm posições fortes e mutuamente excludentes.

“A CCAMLR arrisca manchar a sua reputação caso não consiga avançar este ano”, afirma Andrea Kavanagh, diretora da Pew para os projetos da Antártida e do Oceano Austral. “Eles prometeram criar uma rede de AMPs para preservar a biodiversidade na área, porém, se não conseguirem fazer isso, suas prioridades serão questionadas”.

Posições dos países

Segundo as regras da CCAMLR, todos os 25 membros da Convenção – 24 países e a União Europeia – devem concordar com a proposta para que ela seja adotada. A necessidade de um consenso universal tornou o caminho mais desafiador, uma vez que os países negociadores têm interesses muito divergentes.

Tudo se resume a um conflito entre países majoritariamente ocidentais que buscam estabelecer AMPs “no-take” – ou seja, onde a pesca, mineração, perfuração e outras indústrias extrativas são proibidas – e países que desejam manter os direitos de pesca e outras formas de extração, como a China e a Rússia, diz o Dr. Nengye Liu, professor sênior da Universidade de Adelaide.

“O debate é entre a pesca e a conservação. Houve uma mudança entre os países desenvolvidos, que estão fazendo pressão para que todas as atividades nas AMPs sejam proibidas. Isso ainda não aconteceu na China, que na última década se tornou o principal produtor mundial na área de pesca marinha”, disse ele.

“A China está se movendo em direção à pesca sustentável; isso significa que eles querem continuar pescando no futuro”, acrescentou o professor.

A China começou a pescar o krill antártico em 2009 e expandiu rapidamente as suas atividades. Ao lado da Noruega e da Coreia do Sul, está entre as maiores nações pesqueiras de krill na Antártida, sendo que é da Noruega a liderança em captura e capacidade de processamento; a China é líder em número de embarcações.

Em 2017, o 13º Plano Quinquenal da China para a tecnologia da indústria pesqueira exigiu que o país aumentasse sua capacidade de pesca e processamento de krill. Mas um livro branco sobre a atividade da China na Antártida, publicado no mesmo ano pela Administração Oceânica do Estado, incluiu a conservação ambiental como um dos princípios-chave.

“A China não se opõe às AMPs, mas quer um pouco mais de tempo para pensar sobre a questão”, disse Jiliang Chen, pesquisador do Greenovation Hub e especialista na política antártica da China.

“É consenso que a rede precisa ser estabelecida, mas os países pesqueiros (como a China) têm preocupações adicionais”.

Um estudo da Greenpeace analisou a movimentação dos barcos para pesca de krill na região e descobriu que eles estavam operando cada vez mais “nas adjacências das colônias de pinguins e áreas de alimentação de baleias”. O estudo também destacou o grande número de incidentes envolvendo barcos de pesca, como aterramentos, derramamentos de petróleo e acidentes.

Reconhecendo seu papel nisso tudo, um grupo de empresas responsável por 85% da pesca de krill nas águas da Antártida anunciou uma “parada permanente voluntária” das suas operações em áreas-chave, incluindo nas “zonas buffer” em torno de áreas de reprodução de pinguins. O movimento pressionou os governos a agirem de forma mais rápida na questão das AMPs.

As reservas marinhas antárticas oferecem uma rara oportunidade para desenvolver atividades de conservação e pesquisa em áreas naturais praticamente intocadas, dizem os especialistas. Embora o status de MPA não consiga evitar os efeitos das mudanças climáticas, ele pode ajudar no sentido de não exacerbar os impactos causados por outras atividades.

É interessante ressaltar que os parques marinhos antárticos fazem parte de um esforço internacional maior que busca proteger 10% dos oceanos do mundo através de AMPs até 2020 – uma meta desafiadora se considerarmos que menos de 4% dos oceanos são protegidos atualmente.

“Quando olhamos para trás, fica claro que conseguimos enormes avanços. Tudo demora muito, mas é assim que funciona”, disse Kavanagh. “Os países que antes se importavam apenas com a pesca agora estão assumindo compromissos diferentes. A Rússia fez um belo trabalho nas áreas protegidas do Ártico. A China está realmente preocupada com as mudanças climáticas. Temos todos os motivos do mundo para sermos esperançosos e otimistas”.