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A cooperação entre China e América Latina deverá tentar resolver problemas ambientais

A cooperação com a China deverá acarretar beneficios para os cidadãos das regiões.

A interação econômica e política entre China e América Latina será uma das forças decisivas desta década e, quem sabe, deste século. A aproximação maior entre as duas regiões, anunciada na semana passada no Fórum China-CELAC, em Pequim, corrobora esta tendência.

No encontro, presenciado por diversos líderes latino-americanos, o presidente chinês Xi Jinping comprometeu-se a investir US$ 250 bilhões na região ao longo dos próximos 10 anos, além de aprovar uma cooperação mais estreita em áreas importantes como energia, comércio e economia.

É imperativo que se encontrem interesses comuns entre China e América Latina, já que os países em questão precisam implantar soluções inovadoras para o desenvolvimento de uma população que está não apenas em expansão, mas também mais exigente.

Sejam eles cidadãos de Tianjin ou de Lima, cada vez mais os anseios são os mesmos: morar em uma cidade cuja qualidade da água ou do ar não os levará a uma morte prematura.

Tendo tratado a urbanização de maneira equivocada tanto na América Latina quanto na China, os respectivos governos terão que enfrentar protestos cada vez mais frequentes de seus cidadãos, caso haja piora nos níveis de poluição, congestionamento e escassez de água.

No entanto, se esta nova via de cooperação for capaz de gerar um desenvolvimento novo e sustentável, isto terá um impacto de escala sem precedentes, mudando a vida de centenas de milhões de cidadãos.

A ideia de uma relação mais estreita agrada a muitos, sem dúvida. Mas o cenário real demanda prudência. A escolha dos projetos que serão fomentados pela China-CELAC poderá determinar se os cidadãos chineses e latino-americanos se beneficiarão de melhores níveis de desenvolvimento e qualidade de vida. Ou não.

De imediato, os anúncios iniciais feitos no fórum não foram encorajadores, além de ignorarem alguns dos problemas de desenvolvimento mais urgentes da região.

Em sua busca por ultrapassar os Estados Unidos, a segunda maior economia do mundo tem fome de recursos. Hoje, a China já injeta bilhões de dólares na América Latina em troca do petróleo venezuelano, da soja argentina e brasileira e do cobre peruano e chileno. O país asiático tornou-se o segundo maior parceiro comercial e a terceira maior fonte de investimentos da região.

No entanto, a América Latina já não cresce em ritmo tão acelerado quanto há alguns anos, aumentando a importância dos compromissos de investimento estrangeiro. A meta é aumentar o volume de transações comerciais na parceria com a China para US$ 500 bilhões.

Isto significa que a América Latina deverá ter objetivos claros em mente ao lidar com a atenção crescente que tem recebido da China.

Energia, transportes e água

Energia com baixa emissão de carbono; transportes sustentáveis e desenvolvimento urbano; e conservação de água são as três áreas principais que devem ser integradas explicitamente.

A energia limpa tem um grande potencial na América Latina, pois a região é considerada “umas das principais frentes para investimentos em energia limpa.” Entre 2006 e 2013, a América Latina atraiu um total acumulado de US$ 132 bilhões (dos quais US$ 93,4 bilhões foram direcionados ao desenvolvimento de novos projetos).

A China representará quase 40% da expansão global de consumo da capacidade energética provinda de fontes renováveis. Entre 2003 e 2011, a geração de eletricidade de fontes renováveis na China aumentou quase 12%, enquanto a tendência global foi um aumento de apenas 5%. O Fórum China-CELAC precisa acelerar o passo desta transição energética – e não criar barreiras. Seria um engano ancorar esta plataforma em combustíveis fósseis poluidores.

No entanto, os foros China-CELAC para energia e tecnologia, anunciado pelo presidente equatoriano Rafael Correa, poderá introduzir iniciativas na área de energia de baixo carbono até setembro deste ano.

Estima-se que a população urbana da China aumentará em 350 milhões de pessoas nos próximos 20 anos. O governo chinês já enfrenta protestos públicos motivados pela poluição atmosférica, os quais têm se transformado em manifestações ambientais mais amplas (há um crescimento médio de 29% deste tipo de manifestação a cada ano, com aumento de 120% no número de protestos entre 2010 e 2011). A América Latina também enfrenta enormes desafios à medida em que cada vez mais pessoas se mudam para as cidades. O Fórum poderá gerar uma plataforma colaborativa focada no planejamento urbano de longo prazo, tendo em vista cidades com baixa emissão de carbono e meios de transporte limpos. É possível também que a proposta de construção de uma ferrovia entre Peru e Brasil seja abordada no Fórum China-CELAC, o que poderia fazer sentido no âmbito do evento.

Haja vista a busca chinesa por uma solução para suas crises hídricas crônicas e a luta da América Latina contra uma escassez cada vez maior de água, as discussões do Fórum China-CELAC poderão também abordar a conservação deste recurso essencial, acelerando a criação de soluções para um problema que afetará tanto os governos quanto a população e os negócios. O evento também poderá buscar uma maior conscientização sobre as relações entre água, alimento e energia.

Aproveitando a oportunidade

A América Latina está mais democrática e urbana do que nunca. Ao longo desta década, a região precisará avançar ainda mais nas áreas em que já houve melhoria, ainda que com muito esforço – expansão da classe média, redução da pobreza extrema e estabilidade política –, com o objetivo de trazer prosperidade à grande maioria dos latino-americanos.

Hoje, a região precisa tomar decisões críticas para enfrentar alguns problemas fundamentais. Tomemos como exemplo a urbanização. A América Latina possui a maior porcentagem mundial de pessoas morando nas cidades – 80% –, e suas áreas urbanas já não estão cumprindo sua função. Os países latino-americanos precisam alcançar um novo consenso interno quanto aos investimentos públicos e privados em infraestrutura: Quais serão os tipos de energia que abastecerão as casas, prédios e fábricas? Como deverá ser feita a expansão das cidades e o desenvolvimento das áreas urbanas? Como os nossos recursos naturais deverão ser utilizados ao longo do tempo?

Os governos e o setor privado (exportadores, importadores, turismo) deverão resistir à lógica do “vale tudo” que muitas vezes prevalece quando as decisões são baseadas apenas nos resultados de curto prazo. Cada país deverá definir internamente quais estratégias de longo prazo melhor atenderão aos objetivos nacionais nas áreas de energia, infraestrutura de transportes e urbanização. O fato é que a China sabe o que quer da América Latina – recursos, influência, aliados. Mas a América Latina sabe o que quer da China?