Clima & energia

China aposta em usinas solares e eólicas no Brasil

Após compras recentes, empresas chinesas agora detêm quase um quinto da capacidade desse tipo de energia no país
<p>A usina de Nova Olinda é a segunda maior do Brasil. (Imagem: Governo do Piauí)</p>

A usina de Nova Olinda é a segunda maior do Brasil. (Imagem: Governo do Piauí)

Bastaram dois meses e alguns bilhões de dólares para a empresa China General Nuclear Power Group (CGN) se tornar um dos maiores produtores de energia limpa do Brasil. Entre maio e julho, a empresa adquiriu duas usinas de energia solar — incluindo a segunda maior do país — e seis parques eólicos.

As empresas chinesas já vinham desempenhando um papel importante no setor de energia brasileiro, detendo cerca de 10% da capacidade elétrica do país — principalmente após grandes compras em anos recentes pela State Grid e pela China Three Gorges; sem mencionar os milhares de quilômetros de linhas de transmissão ainda em construção.

Mas a nova compra da CGN sedimentou a presença chinesa no próspero mercado brasileiro de novas energias. Segundo uma análise de dados públicos feita pelo Dialogo Chino, os novos investimentos significam que empresas chinesas agora detêm 16% da capacidade eólica do Brasil, e 21% de sua capacidade solar — um total de 2.822 megawatts.

José Mauro de Morais, especialista em energia eólica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que as empresas chinesas são atraídas por um mercado promissor que tende a crescer ainda mais.

Entre 2013 e 2019, fontes de energia renovável, que representavam 78,7% da matriz energética brasileira, passaram a representar 83,2%. O crescimento se deve à proliferação de energia eólica e solar em território nacional. A energia eólica, que representava 1,7% da matriz energética, saltou para 9% em apenas seis anos. A energia solar cresceu de zero para 1,7%, enquanto a participação da energia hídrica caiu.

“Essas usinas de energia renovável são muito competitivas. Podem competir com termoelétricas, que usam combustíveis fósseis”, conta Morais. “A China percebeu isso. Há muito espaço para energias renováveis no Brasil”.

Corrida por investimentos chineses

Em maio, a CGN comprou duas das maiores usinas de energia solar do Brasil, Nova Olinda e Lapa, da empresa italiana Enel, que detém o maior portfólio solar do país. Dois meses depois, em julho, comprou também a empresa brasileira Atlantic e seu pesado portfólio de energia eólica, que inclui alguns dos parques eólicos brasileiros mais importantes.

Os novos investimentos alimentaram expectativas de que há mais por vir. José Roberto Moraes, CEO da Atlantic, passou a última semana levando executivos chineses a diferentes estados para observar projetos em desenvolvimento, conhecer representantes do governo e identificar novos possíveis investimentos.

“Eles estão dispostos a investir não apenas em energia solar, mas também na eólica. Com isso, é possível que novos projetos surjam”, afirma. “É uma expectativa. Temos que esperar e ver.”

Enquanto isso, representantes do governo brasileiro estão indo à China para apresentar seus projetos. Governadores de alguns estados visitaram a China este ano, como o governador do Piauí e da Bahia, dois dos estados nos quais a CGN está investindo.

“O Piauí foi um dos estados escolhidos!”, escreveu o governador do Piauí, Wellington Dias, horas depois de embarcar num avião para a China numa missão para conseguir mais investimentos semana passada.

Segundo o governo de Dias, a CGN está investindo 3,7 bilhões de reais em projetos de energia entre a Bahia e o Piauí.

A jogada pode também se mostrar estratégica para as empresas chinesas que produzem turbinas e painéis solares, já que muitos esperam que as usinas recém-compradas funcionem com tecnologia chinesa.

“Isso vai forçar as empresas brasileiras a serem mais competitivas”, argumenta Morais. “Reforça a tendência de redução de preços”.

Grande potencial

O último leilão realizado pelo governo brasileiro em junho alcançou os preços mais baixos já vistos no país para a venda de energia produzida por usinas eólicas e solares. Isso significa que as empresas estão dispostas a aceitar menos dinheiro para vender a energia que produzem.

Esse cenário é bom para o Brasil, que ainda depende de hidrelétricas cada vez mais controversas. Nos últimos anos, várias usinas hidrelétricas começaram a ser construídas na floresta Amazônica, gerando protestos por parte de ativistas e comunidades indígenas contra o enorme impacto socioambiental dos projetos.

83,2%


da matriz energética do Brasil é baseada em fontes renováveis

A vulnerabilidade da energia hídrica ao clima também tem sido um problema para o governo brasileiro. Entre 2011 e 2015, enquanto o país enfrentava fortes secas, o governo foi forçado a aumentar a proporção de combustíveis fósseis em sua matriz energética, levando a um vertiginoso aumento nos preços da energia no país. Usinas eólicas e solares poderiam ocupar esse espaço.

Este ano, frente aos baixos níveis de água nas represas brasileiras, o governo já começou a recorrer às usinas termoelétricas, o que possivelmente vai levar a um novo aumento de preços.

O Brasil tem um grande potencial de produzir energia solar e eólica barata. Segundo Morais, a utilização média de um parque eólico no Brasil é muito mais alta do que em outros países. Esse valor é medido pelo fator de capacidade, que é a proporção da capacidade energia empregada em um determinado período de tempo. Segundo uma cartilha do governo brasileiro, os parques eólicos do país têm uma capacidade instalada média de 42%, enquanto a média mundial é de 25%.

Na China, a capacidade instalada média é de 16%. Estados do nordeste brasileiro, como o Rio Grande do Norte e Piauí, onde a CGN está investindo, estão entre os mais bem localizados para produzir energia eólica.

A situação é a mesma para a energia solar. Embora o Brasil não esteja entre os países que mais recebem radiação solar, como a Austrália, tem mais potencial que a maior parte da Europa. Em alguns estados como Bahia e Minas Gerais, a radiação solar pode alcançar 6,5 kilowatts/hora por metro quadrado por dia — quase o dobro da radiação máxima observada em um dos países líderes de energia solar, a Alemanha, de 3,4 kilowatts/hora