Clima

Rumo a um acordo fraco em Paris

Tudo indica que ele surtirá pouco efeito sobre o aquecimento global

As discussões climáticas promovidas pela ONU nesta semana são a última grande oportunidade de elaboração de um texto mais refinado para ser negociado na COP 21, que será realizada em Paris. No entanto, as manifestações iniciais dos principais emissores de gases do efeito estufa sugerem que ainda falta algo indispensável: a boa vontade para fazer concessões.

Ainda existe um grande abismo entre os países industrializados e os emergentes no que diz respeito a questões importantes, tais como quem deverá assumir o ônus dos cortes de emissões, como aumentar o financiamento climático e qual será o status jurídico do acordo eventualmente firmado em Paris. Se não houver grandes avanços nestes aspectos críticos, o acordo que sairá no final do ano provavelmente será fraco, com pouquíssimas chances de conseguir limitar a 2ºC o aumento das temperaturas médias globais.

Em seu último relatório, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas salientou que a viabilidade da meta de 2ºC exigiria que as emissões no mundo atingissem seu pico na próxima década e caíssem muito rapidamente após isto, algo que dependeria de cortes muito mais profundos do que os propostos até agora.

As discussões desta semana começaram mal, com uma declaração da África do Sul, líder do bloco de negociação G-77+China, composto por países em desenvolvimento: o país africano pediu que os países ricos se comprometam a fazer cortes antes de 2020, um prazo mais curto do que o provável escopo de qualquer potencial acordo firmado na capital francesa.

A China, que também integra o grupo BASIC de grandes economias em desenvolvimento, disse que, após 2020, os países ricos devem entregar diversos elementos fundamentais de um eventual acordo, entre eles o financiamento climático e a transferência de tecnologia, e não apenas os cortes nas emissões.

Para muitos, a profundidade dos cortes nas emissões – um processo também conhecido como mitigação – ainda é uma grande fonte de preocupação. Os planos climáticos nacionais encaminhados até agora por 57 países (entre eles os 28 membros da UE) têm ficado muito aquém do que seria necessário para viabilizar o limite de 2ºC, além de variarem muito em termos de transparência, de acordo com um estudo comparativo publicado na terça-feira pelo World Resources Institute (WRI).

Apesar das incertezas quanto à escala dos cortes nas emissões, a ONU está confiante que os planos climáticos encaminhados até agora possam construir um acordo que levará tanto os países ricos quanto os pobres a aceitarem compromissos com a redução das emissões, compromissos estes que poderão ser ampliados ainda mais no futuro.

“Por si só, as Contribuições Nacionais Pretendidas (INDCs, na sigla em inglês) recebidas antes da reunião em Paris não vão nos manter abaixo dos 2ºC de aquecimento neste século. Mas eles reforçam um afastamento forte e positivo do jeito atual de fazer as coisas e formarão o fundamento essencial para se alcançar o objetivo pretendido, se os governos concordarem claramente em intensificar as ambições ao longo do tempo”, disse a chefe para assuntos climáticos da ONU, Christiana Figueres, no início das conversas nesta semana.

Mas o acordo preliminar é um calhamaço de 83 páginas, salpicado de textos entre colchetes, que são a forma utilizada pela ONU para indicar pontos de divergência. Isto tem levado os países ricos a se preocuparem ainda mais com uma possível defasagem entre as negociações técnicas e as discussões políticas de alto nível, que estariam relativamente mais avançadas.

Financiamento

A questão do financiamento ainda é um grande entrave aos avanços em outras áreas das discussões, apesar das tentativas dos anfitriões franceses da COP 21 de dar um impulso nesta questão, com a apresentação de diversas propostas para o repasse de dinheiro do financiamento climático para países em desenvolvimento.

Os países pobres demonstram ceticismo quanto à garantia feita em 2009 por Hillary Clinton – Secretária de Estado norte-americana na época – de atingir a meta de US$ 100 bilhões por ano de financiamento climático até 2020.

Os países ricos sempre alegaram que o financiamento privado teria um grande papel, mas as nações em desenvolvimento têm insistido que uma fatia muito maior dos recursos seja aportada pelos governos, depositada em fundos como o Green Climate Fund, os quais devem ser claramente tratados como um auxílio adicional à assistência internacional já existente.

“Os truques contábeis e as declarações políticas, por si só, não resolverão o problema maior do financiamento climático”, disse Alix Mazounie, da associação especializada em questões climáticas Reseau Action Climat France. A ativista repercute a indignação crescente de ativistas e dos países mais pobres do mundo, que acreditam que os países ricos estejam tentando se livrar de seus compromissos anteriores com o financiamento da energia de baixo carbono e a adaptação às mudanças no clima.

Ações judiciais

Frustrados pela falta de avanço nas negociações na ONU, alguns dos países mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas – especialmente os pequenos países-ilhas ameaçados pela subida dos níveis dos mares – resolveram processar empresas que extraem ou utilizam carvão mineral, o combustível mais responsabilizado pelo aquecimento global.

No entanto, em Bonn, os países ricos continuam a se opor a uma cláusula de compensação por perdas e danos causados pelos impactos das mudanças climáticas. Caso tal medida seja incluída no acordo de Paris, eles temem uma avalanche de litigações.

As discussões se inserem em um contexto de commodities sendo negociadas a preços historicamente baixos, levantando esperanças, por um lado, de que a indústria de recursos naturais contenha os investimentos futuros e reconheça que uma maior regulação dos combustíveis fósseis tornará suas reservas e ativos cada vez mais inviáveis, de um ponto de vista econômico.

Por outro lado, alguns temem que os baixos preços do petróleo e do carvão desacelerem a transição para as energias renováveis.