Indústrias Extrativistas

Protesto indígena coloca em xeque governo do Equador

Manifestações retornam no próximo dia 16 de setembro

A relação, já tensa, entre o governo de Rafael Correa e as comunidades indígenas no Equador se viu abalada por protestos em nível nacional, que resultaram em mais de 140 detidos e estão longe de terminar. As reclamações colocam em discussão o meio ambiente e o projeto de modificar a Constituição para habilitar a reeleição presidencial. Depois de percorrer grande parte do país, as organizações indígenas agrupadas na Confederação das Nações Indígenas do Equador (Conaie) chegaram a Quito para levar sua longa lista de reclamações a Correa. Após 10 dias na cidade e vários enfrentamentos com a polícia, a Conaie pôs fim aos protestos, mas só temporariamente, pois já anunciou uma nova marcha. Correa assegurou que não cederá à violência e afirmou que as manifestações dos grupos indígenas fazem o “jogo da direita” e de outros poderosos grupos nacionais e internacionais, interessados em desestabilizar os chamados governos progressistas da América Latina, garantindo que está frente a um golpe de estado do tipo “branco” em tais países. “O governo violou direitos históricos dos indígenas e direitos constitucionais do país. Correa havia se comprometido a realizar uma reforma política e econômica estrutural, porém acabou por se render ao sistema capitalista. Este não é um governo de esquerda, é racista e impotente,” afirmou Jorge Herrera, presidente da Conaie, ao ser inquirido pelo Diálogo Chino. A chegada de empresas petroleiras e de mineração ao Equador, muitas delas chinesas, é parte importante das reivindicações da Conaie e outras organizações. O governo reorientou sua agenda de desenvolvimento para atividades extrativistas nos últimos anos e acumulou grandes dívidas com a China. Com a grande maioria dos projetos petrolíferos ainda por começar, Correa já acertou, inclusive, de maneira antecipada, a venda desse futuro petróleo à China, em troca de financiamentos, uma decisão duramente criticada pelas comunidades indígenas, somando-se a isso o fato de não haver realizado as consultas prévias correspondentes. “O governo pretendeu ampliar a fronteira petrolífera, porém o processo está parado graças à nossa resistência. Somente algumas licitações foram realizadas por via judicial. Com a mineração, por outro lado, houve algum avanço com a construção de infraestrutura, mas não com a exploração a céu aberto. Há um grande investimento de capital chinês”, afirmaram ao Diálogo Chino alguns membros da equipe de comunicação da Confeniae, uma organização indígena amazônica do Equador. Além dos projetos citados, um dos principais desencadeantes do protesto foi o fracasso da iniciativa Yasuní, que se propôs a frear um plano petrolífero no parque nacional homônimo, em troca de uma significativa contribuição econômica internacional, que ao final não se concretizou. O fato de não avançar mostra a aliança de Correa com empresas internacionais, asseguram as comunidades indígenas. “O meio ambiente tem um papel importante nessa oposição, especialmente depois da iniciativa do Yasuní. Seu fracasso teve um preço político muito alto para o governo, pois os ambientalistas que o apoiavam voltaram-lhes as costas e Correa, em vez de buscar a conciliação, também lhes deu as costas da mesma maneira. Houve o rompimento com os ambientalistas”, afirmou ao Diálogo Chino Michel Levi, coordenador do Centro Andino de Estudos Internacionais da Universidade Andina Simón Bolivar, com sede no Equador. Leis controversas Entre os pontos que unem e mobilizam os indígenas, estão duas iniciativas legislativas relacionadas ao meio ambiente: a Lei das Águas e a Lei das Terras. A Lei de Recursos Hídricos nomeia uma única autoridade governamental para o controle das fontes de água no Equador. Ancestralmente este recurso era de responsabilidade das comunidades camponesas e indígenas que viviam nas zonas altas e páramos (planícies desérticas), onde têm origem os aquíferos, algo que se pretende modificar com a nova legislação. A Conaie propôs, em junho, uma ação de inconstitucionalidade contra a lei e seu regulamento, porque considera que viola os direitos dos povos indígenas e não foi adequadamente consultada. A norma afeta a gestão comunitária do recurso hídrico e não cria mecanismos para eliminar a monopolização da água, de acordo com a organização indígena. “Pedimos a revogação da lei de recursos hídricos porque sua sanção não foi democrática e viola os direitos territoriais, sem permitir a participação dos indígenas. Busca-se um controle político sobre as organizações, priorizando o critério de eficiência e produtividade sobre o direito humano à água e à soberania alimentar”, sustentou Herrera. Ao mesmo tempo, a Lei Orgânica das Terras Rurais e Territórios Ancestrais também é questionada pelo setor camponês. A norma cria uma única autoridade agrária, que deverá tentar resolver o problema de escassez de terra produtiva no Equador. Enquanto em 1970 existiam 1,63 hectares agrícolas por habitante, em 2014 essa superfície foi reduzida a 0,43 e espera-se que baixe a 0,31 este ano. Os proprietários rurais cujas terras sejam improdutivas serão notificados pela autoridade agrária para que, no prazo de um ano, essas terras estejam produzindo, com a ameaça de expropriação, no caso do não cumprimento da ordem. As organizações indígenas consideram necessário estabelecer com clareza as causas para que uma área seja considerada improdutiva, a fim de evitar expropriações injustificadas. Correa assumiu seu primeiro mandato no Equador em 2006, com o apoio majoritário de 90% da população e que, agora, está ao redor de 60%, segundo recentes pesquisas. O presidente vai completar 10 anos no poder quando encerrar seu mandato no próximo ano, e poderá estendê-lo mais ainda, se concretizar a reforma constitucional repelida pelos grupos indígenas. A assembléia e os próximos passos Depois das dezenas de prisões em Quito, a Conaie realizou uma assembléia geral e declarou sua trégua, que se estendeu de 2 a 23 de agosto. Entretanto, o compromisso foi de continuar com os protestos e é por isso que se estabeleceu o dia 16 de setembro como a data para uma nova mobilização em escala nacional. “O governo federal, desde seu início, vinha utilizando várias estratégias para dividir o movimento indígena. Porém conseguimos demonstrar que na Conaie estamos firmes e mais unidos que nunca. Não foi uma ação isolada nas serras e na Amazônia, mas nas três regiões do país. O compromisso é seguir em frente”, concluiu Herrera na assembléia.