Natureza

Um novo acordo para a natureza – grande transformação ou apenas a versão 2.0 de Aichi?

Atualização de metas e objetivos já foi publicada, mas, para ambientalistas, ainda é insuficiente
<p>Biodiversidade de um recife de coral tropical na ilha de Sipadan, na Malásia (imagem: Alamy)</p>

Biodiversidade de um recife de coral tropical na ilha de Sipadan, na Malásia (imagem: Alamy)

As negociações na ONU em busca de um novo acordo global para proteger a natureza preocupam os ambientalistas, uma vez que as novas propostas contêm falhas semelhantes àquelas que buscam substituir: as Metas de Aichi para a biodiversidade.

As negociações, lideradas pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) da ONU, pretendem estabelecer um novo plano internacional para reduzir a perda da biodiversidade e a degradação dos ecossistemas. Segundo os cientistas, esses problemas estão acelerando e abrindo o caminho para uma sexta extinção em massa.

A pandemia acabou atrasando o processo, inclusive a última reunião onde o acordo seria finalizado, conhecida como COP15. O encontro estava planejado para outubro deste ano e seria realizado na cidade chinesa de Kunming, mas acabou sendo adiado.

Apesar disso, vários eventos online ocorreram na semana passada para atualizar os stakeholders e também para compartilhar novos documentos, incluindo uma revisão das metas e objetivos delineados no “Esboço Zero” de janeiro.

Novo acordo para a natureza: O desenvolvimento agrário e a degradação

O novo texto manteve o objetivo de aumentar as áreas protegidas, tanto as terrestres como as marinhas, que passariam de 17%, conforme estabelecido nas metas de Aichi, para pelo menos 30%. “A meta reflete o que há de mais novo na ciência, e a sua inclusão é algo muito positivo”, disse Michael Degnan, diretor adjunto da Campaign for Nature.

Você Sabia?…

  • A Convenção sobre Diversidade Biológica - ou CBD - é um acordo internacional que foi alcançado na Cúpula da Terra das Nações Unidas no Brasil em 1992.
  • Ela tem três objetivos: a conservação da biodiversidade, o uso sustentável de seus componentes e o compartilhamento justo de benefícios decorrentes do uso de recursos genéticos.

No entanto, uma das metas contidas no “Esboço Zero” falava sobre alcançar “um aumento líquido em área, conectividade e integridade”, mas ela acabou sendo removida. Linda Krueger, assessora sênior para políticas da The Nature Conservancy, afirmou que isso foi uma “grande decepção”.

A meta era vital para lidar com a perda de habitats que vem acontecendo em decorrência do desenvolvimento, uma vez que a perda de habitats é uma das principais causas da perda da biodiversidade, afirma ela. “É absolutamente necessário ter uma meta explícita em que a sociedade se compromete a solucionar o problema porque vários ecossistemas já sofreram os impactos do alto nível de desenvolvimento”, afirma ela.

Se a questão da perda de terra causada pelo desenvolvimento não for solucionada, os ecossistemas naturais encolherão e serão cada vez mais degradados. Isso acontecerá mesmo que as áreas protegidas sejam expandidas, pois a proteção de algumas áreas apenas empurraria o desenvolvimento para outras áreas, explica ela. Esse poderia ser o elemento transformativo do acordo, mas, até agora, não foi incluído, acrescentou.

Saúde humana, uma consideração tardia?

A saúde humana foi incluída no novo texto, que buscou assegurar a regulamentação, a sustentabilidade e a segurança – tanto para a saúde humana como para a biodiversidade – do comércio e do uso de espécies silvestres da fauna e da flora.

Mas isso não impressionou os ambientalistas. “A CDB é o melhor processo que nós temos para combater de forma direta a atual crise sanitária porque é muito provável que ela tenha origem em um desequilíbrio da natureza. A CDB tem um papel a desempenhar na restauração disso tudo”, disse Li Shuo, assessor sênior de políticas globais da Greenpeace no Leste Asiático.

“Não acho que as pessoas souberam aproveitar as oportunidades que se apresentaram no cenário da Covid-19. A CDB poderia ter demonstrado que a comunidade global faz a diferença na prevenção de doenças zoonóticas”, disse ele.

Várias das metas são apenas reformulações do que foi escrito em Aichi. Pode ser que tenham incluído números novos e mais ambiciosos, mas não tem nada realmente transformador

Krueger acrescentou: “Eles salpicaram a palavra ‘saúde’ aqui e ali, mas não sei se foi forte o suficiente para impulsionar a agenda da biodiversidade”.

Apesar disso, Degnan disse que as futuras negociações abordarão de forma explícita a ligação que existe entre a saúde humana e a exploração da biodiversidade. Ele também contou que os cientistas da Plataforma Intergovernamental de Ciência e Política sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos estavam produzindo um importante relatório sobre a questão para o segundo semestre, ajudando a informar a CDB.

O texto atualizado contém marcos novos e importantes para 2030 que ajudarão a medir o progresso para concretizar a visão de 2050: “viver em harmonia com a natureza”. Caso os marcos não sejam atingidos, a CDB terá tempo para tomar providências, disse Basile van Havre, copresidente do Grupo de Trabalho Aberto do Quadro Global de Biodiversidade Pós-2020, aos participantes de um dos eventos online realizados esta semana.

Ele sugeriu um levantamento global como forma de assegurar o progresso dos marcos, acrescentando que a CDB poderia explorar quando e com que frequência isso deveria acontecer.

O segundo copresidente do grupo, Francis Ogwal, acrescentou que, no caso de um país não atingir os marcos, seria importante analisar até que ponto a falta de capacidade e de recursos teria influenciado isso.

Tempo limitado para concluir o pacote

Várias questões foram levantadas ao longo do processo de negociação da CDB e faltam apenas duas reuniões presenciais antes da COP15. Uma das reuniões é do Grupo de Trabalho Aberto e será onde os participantes da convenção conduzirão as principais negociações. A outra é dos órgãos subsidiários, incluindo cientistas e especialistas em políticas, e será mais técnica.

As novas metas e objetivos não serão mais negociadas pelos órgãos subsidiários, apesar de haver consenso na última reunião do Grupo de Trabalho Aberto de que seriam, disse Li Shuo da Greenpeace.

“Temos apenas duas reuniões antes da COP para concluir o pacote. Quando os órgãos subsidiários voltarem a se encontrar, as pessoas estarão arriscando suas vidas para participar das negociações. Se não discutirem as metas e objetivos, então para quê estarão lá?”, perguntou ele.

Foram levantadas dúvidas sobre a suficiência de uma única reunião para fixar metas e acordar questões de implementação e financiamento. Em um webinar, van Havre disse que um dos efeitos da atual crise sanitária mundial foi ganhar mais tempo para a CDB, que estaria aproveitando o momento para se preparar melhor.

Degnan estava mais otimista e disse que, apesar de ainda haver muito o que fazer, muitas reuniões serão realizadas antes e depois das principais negociações, o que significa que os detalhes poderão ser discutidos com mais calma.

De forma geral, Li está decepcionado com as novas metas. “Eu tenho uma sensação de déjà vu que me remete à Aichi. Quando leio [as metas], não sei quem tem que fazer o quê, como ou qual é o prazo”.

Krueger concorda e disse que nada no conteúdo novo aponta para um efeito transformador do acordo na natureza. “Várias das metas são apenas reformulações do que foi escrito em Aichi. Pode ser que tenham incluído números novos e mais ambiciosos, mas não tem nada realmente transformador”.

“Aichi não foi tão ruim assim – alcançamos algum progresso, mas as metas mais ousadas não foram alcançadas. Como poderíamos aumentar a eficácia desse novo acordo? Penso que passar dias e horas em negociações com o único intuito de ajustar as metas de Aichi não é o que vai promover as mudanças que precisamos”, afirma ela.