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O efeito da expansão chinesa no Equador e na Venezuela

Contratos assinados por ex-presiddentes sāo muito desiguais, segundo especialistas
<p>Presidente do Ecuador Lenín Moreno com presidente do China Xi Jinping (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/presidenciaecuador/44471677690/in/photolist-2aKNYpC-RoyHbh-2aKNXVb-2c78Pta-2c78Q86-2c78QU6-2aLSvb5-RpBC7N-2dvohCc-2aN9VMS-2dqktqb-RpByYJ-PMk4Rv-PMk5SZ-RpBAkS-2dvog5n-2dvogWx-2dvof1D-2dvogrz-2cpsAGC-2csKj1Q-2aN9XF1-2aN9WdS-2aN9Wu3-2aN9W4U-TTZ274-TTZddH-FG31CV-FG31Yz-25mirBH-YY72Jv-Pa5p7W-PnDZjD-XK9di7-Wtw5Au-WSgGyp-X1xZpo-Wtwagm-WPezHU-X54LbF-WPewgd-VMPqKC-X54DCk-X1xXmf-WtwvEh-WtwyrQ-WSgHzx-WPeAvA-WSgDyX-YKNdVH" target="_blank" rel="noopener">Presidencia de la República del Ecuador</a>)</p>

Presidente do Ecuador Lenín Moreno com presidente do China Xi Jinping (imagem: Presidencia de la República del Ecuador)

Durante 10 anos de relações políticas e financeiras, várias empresas chinesas receberam contratos em ambos os países para alcançar o ‘desenvolvimento’ que tanto anunciavam seus líderes venezuelano Hugo Chávez – sucedido por Nicolás Maduro, quando da sua morte – e equatoriano Rafael Correa. Porém, os resultados da aliança entre o gigante asiático e os estados latino-americanos deixaram resultados discretos, ambíguos e nebulosos nos processos de contratação.

A agressiva expansão chinesa na América Latina marcou a última década. Equador e Venezuela foram dois dos principais destinos de financiamento, tecnologia e mão de obra da China. A aliança sino-venezuelana nasceu com a criação do Fundo Sino Venezuelano, através do qual o governo da autodenominada Revolução Bolivariana entregou contratos milionários a empresas chinesas para a execução de obras de infraestrutura, construção de casas e edificações para o sistema elétrico, entre outras áreas. No Equador, a próxima e estreita relação com a China marcou a década de Rafael Correa no poder: sete, de cada 10 obras, nesse período, foram de responsabilidade de uma empresa chinesa, quase sempre atreladas ao financiamento de um banco chinês. Alguns desses projetos, tanto no Equador como na Venezuela, são hoje projetos falidos. A revisão de alguns desses acordos revelou as “entrelinhas” e as exigências impostas pelos chineses na hora de fechar negócios com a Venezuela.

A fórmula chinesa para amarrar a Venezuela

A Venezuela se agarrou à China. Em meados de setembro de 2017, a estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA) publicou, pela primeira vez, a cotação do petróleo venezuelano em iuanes. Foi a resposta de Caracas às sanções financeiras impostas pela administração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para impedir o governo venezuelano de contrair novas dívidas. “Decidimos iniciar uma nova etapa de comércio exterior com a utilização de moedas de mais fácil conversão em nível internacional, além do dólar”, advertiu o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, no início de setembro, após saber da medida adotada pelos EUA.

A cotação do cru venezuelano em iuanes parece ser algo mais que um símbolo. Aparece como resultado da relação que Caracas e Pequim forjaram desde o governo de Hugo Chávez, logo depois de começar o novo século. Mesmo concebida inicialmente como a fórmula para o “desenvolvimento” da Venezuela “socialista”, derivou em uma dependência do país caribenho para com a nação asiática.

Talvez 2008 tenha sido o momento em que a Venezuela uniu definitivamente seu destino ao da China. Nesse ano, foi inaugurado o escritório do Fundo Chinês Venezuelano, que depois resultou em um peculiar e questionado esquema de financiamento de pelo menos US$ 50 bilhões, sustentado com o petróleo venezuelano, a compra de mercadorias chinesas e a contratação de suas empresas para obras de infraestrutura, moradia ou o sistema elétrico, entre outras áreas.

“Esta é uma fórmula fantástica, financiamento para o desenvolvimento. É o desenvolvimento socialista”, afirmou Chávez em maio desse mesmo ano. Mais de uma década depois, executadas três etapas desse fundo binacional, com uma Venezuela caminhando para a hiperinflação, os resultados para a nação sul-americana são mais que duvidosos.

Só a Odebrecht, a empreiteira brasileira caída em desgraça pelas acusações de corrupção em quase toda América Latina, pode pretender acordos tão favoráveis com o chavismo como os conseguidos por empresas como a China Railway Engineering Corporation (CREC), China Camc Engineering (CAMC) ou a Citic Construction Co Ltd (CITIC), entre outras. 

A fórmula equatoriana para os contratos com a China

A relação entre o estado equatoriano e as várias empresas chinesas é profunda e difícil de desenrolar. Os contratos que os unem são difíceis de serem consultados. Conhecer seus valores precisos, condições, instituições envolvidas, é uma tarefa complexa: não existe um órgão estatal e nem um portal web que agrupe toda a informação. Os dados estão dispersos entre as entidades governamentais que os firmaram, onde tudo sucede lentamente e, nem sempre, se consegue toda a informação solicitada: de 13 pedidos de informação, apenas três tiveram resposta positiva mediante a entrega de sete contratos. Tentar explicar o que motiva o labirinto a ser percorrido para encontrar os contratos das empresas chinesas seria especular. Porém, há uma verdade evidente: a falta de transparência é uma das raízes da corrupção.

A falta de transparência tem, além disso, um custo. Um estudo do grupo FARO — feito em 2011, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento — determinou que, por exemplo, na área petroleira, a falta de transparência custa ao Equador pelo menos 2,87% do Produto Interno Bruto —mais de US$ 2 bilhões. Esse montante é suficiente para, por exemplo, quitar a hidrelétrica Coca Codo Sinclair.

No tortuoso caminho de encontrar a informação, existe um denominador comum nos sete contratos: a contratação foi realizada em regime especial, uma modalidade que permite, em certos casos, contratar com regras mais flexíveis. Em cinco deles, a obra estava vinculada ao financiamento de bancos chineses. Ambas as possibilidades estão previstas na Lei Orgânica de Empresas Públicas, aprovada em 2009. Segundo a vereadora e antiga vice-prefeita de Quito, Daniela Chacón, esta modalidade de contratação é muito interessante para políticos que “querem fazer as coisas sem transparência”. Chacón afirmou que o fato dos próprios contratos determinarem os processos de contratação (e a forma como são regidos) cria um vazio para a fiscalização. A transparência perde nestas condições.

As ‘entrelinhas’ dos grandes negócios na Venezuela

Em 30 de julho de 2009 a CREC, uma das firmas pertencentes ao holding China Railway Construction Corporation (CRCC), fechou um contrato com o Instituto de Ferrovias do Estado (IFE) por US$ 7,5 bilhões, para a construção do sistema ferroviário do “eixo norte-plano Tinaco-Anaco, sob a modalidade ‘turnkey contract’, empreita por valor total fechado”. O próprio Chávez havia autorizado a contratação dessa empresa, com várias atividades que envolvem recursos financeiros, materiais e humanos, no “punto de cuenta” 073-2009, com data de 3 de março de 2009, baseado, por sua vez, no convênio de cooperação econômica e técnica que assinaram ambos os governos em 24 de setembro de 2008, em Pequim.

“Obter crédito com a segunda economia do mundo é um grande aval para nós. Além disso, o importante é o destino que foi dado a esses recursos”, afirmava, em 2011, Jorge Giordani, então Ministro do Planejamento e mentor econômico de Chávez. Só que o trem, hoje, é um projeto inacabado. Em que pese o desembolso milionário – a cifra hoje representa 70% das reservas internacionais da Venezuela e excede o custo da recente ampliação do Canal de Panamá, a obra, que permitiria a viagem de trem entre o centro e o oriente da Venezuela a 220 quilômetros por hora, está em ruínas. Segundo o contrato, a CREC deveria concluí-la em “40 meses ininterruptos, contados a partir da assinatura do documento de início”.

A Venezuela pagou à CREC 10,66% do total em 2009, outros 26,67% do “montante total calculado” em 2010, 30% em 2011 e, finalmente, os 32,67% restantes em 2012, de acordo com o que foi pactuado. Mesmo que os pagamentos estivessem submetidos a “avaliações por obra executada”, a empresa se resguardou da possibilidade de que o preço final pudesse subir ainda mais durante seu andamento, por “obras adicionais”. Também deixou assegurado que os gastos associados à importação de máquinas e equipamentos para realizar a obra corressem por conta do estado venezuelano.

“O IFE será responsável por pagar todos os gastos relativos à admissão temporal de equipamentos ou recolhimento de impostos internos relativos aos materiais, partes e peças necessários para a execução da obra, assim como todos os gastos referentes à importação e impostos a serem pagos daqueles equipamentos, materiais, partes e peças destinados a ser incorporados à obra”, refere a cláusula 95 do contrato. No caso de “existir demora na introdução ao país dos bens e equipamentos importados, por causas não imputáveis à CREC e sempre e quando a importação haja tramitado com a devida antecipação, tal atraso dará lugar a uma prorrogação automática do prazo de execução, pelo mesmo período que durar o referido atraso”. Esta última disposição não é menos importante, levando-se em conta que os portos venezuelanos figuram entre os mais ineficientes da região.

Em que pese o valor milionário e a envergadura da obra, o contrato também estabelece a possibilidade de que a CREC subcontrate empresas sem maiores restrições. A “CREC deverá notificar ao IFE os subcontratados que pretenda contratar e o IFE se reserva o direito de não aprovar tais subcontratos quando, a seu juízo, existam razões fundamentadas para tal decisão, o que deve ocorrer dentro dos 11 dias subsequentes, contados a partir do recebimento da notificação e a recepção dos documentos do subcontratado”, regulamenta a cláusula 83 do acordo.

Graças a essa disposição, a empresa chinesa, depois de cobrar o governo em dólares, pôde contratar em bolívares (moeda venezuelana) construtoras venezuelanas, às quais impôs condições mais rigorosas que as fixadas pelo IFE à própria CREC. “O preço do presente contrato não pode ser modificado ou ajustado”, dizem os contratos que a CREC assinou com o Consórcio Maquivial-Otassca e com a Basis C.A, duas das companhias subcontratadas em 2010. Tal cláusula não somente foi uma camisa de força para as empresas locais, em meio a uma economia que já acumulava uma inflação de dois dígitos, mas também permitiu à CREC atuar em uma economia com várias taxas de câmbio, incluindo a do mercado “paralelo”, muito acima das taxas oficiais. “Ainda que a obra fosse financiada com o Fundo Chinês, esses pagamentos eram realizados em moeda nacional. Como eles (os chineses) vendiam os dólares? Isso era algo que os chineses não detalhavam aos contratantes”, explica uma fonte conhecedora do projeto, que prefere manter o anonimato.

No caso do acordo com o Consórcio Maquivial-Otassca pode-se até ler que “a falta de pagamento não dará lugar à paralização dos trabalhos por parte do contratado”, enquanto que no contrato com a Basis, a CREC estabeleceu que “o contratado deve trabalhar nos fins de semanas e também nos feriados”, disposição que confronta a legislação trabalhista venezuelana. “Para adiantar os trabalhos nos fins de semana, os chineses que estavam nas obras tomavam emprestadas máquinas particulares”, acrescenta a fonte consultada.

No contrato entre a CREC e o IFE também ficou permitida a possibilidade da contratação de chineses. A princípio, a empresa devia “fazer uso do recurso humano, em sua maioria, de nacionalidade venezuelana” (Cláusula 21), porém nos casos de contratação de mão de obra chinesa, ficou acordado que “o IFE cooperará e prestará todo apoio necessário para processar e expedir os vistos de trabalho ou de qualquer outra natureza, que permitam a permanência de tal pessoal em território venezuelano de forma legal e pelo tempo necessário para a execução dos trabalhos” (cláusula 91). Este ponto se repete em outros contratos das empresas chinesas com o estado venezuelano e, em alguns casos, foi motivo de reclamações por parte de sindicatos próximos ao governo.

Os questionamentos também partiram da China. A Administração Nacional de Ferrovias, o regulador do setor na China, em julho deste ano sancionou e multou a CRCC, a casa matriz proprietária da CREC, por impedimentos e falhas em vários projetos de seus subsidiários, assim como modificações, sem consentimento, nas obras ferroviárias que participou.

O financiador das obras faraônicas no Equador

O vínculo entre a China e o Equador se fortaleceu em 2009. O rompimento entre o governo do ex-presidente do Equador, Rafael Correa, e os organismos que tradicionalmente financiavam o país (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional) o obrigou a buscar dinheiro do outro lado do mundo. “Há um tratamento preferencial com a China”, disse Carolina Viola, docente da Pontifícia Universidade Católica do Equador, que estuda as áreas trabalhistas e ambientais dos projetos sino-equatorianos. “Porque no momento em que Equador recebia zero de financiamento externo, a China lhe deu o respaldo necessário”.

Nessa conjuntura, o grande país asiático se converteu no grande financiador do Equador. Segundo Paulina Garzón, especialista em investimento chinês na América Latina, as empresas chinesas obtiveram 70% dos maiores contratos públicos nos setores de mineração, petrolífero e hídrico, durante o governo de Correa.

A pesquisadora Diana Castro detectou 21 empresas, contratadas por entidades públicas de 10 áreas para, pelo menos, 63 projetos: construção de hospitais, escolas, pontes, edifícios, rodovias. Segundo Castro, também houve dificuldades para chegar aos contratos entre a China e o Equador. Contratos esses que costumam estar vinculados aos créditos a pagar por obras que ainda vão ser executadas e que são, em geral, 5% mais caros que os do Banco Mundial.

A década passada se caracterizou pela ânsia por obras faraônicas. A Plataforma Financeira Governamental, um gigantesco edifício construído para acolher 2.800 funcionários públicos das áreas econômicas do Estado, é uma delas. Foi levantado pela companhia chinesa CAMC, e os valores de seu contrato variavam segundo quem (e quando) informava seus custos. A estrutura foi criticada pelo aumento do preço sem justificativa aparente. O urbanista John Dunn escreveu: “Pela primeira vez em Quito, foi implantada uma edificação que rompe a condição geográfica do vale que contém a cidade. Já não se pode ver o [vulcão] Pichincha da avenida dos Shyris e da rua Japão [no centro norte de Quito]. Talvez tenhamos confundido “monumentalidade” com ‘hipertrofia’”.

Não é o único projeto em mãos de uma empresa chinesa com inconsistências e inconvenientes. A hidrelétrica Quijos era anunciada como outra das obras emblemáticas de Rafael Correa. Sua construção foi entregue à companhia chinesa National Electric Engineering (Cneec), por US$ 94 milhões. Deveria começar a funcionar em 2015. Mas não custou o que estava programado, assim como não foi entregue quando combinado: o orçamento chegou aos US$ 110 milhões e a entrega, adiada para março de 2016. A última informação disponível da Corporação Elétrica do Equador – Celec (junho de 2015) dizia que o projeto Quijos tinha pouco mais de 45% finalizado.

Dias antes de sua inauguração, depois de uma forte chuva, a gigantesca obra inundou. As garagens ficaram tão cheias de água, que os carros ficaram submersos até a metade.

Em dezembro de 2015, a Celec encerrou de forma unilateral o contrato com a empresa chinesa. “Pelo descumprimento das normas técnicas, de qualidade e de engenharia na execução da obra”, segundo declarou Manuel Andrade, chefe da obra civil do projeto e funcionário da Celec. Também explicou que estava sendo processada a cobrança de US$ 25 milhões pelas garantias do cumprimento do contrato. Pedimos a Celec que confirmasse se o pagamento havia sido cobrado, mas nunca obtivemos resposta. Essa mesma empresa foi declarada como contratada inapta por falhas no projeto hidrelétrico Mazar-Dudas, uma das oito centrais hidrelétricas da autoproclamada Revolução Cidadã, o governo liderado durante 10 anos pelo presidente Rafael Correa.

Coca Codo Sinclair foi também outra obra emblemática e com problemas. Mais uma das oito centrais hidrelétricas construídas durante o governo de Rafael Correa, segundo o Ministério de Energia, até abril de 2017 tinha 95% finalizada. Quando foi licitada, em 2008, a convocatória internacional vinha condicionada: era aberta, mas estava vinculada ao financiamento. As únicas aptas foram duas empresas chinesas. A Sinohydro Corporation ganhou a empreitada com uma proposta de US$ 1.979 milhões, aproximadamente US$ 400 milhões a mais que o custo que havia sido previsto no Plano de Eletrificação 2006-2015. É preciso evidenciar, em perspectiva, estes números: US$ 1.979 milhões permitiriam lançar quatro vezes ao espaço um foguete explorador (ou construir umas duas mil escolas do modelo ‘Século 21’). A diferença entre o que foi planejado e o custo real, de US$ 400 milhões, permitiria pagar 80 escolas do milênio, que o governo de Rafael Correa chegou a edificar até deixar o poder em 2017 (quando teve que parar de construí-las por falta de recursos, e optar pelo menos suntuoso modelo das escolas Século 21).

O multimilionário projeto Coca Codo Sinclair esteve cercado de questionamentos técnicos e de acusações de irregularidades em sua execução. No livro “Equador made in China”, o ativista político Fernando Villavicencio detalha três problemas da Coca Codo: não possuía estudos técnicos que justificassem a potência (a quantidade de energia que pode gerar) da hidrelétrica. Tampouco tinha os estudos definitivos para a contratação, quando a licitação foi lançada. A Corregedoria, encarregada de supervisionar o uso dos bens e dinheiro do estado, detectou que as multas que deveriam ter sido aplicadas à Sinohydro, entre março de 2010 e fevereiro de 2012, pelas falhas no contrato, não foram cobradas. Seriam US$ 425 mil diários, porém de acordo com o órgão de controle, só foram penalizadas as fases I e II do projeto, deixando de fora irregularidades de fiscalização ou atrasos na incorporação de pessoal e equipamento, entre outros. “No desenvolvimento do projeto, não acatou as ordens de fiscalização e supervisão, com respeito à entrega do planejamento; o início dos trabalhos diferiu em várias frentes de trabalho, atrasou o encerramento de vários itens contratuais, descumprimentos para os quais não existem sanções no contrato”.

A execução do contrato começaria quando o Eximbank entregasse os fundos para a obra. Passaram-se oito meses até que o banco chinês desembolsou ao Estado equatoriano US$ 1.682,7 milhões, ou seja, 85% do custo total do projeto. As obras foram iniciadas mais de dois anos depois, em 28 de julho de 2010.

Em uma cadeia de rádio e televisão, em setembro de 2014, o então presidente Rafael Correa se queixou dos atrasos. “Isto tem que terminar em fevereiro de 2016. Já tentaram me convencer que quatro meses, não mais, porque travou a perfuradora de túneis, não vamos aceitar isso, o contrato é muito claro”, disse em seu tom habitual, e assegurou que havia ordenado que as medidas necessárias fossem tomadas para que se multasse a construtora, caso não entregasse em fevereiro de 2016. “Cada dia de atraso é mais de um milhão de dólares que o país perde”, disse Correa. No entanto, sua advertência ficou somente em palavras. A inauguração foi nove meses depois da data inicialmente programada, 18 de novembro de 2016, com a presença do presidente da China, Xi Jinping.

A crescente presença chinesa no Equador nasce do interesse na riqueza em matérias primas do país sul-americano. Contudo não é o único fator. Para Yang Yong, pesquisador do instituto de Pesquisa Hengduan Mountain, existe, também, um pesado fator político. “A China está buscando maior comunicação e, especialmente, maior cooperação econômica com os países sul-americanos. O Equador é um dos primeiros países que estabeleceu relações diplomáticas com os chineses e, por isso, é preferido pela China”, afirma. Nesse cenário altamente politizado, os projetos hidrelétricos nem sempre saíram bem. “As companhias chinesas necessitam refletir e aprender, se querem que a situação geral melhore”, acrescenta Yang.

Conto de fadas

A inobservância das obras não freou as contratações de empresas chinesas por parte do governo venezuelano. Em julho passado, a empresa China Camc Engineering, subsidiária da China National Machinery Industry Corporation (Sinomach) que, em 2007, constituiu em Caracas a sociedade Camce Sudamérica, foi designada pelo governo de Maduro para um projeto de exploração de níquel. Previamente, em fevereiro de 2016, havia sido anunciado um “memorando de entendimento” para que a companhia também participasse, ao sudeste do território, da “certificação dos recursos do Arco Mineiro do Orinoco”, o plano com o qual a Venezuela busca neutralizar a queda dos ingressos petroleiros.

Esses negócios somam-se aos conseguidos pela CAMC em áreas como elétrica, agrícola e infraestrutura, em mais de uma década, e que superam os US$ 3 bilhões, apesar de que a própria Controladoria Geral da República advertira sobre irregularidades desta companhia na execução de seu primeiro contrato, em 2003. Foi o acordo para a construção do “Aqueduto Bolivariano do estado Falcón”, ao noroeste da Venezuela, considerado nesse momento como “um dos projetos hidráulicos de maior importância que se desenvolve na Venezuela”, graças ao “convênio de empréstimo” de 20 de dezembro de 2002, entre o Ministério de Finanças venezuelano e o Banco da China, segundo o relatório de gestão de 2007, elaborado pela Controladoria Geral da República.

O documento é um inventário sobre as irregularidades e inexecuções da Camc. “Foram observadas deficiências no planejamento e em seus processos administrativos, que redundaram na diminuição do alcance da obra e custos adicionais ao projeto. Tal situação se viu refletida no atraso de 352 dias, no seu auge, gastos cuja descrição não se relaciona diretamente com o projeto, nem com o objeto da contratação, pagamentos superiores aos estabelecidos contratualmente; omissões de aspectos relevantes nas cláusulas contratuais (lapsos de garantias das obras); incorporações de cláusulas contratuais confusas, entre outros”. A Controladoria Geral da República recomendava, além do mais, “instar a empresa chinesa Camc a proceder à substituição de 335 metros de tubulações” por não corresponder às especificações técnicas acordadas e exigia das autoridades “velar para que os custos de escavação, extração e transporte, não sejam relacionados, através de cobranças, ao Ministério do Poder Popular para o Ambiente”.

Conclusões similares às da Controladoria General da República podem ser tiradas do contrato assinado em novembro de 2005 entre a Citic Construction Co. Ltd, subsidiária da Citic Group, e o Ministério para a Moradia e Hábitat venezuelano. Nesse primeiro acordo entre ambas as partes para a edificação de 20 mil casas, por US$ 905 milhões, a empresa chinesa estabeleceu condições de confidencialidade, como que “nāo se exigirá que o contratado revele ao empregador, ou a nenhuma terceira parte o nome do empregador, qualquer informação financeira ou comercial, nem qualquer documento relacionado com o contratado, seus subcontratados, fornecedores, transportadores, agentes, fabricantes relacionados, consultores e seu pessoal (de qualquer nacionalidade, incluindo chineses, venezuelanos ou de um terceiro país)”.

Assim como fez a CREC para a construção da ferrovia Tinaco-Anaco, a Citic incluiu no acordo a opção de contratar mão de obra chinesa. Uma cláusula do documento estabeleceu que “o empregador deverá fazer os acertos para que o contratado esteja autorizado a operar a atividade do pessoal expatriado do contratado de nacionalidade não venezuelana, de acordo com a normativa chinesa sobre o trabalho (tais como, sem ater-se a, limites sobre as horas de trabalho diárias)” e que, no caso de que o “empregador não consiga estas isenções, dará como resultado que o contratado tenha direito a uma extensão de tempo”.

Exonerações de impostos, pagamento do contrato “exclusivamente em dólares dos Estados Unidos da América” e a opção de realizar “aumento de preços em cada pagamento, pela inflação de material e mão de obra”, foram outras das condições impostas pela Citic às autoridades venezuelanas, nesse primeiro acordo, de novembro de 2005. Algumas dessas condições foram suavizadas pela contrapartida venezuelana em um “addendum do contrato”, assinado quase um ano depois, em agosto de 2006. Entretanto, a Citic havia conseguido fechar um negócio muito favorável em solo venezuelano. Nessa primeira modificação, o contrato passou a ser cotizado em euros. “Cada casa teve um custo médio de 80 mil euros”, sustentou um construtor. De acordo com sua versão, igual aos casos da CREC ou CAMC, o contrato com a Citic foi revisado em várias oportunidades, até ao ponto que, em 2011, foram agregadas mais mudanças ao acordo inicial e o preço das casas não deixou de subir. Os fatos parecem dar-lhe razão, já que foi em julho passado, quando o presidente da República entregou algumas casas construídas pela Citic no Forte Militar Tiuna, em Caracas, um dos seis locais em que a empresa chinesa deveria construir essas casas.

“Agradeço à China, às empresas chinesas, aos trabalhadores e empresas venezuelanas, agradeço por tudo que fizeram de maneira permanente, porque nosso comandante lançou as bases desta nova Cidade Tiuna, na comunidade El Valle”, expressou Maduro esse dia. Na web da CITIC uma nota da imprensa também repercutiu o evento. “Durante seu discurso, Nicolás Maduro expressou seu agradecimento à CITIC Construction por suas grandes contribuições à Grande Missão Vivenda Venezuela (GMVV) (…) Também leu com entusiasmo os nomes dos principais assistentes chineses, um por um, e agradeceu sinceramente ao povo chinês por suas contribuições à construção e desenvolvimento da Venezuela”.

Ambas as opiniões estão distantes das dos acadêmicos e economistas venezuelanos. Em 2016, o professor e pesquisador da Universidade de Carabobo, Giovanni Gómez Ysea, solicitou perante a Comissão de Finanças da Assembleia Nacional e a então Procuradora Geral da República, Luisa Ortega Diaz, a revisão do esquema de financiamento com a China “por serem estes acordos ilegais e onerosos, com cláusulas leoninas contra os interesses da República, que causaram e seguem causando danos patrimoniais irreversíveis à nação”.

Para Alejandro Grisanti, economista e sócio da consultora Econalítica, o pecado está nos termos em que se concebeu a relação entre as duas nações. “Creio agora que a relação com a China foi sumamente negativa, pois os inúmeros projetos de investimento no setor não petroleiro, que supostamente deveriam ser desenvolvidos pela China e que praticamente nenhum deles estão funcionando, muitos deles estão em infraestrutura e outras áreas, porém desse número total de projetos muito pouco foi finalizado”.

Ainda que considere estratégica a aliança entre o país com as maiores reservas de petróleo do mundo e o que mais demanda energia, Grisanti insiste em que o resultado para a Venezuela não é favorável. “O balanço hoje é negativo, o balanço hoje é que se deu em condições de muita desigualdade, se deu com condições de importação de bens finais em lugar de bens de capital, é necessário que a Venezuela tenha uma relação de mais equilíbrio com a China e que possa estabelecer objetivos estratégicos de longo prazo”.

Casos como o de Chery, Haier ou Yutong, companhias chinesas que durante anos inundaram o mercado venezuelano com seus produtos e sem investir nada em troca, confirmam as palavras do economista.

Desde o início de 2000, a política estatal chinesa de ‘zhou chu qu’ (sair) animou grandes industriais chineses, como Sinohydro e Gezhouba, a buscar projetos no estrangeiro. “Estas companhias foram, em seu momento inicial, ministérios. Depois se converteram em empresas estatais e, depois, em companhias nas quais o governo ainda tem maioria”, reafirmou Darrin Magee, especialista em assuntos hídricos da Universidade Hobart & William Smith Colleges. Para Magee, estas empresas têm divisões internacionais, e estão executando projetos hidrelétricos basicamente em qualquer lugar onde se necessite ‘desenvolvimento’. Especialmente se a construção de barragens, rodovias e outra infraestrutura facilitar o acesso da China a recursos minerais, madeireiros e agrícolas.

Quando o mapa político da América Latina girou à esquerda, o gigante em expansão viu a oportunidade: afastado de seus financiadores tradicionais, países como Equador, Venezuela e Bolívia buscaram fontes alternativas para cumprir as promessas de desenvolvimento de seus líderes populistas. Chávez (e depois Maduro) na Venezuela viram nos bancos e empresas chineses a resolução da equação do progresso nacional. Rafael Correa, no Equador, rapidamente seguiu-os. Porém, os resultados da aliança com a China, anunciada como uma fórmula para o desenvolvimento venezuelano há mais de uma década, são discretos. Alguns deles são hoje projetos falidos. Algo similar aconteceu — e acontece ainda, no Equador, onde a construção de obras megalômanas por companhias chinesas não está isenta de problemas, atrasos e suspensão por inadimplência.

Ambas as historias são apenas um vestígio do efeito da expansão chinesa pela América Latina.

Esta matéria foi produzida em colaboração por GK.city Armando.info. Contribuiram nas pesquisas Mayela Armas y Ludovica Meacci