Clima & energia

Grandes hidrelétricas na Colômbia: o quão viáveis elas ainda são?

Atrasos na usina de Hidroituango geram dúvidas sobre a dependência colombiana em hidrelétricas e sua futura matriz energética
<p>Trabalhadores em obra da hidrelétrica de Hidroituango em abril de 2019. A usina, assolada por problemas e atrasos, terá 2,4 GW de capacidade e será a maior do país a entrar em operação, em novembro (Imagem: Luisa Gonzalez / Alamy)</p>

Trabalhadores em obra da hidrelétrica de Hidroituango em abril de 2019. A usina, assolada por problemas e atrasos, terá 2,4 GW de capacidade e será a maior do país a entrar em operação, em novembro (Imagem: Luisa Gonzalez / Alamy)

A construção da maior hidrelétrica da Colômbia, Hidroituango, não tem sido simples. Em muitos aspectos, tem sido catastrófica. Devido aos vários atrasos para começar a operar e a uma crescente conscientização de seus enormes impactos socioambientais, muitos observadores acreditam que esse será provavelmente o último grande projeto de hidrelétrica a ser erguido no país, pelo menos por um bom tempo.

O controverso projeto custou 16,2 trilhões de pesos (R$ 19,6 bilhões) financiados em parte com capital chinês, com recursos vindos do Fundo de Cofinanciamento da China para a América Latina e o Caribe, que é administrado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Comercial e Industrial da China.

R$ 19,6 bilhões


Foi o custo do controverso projeto de Hidroituango, a maior hidrelétrica da Colômbia

A construção da usina de 2,4 gigawatts (GW) começou em 2011, com as obras realizadas pela EPM, construtora pública de Medellín. E sua conclusão continua atrasada: embora estivesse previsto começar a gerar energia em julho deste ano, o novo prazo agora é final de novembro.

A hidrelétrica também tem tido custos elevados em outras áreas. Isabel Zuleta, ambientalista e líder de Ituango, cidade do rio Cauca que dá nome à hidrelétrica, descreveu Hidroituango como “um desastre socioambiental com culpa internacional”.

Zuleta, agora senadora da coalizão partidária Pacto Histórico, líder nas pesquisas para as eleições presidenciais deste mês, explica que a hidrelétrica empurrou milhares de famílias para a miséria, além de afetar seriamente a biodiversidade e o meio ambiente do entorno.

“Como Hidroituango foi lançado durante uma situação muito complexa e urgente, a maioria dos impactos ambientais é negativa. Presume-se que os impactos positivos serão vistos a partir das transações [de energia gerada] e da operação do projeto”, diz Santiago Ortega, engenheiro civil da empresa de energia sustentável Emergente.

Temores sobre o potencial fracasso de Hidroituango provocaram discussões sobre a necessidade de grandes usinas hidrelétricas na Colômbia, em um momento em que outras opções energéticas estão se tornando mais atraentes e prontamente disponíveis.

Histórico de usinas hidrelétricas na Colômbia

As usinas hidrelétricas geram 68% da eletricidade na Colômbia, um país rico em recursos hídricos, com muitas áreas de alta pluviosidade e topografia adequada para tais projetos. Desde os anos 1970, essas condições têm tornado os projetos energéticos uma opção atraente, vista como um meio de aumentar a capacidade instalada e promover o desenvolvimento.

Desde então, foram construídas 33 hidrelétricas na Colômbia, notadamente as de Urra, Salvajina, Chivor e Guavio, entre outras. Especialistas explicaram ao Diálogo Chino que entre as razões para a histórica inclinação do governo colombiano a essa alternativa estão as baixas emissões de gases poluentes e os baixos custos de produção da hidrelétrica em comparação com as usinas nucleares.

Entretanto, Francisco Torres, professor da Universidade Distrital de Bogotá, diz que foram realizados poucos estudos sobre os impactos ambientais da onda de hidrelétricas construídas na segunda metade do século 20. Os efeitos só se tornaram mais visíveis após a construção de grandes projetos no início deste século, incluindo Hidroituango e El Quimbo.

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José Ignacio Barrera, pesquisador de biologia e ecologia da Pontifícia Universidade Javeriana, de Bogotá, explica que os impactos socioambientais das hidrelétricas na Colômbia são ainda consideráveis, mesmo décadas depois de erguidas.

“A dinâmica da água é alterada. Há impactos como a perda de conectividade e do habitat de algumas espécies”, diz Barrera. “Há um ganho de um lado com a produção de energia para o país, mas há impactos enormes”.

Santiago Ortega explica que levou tempo para aprender o impacto das usinas hidrelétricas — especialmente aqueles sobre a qualidade de vida das pessoas. Como exemplo, ele aponta que as comunidades próximas a grandes hidrelétricas, particularmente San Carlos e San Rafael, no departamento de Antioquia, “não sentiram os benefícios reais de ter uma máquina de produção de energia tão grande nas proximidades”.

O professor Torres diz que para torná-los viáveis é necessário avaliar quais impactos podem ser corrigidos, mitigados ou compensados. Por exemplo, a construção da hidrelétrica de El Quimbo, no sul do país, teve início apesar da enorme oposição das comunidades próximas, que seriam deslocadas por causa de sua chegada. Os despejos foram controversos, mas o projeto entrou em operação no final de 2015 e tinha um plano de restauração ecológica que cobria 11 mil hectares adjacentes ao reservatório.

Torres explica que, embora a eletricidade gerada pelas hidrelétricas seja mais barata do que a por algumas outras fontes, a maioria dos países evitou a construção de grandes usinas devido aos riscos que elas representam nas áreas em que estão estabelecidas. A compra de terrenos, os custos de realocação de famílias e a compensação pelos impactos ambientais — sem mencionar as despesas de construção propriamente ditas — significam que esse objetivo acaba saindo muito caro, diz Torres.

Da mesma forma, não há certeza sobre o futuro dessas construções e a confiabilidade de sua produção diante das mudanças climáticas, que afetam e exacerbam as estações — com mais chuvas no período chuvoso e menos chuvas no período seguinte, causando secas mais longas, como descreve a Organização Latino-Americana de Energia.

No aspecto ecológico, como disseram pesquisadores da Universidade de Michigan, “há hidrelétricas sendo construídas em lugares onde não faltam informações sobre o quão ricas são as populações de peixes e quais seriam seus custos biológicos ou econômicos”. Segundo os pesquisadores, mais estudos são necessários para as megaobras.

Obras controversas de hidrelétricas

Um dos últimos projetos hidrelétricos de grande porte anunciados na Colômbia é o Talasa, que ficará no rio Atrato, em Chocó — uma região de floresta na fronteira com o Panamá, muitas vezes negligenciada pelo Estado e atormentada pelo longo conflito armado do país.

Nessa região inóspita, a chinesa CTGI, subsidiária da gigante China Three Gorges Corporation, está planejando sua construção. Há poucas informações sobre o projeto, inclusive sobre seus possíveis impactos ambientais. A única coisa conhecida é sua capacidade instalada planejada de 168 MW.

68%


da eletricidade na Colômbia é gerada por hidrelétricas

Mesmo assim, uma resolução do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia de agosto de 2021 determinou a redução “temporária” de 50 hectares da Reserva Florestal Protegida do Pacífico, onde o projeto estaria localizado.

O Diálogo Chino procurou a Autoridade Nacional de Licenciamento Ambiental do governo colombiano, mas não obteve nenhuma resposta.

Em um relatório de 2020 sobre investimentos chineses na Colômbia, o pesquisador David Cruz, da organização colombiana Asociación Ambiente y Sociedad, pontuou preocupações com projetos como o de Hidroituango, financiado por uma parceria público-privada.

“Foram identificados alguns problemas relacionados com os altos custos de construção, a falta de transparência na negociação dos contratos, suas limitações na prevenção de impactos ao meio ambiente e a limitação da participação de populações envolvidas”, disse.

Rumo da energia na Colômbia

Devido aos altos custos socioambientais das hidrelétricas, e após a experiência de Hidroituango, especialistas concordam que seja improvável construir novas grandes usinas na Colômbia.

Isto não significa, porém, que o potencial hídrico do país não será explorado. “Agora, eles preferem projetos de geração menor, com um impacto mais focado, que não afetem áreas tão grandes”, explica Torres.

Ele menciona projetos de geração através de usinas de menor escala, além de projetos eólicos e solares com menores impactos socioambientais.

Santiago Ortega concorda. “Havia um projeto hidrelétrico de mais de 300 MW que estava prestes a ser construído, mas foi abandonado”, disse ele, referindo-se ao projeto Porvenir II em Antioquia. “Acho que esse é um sinal muito forte”.

O projeto Porvenir II, da colombiana Celsia, tinha uma licença de construção concedida em 2015, mas tem sofrido desde então forte oposição das comunidades vizinhas. A própria empresa admitiu que uma das principais razões para querer vender o projeto é investir em energias renováveis.

Ortega explica que os complexos de geração de energia mais interessantes podem ser vistos em outros cenários: projetos eólicos em Guajira, parques solares ao longo da costa caribenha e unidades de menor escala espalhadas por todo o país.

A discussão sobre quais são as fontes de energia mais limpas e ecologicamente viáveis já está ocorrendo na Colômbia. As próprias empresas estão cientes dos danos que foram causados

“Hoje o setor está em um processo de descentralização e começamos a ver, o que é muito interessante, projetos em telhados, casas e empresas”, acrescenta Ortega.

Ele dá o exemplo do Vietnã, que em um ano construiu 9 GW de capacidade solar em telhados — um número impressionante se comparado à capacidade de 2,4 GW da problemática usina de Hidroituango.

Mesmo assim, Ortega defende a manutenção de grandes hidrelétricas como parte da matriz energética da Colômbia no curto prazo: “Um problema das usinas solar e eólica é que a energia não pode ser armazenada. Já um reservatório é como uma bateria muito grande”, afirma o pesquisador. “Portanto, os reservatórios nos ajudarão a atingir a descarbonização muito mais rapidamente”.

José Ignacio Barrera, por sua vez, acredita que o caminho para as energias limpas não tem volta: “A discussão sobre quais são as fontes de energia mais limpas e ecologicamente viáveis já está ocorrendo na Colômbia. As próprias empresas estão pensando nisso, porque estão cientes dos danos que foram causados”.